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Navio do Século XVII recuperado em Cadiz foi uma surpresa de mais de 50 metros para os arqueólogos

Os arqueólogos acreditam que o navio pode ter superado os 50 metros de comprimento e foi projetado para cruzar oceanos.

Navio Recuperado Em Cardiz Surpreende Pesquisadores
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Sofia Bedeschi

Redatora

Jornalista com mais de 5 anos de experiência no ramo digital. Entusiasta pela cultura pop, games e claro: tecnologia, principalmente com novas experiências incluídas na rotina. 

O navio Delta I começa a revelar seus segredos. Aos poucos, com importantes incógnitas ainda por resolver, como sua origem, a rota que seguiu antes de afundar há quatro séculos na Baía de Cádiz ou seu verdadeiro nome; mas de maneira clara.

Após ser resgatado do leito marinho no final de julho, o Centro de Arqueologia Subaquática passou semanas examinando detalhadamente seus restos para desvendar uma história que já trouxe algumas revelações fascinantes. Por exemplo, agora sabemos que, antes de naufragar na costa da Andaluzia, o Delta I era um navio enorme, muito maior do que se esperava, preparado para travessias transoceânicas.

Especialistas afirmam que os destroços reflutuados em Cádiz oferecem “uma oportunidade única” para aprender como os navios eram construídos há quatro séculos.

O que é o Delta I?

Uma janela para o passado e uma oportunidade única para compreender melhor como eram e como eram fabricados os navios em meados do século XVII. "Delta I" é o nome dado pelos arqueólogos a um naufrágio de origem e identidade desconhecidas, localizado há mais de uma década durante trabalhos de dragagem no Porto de Cádiz. Até então, seus restos permaneciam ocultos sob a lama da baía, invisíveis aos equipamentos de sondagem.

A descoberta foi extraordinária. Entre os restos, os arqueólogos encontraram canhões de ferro, lingotes de prata das minas de Oruro e Potosí, um sino de bronze com a inscrição "Jesus, Maria e José 1671", pedaços de cerâmica, ossos de animais, vidros...

Com o tempo, o navio "viajou". Primeiro, seus restos foram movidos para uma área próxima, ficando em um ponto com 5,5 metros de profundidade. E, há apenas alguns meses, em julho, ele foi flutuado e levado à terra para facilitar seu estudo.

Vista superior do navio recuperado

"Uma oportunidade única."

A frase é da Junta da Andaluzia, responsável pelo Centro de Arqueologia Subaquática (CAS). Recentemente, a conselheira de Cultura e Esporte visitou a área onde os arqueólogos estão dedicados a limpar e estudar detalhadamente o naufrágio, que despertou grandes expectativas. Os especialistas esperam que ele forneça pistas para entender melhor como os navios foram construídos em meados do século XVII. "É a primeira vez na Espanha que se estudam fora d'água os restos de um barco dessa época", ressaltou a conselheira Patrícia del Pozo.

Para aproveitar ao máximo essa oportunidade, os especialistas estão examinando os restos minuciosamente. Durante o primeiro mês de trabalho, conforme relata La Voz de Cádiz, foi utilizado um drone para documentar o estado do naufrágio. As fases seguintes foram dedicadas à limpeza e ao estudo dos blocos de ferro e pedra que equilibram o navio.

O objetivo dos pesquisadores é criar gêmeos digitais do navio, tanto virtuais, em 3D, quanto físicos, em diferentes escalas. A madeira e os moluscos aderidos à estrutura também serão analisados.

Certas peças, inclusive, serão estudadas na Universidade Trinity Saint David, no País de Gales. Tudo isso com o intuito de descobrir o máximo possível sobre a história do Delta I.

Restauracao De Navio Recuperado Em Cardiz

Já descobriram algo?

Sim! Os arqueólogos já conheciam alguns dados importantes sobre o Delta I. Por exemplo, eles o dataram do século XVII e o identificaram como uma construção atlântica. A maior parte preservada do navio é a base, com cerca de 20 metros de comprimento e sete de largura. No entanto, após os estudos mais recentes, os arqueólogos concluíram que a estrutura total era muito maior e pode ter superado 50 metros de comprimento.

"De forma quase milagrosa, foi preservada a parte central da base de madeira de carvalho, que tem mais de 20 metros, mas os estudos já confirmam que o navio era de proporções maiores e pode ter superado 50 metros de comprimento, provavelmente construído para navegar longas distâncias", explicam representantes da Junta da Andaluzia.

Quão grande era?

"Na quilha faltam os sete metros da roda de proa, mas na popa faltam outros 20 metros", explica Milagros Alzaga, chefe do CAS, ao El País. Nos vestígios extraídos da baía, ainda há restos que ajudam a ter uma ideia mais precisa da estrutura da embarcação, como a localização do mastro principal ou como era o porão.

Com todos os dados disponíveis, a especialista já aponta para uma embarcação robusta, capaz de transportar cargas e cruzar oceanos.

"É possível observar um porão muito amplo, quase sem curvatura, permitindo armazenar uma grande quantidade de suprimentos e materiais. A base também nos indica que estamos diante de uma construção atlântica de um navio muito robusto. A estrutura das cavernas do navio está muito próxima, o que revela que ele estava preparado para realizar navegações transoceânicas." O CAS, o CIS e os especialistas de Gales, Lisboa e Alicante envolvidos no estudo concordam: "Não era um navio qualquer".

Navio Recuperado

A madeira não deixa mentir

Há mais, conforme explica La Voz de Cádiz, mencionando a descoberta de peças de artilharia incompletas, balas de ferro para canhões e pedaços de madeira de guaiacá, originária da América. Essa é uma pista interessante, diz Alzaga, pois esse material era valorizado por duas razões: sua resistência, tornando-o um recurso especialmente valioso para fabricar certas peças das embarcações; e seus usos medicinais, apreciados na época para o tratamento de sífilis ou reumatismo. Os especialistas também identificaram piche e esparto na madeira.

"Na parte externa inferior do casco, encontramos uma camada de sacrifício, que tinha uma dupla função: proteger essa parte inferior do navio contra impactos e também proteger o revestimento externo de xilófagos, uma espécie de verme que vive em águas quentes e se alimenta de madeira, perfurando-a e criando canais, o que representava um grande perigo para os navios", acrescenta Alzaga.

Detalhes que dizem muito

Embora possam parecer detalhes menores, esses achados revelam (muito) mais do que aparentam. Por exemplo, os pregos de ferro de seção quadrangular identificados pelos especialistas indicam que não houve problemas financeiros durante a construção do navio. O motivo? Essa opção era mais cara do que outras alternativas. O que parece ter sido escasso, no entanto, foi a madeira, o que pode ter levado à reutilização de tábuas de outros navios.

Longas travessias... e jogos de diversão com facas?

Em um dos tábuas de carvalho, foram descobertas marcas que parecem contar histórias de marinheiros se distraindo, seja com uma partida de jogo-da-velha ou com uma brincadeira mais arriscada, associada ao imaginário popular dos antigos bucaneiros: colocar a mão sobre uma superfície sólida, como uma madeira, e espetar um facão o mais rápido possível entre os dedos.

"Foram descobertas marcas feitas pelos carpinteiros do galeão ou pela tripulação que lembram um tabuleiro de jogo-da-velha, além de um círculo e as letras ou números (possivelmente em alfabeto romano) 'V' e 'X'", explica a Junta da Andaluzia. "Em outra parte, há pequenas marcas triangulares que foram atribuídas ao perigoso jogo da faca, ou 'filete de cinco dedos', no qual a ponta da faca é passada rapidamente entre os dedos, correndo o risco de causar ferimentos."

Ainda há trabalho?

Muito! A fase atual ainda não foi concluída, e os especialistas estimam que levarão meses trabalhando no laboratório e nos arquivos. Depois de extraírem o máximo de informações possíveis, o Delta I será devolvido ao mar, onde será ancorado em uma área previamente localizada.

Embora possa parecer uma solução incomum, a conselheira defende que essa decisão é tomada com o objetivo de preservar os restos do navio.

"Não temos ainda as técnicas necessárias que nos permitam garantir a conservação desse naufrágio fora da água. Até que essas técnicas sejam desenvolvidas no futuro, para a preservação a seco, as peças serão mantidas sob o mar".

As perguntas sem respostas - ainda

O estudo do Delta I ainda precisa resolver importantes mistérios. E não se trata apenas de desvendar como os navios foram construídos no século XVII.

Os especialistas também esperam obter respostas para o grande enigma do Delta I: Que navio era esse? O que aconteceu para que ele acabasse no fundo lamacento do golfo de Cádiz? Quando naufragou? E qual foi o motivo? De onde veio? E para onde estava indo? Por enquanto, já sabemos que se trata de uma grande embarcação de 50 metros.

Imagens | Wikipedia, Junta de Andalucía 1 e 2

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