Quando nos movemos, o que garante que o movimento seja fluido e não cause dor é a cartilagem. Trata-se de um tecido que dá forma a partes do corpo como as orelhas ou o nariz, mas que também se manifesta nas extremidades dos ossos, funcionando como um acolchoamento flexível que reduz a fricção entre os ossos e permite o movimento nas articulações.
É uma parte fundamental de nós, mas também uma parte delicada. Por isso, nos últimos anos, temos tentado criar cartilagem do zero: há testes com impressoras 3D, cultivo por meio de células-tronco e até mesmo injeções de hidrogel na cartilagem humana para fins de reparo.
É um campo em desenvolvimento e, agora, os cientistas da Universidade Northwestern apresentaram um avanço: eles criaram um novo material bioativo que conseguiu regenerar cartilagem de alta qualidade nas articulações do joelho. E os testes estão indo tão bem que espera-se que ele seja usado para prevenir cirurgias e doenças degenerativas.
Moléculas dançantes
Antes de mergulharmos nesse novo biomaterial, precisamos falar sobre os avanços anteriores da mesma universidade. Em novembro de 2021, os pesquisadores de Northwestern desenvolveram uma terapia injetável que podia reparar tecidos e reverter a paralisia após lesões graves na medula espinhal. Eles conseguiram isso graças a algo chamado de "moléculas dançantes".
Tratam-se de nanofibras sintéticas compostas por centenas de milhares de moléculas, as quais levam informações às células. Graças à sua estrutura química, elas estão em constante movimento, o que facilita que, dentro do corpo, se conectem adequadamente a receptores celulares que também estão em constante movimento — quando se unem, as nanofibras imitam a matriz extracelular do tecido cartilaginoso. Com essa técnica, os pesquisadores encontraram resultados promissores tanto para a regeneração da cartilagem quanto para a regeneração óssea.
O novo biomaterial
O tratamento das moléculas dançantes foi relevante, mas a novidade dos pesquisadores da Northwestern é um material bioativo que já está sendo testado e que demonstrou eficácia na regeneração de cartilagem de alta qualidade. Trata-se de uma substância gomosa que é, na verdade, uma rede de componentes moleculares que imitam o ambiente natural da cartilagem do corpo.
Em vez de utilizar as moléculas dançantes, o novo biomaterial consiste em dois componentes. Um é um peptídeo bioativo que se liga ao TGFb-1, uma proteína essencial para o crescimento e a manutenção da cartilagem. O outro é o ácido hialurônico modificado, um polissacarídeo presente naturalmente na cartilagem e no líquido sinovial que lubrifica as articulações.
Testes de campo
Quando o peptídeo se une às partículas de ácido hialurônico modificadas, incentivando a auto-organização das fibras em escala nanométrica para imitar a arquitetura natural da cartilagem, as próprias células do corpo são estimuladas a regenerar o tecido cartilaginoso. Isso ocorre através de sinais bioativos nessas fibras, que incentivam as células do corpo a criar cartilagem.
Nos estudos, os pesquisadores injetaram o material em articulações danificadas de ovelhas. Curiosamente, a cartilagem das ovelhas é muito semelhante à dos humanos — resistente, porém muito difícil de regenerar. Em apenas seis meses, foram observadas evidências de uma reparação significativa, com crescimento de cartilagem com biopolímeros naturais, como colágeno II e proteoglicanos. Em animais menores, esse processo é ainda mais rápido.
Potencializando a cartilagem
Além do crescimento de nova cartilagem, os pesquisadores destacaram que o tecido reparado era consistentemente de melhor qualidade em comparação com a cartilagem de controle. O novo estudo foi liderado pelo renomado químico Samuel I. Stupp (também responsável pelas "moléculas dançantes"). Ele acredita que essa abordagem pode substituir o modelo mais comum de terapia atual, que é a cirurgia de microfraturas. Nela, microfraturas são induzidas nos ossos para estimular o crescimento de fibrocartilagem, um tipo mais rígido que é também presente nas orelhas e no nariz.
A nova técnica visa promover a geração de cartilagem hialina, que é a que temos entre os ossos e que proporciona flexibilidade e amortecimento. A aplicação desse biomaterial tem potencial não só para evitar cirurgias de substituição de joelho, mas também para tratar condições degenerativas, como a osteoartrite, e para a reparação de cartilagem em lesões esportivas.
Esse novo material pode representar um grande avanço, por exemplo, na medicina esportiva, em casos de lesões como o rompimento do ligamento cruzado anterior, ao proporcionar um cartilagem elástica e suave para as articulações. Com os métodos atuais, um jogador de futebol leva de nove meses a um ano para se recuperar dessa lesão.
Próximos passos
Esses avanços na regeneração da cartilagem são extremamente importantes. Em 2019, a OMS estimou que quase 530 milhões de pessoas em todo o mundo sofrem de osteoartrite, uma condição degenerativa em que os tecidos das articulações se deterioram com o tempo. Isso faz com que os ossos se friccionem durante o movimento, causando muita dor e exigindo uma cirurgia de substituição articular.
Com esse tipo de biomateriais, o objetivo é regenerar a cartilagem de maneira menos invasiva, em vez de simplesmente substituir a articulação. Os próximos passos da equipe da Northwestern são continuar os ensaios em animais com estruturas grandes semelhantes às dos humanos para observar como o novo tecido responde ao longo do tempo. Dessa forma, poderão verificar se o tratamento pode ser aplicado em pessoas.
Imagem | Universidad de Northwestern, Stupp Group
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