Tendências do dia

Depois de se expandir por todo o planeta, o turismo chegou à Antártida; e já está cobrando seu preço.

O fluxo de visitantes e a oferta de turismo na Antártida aumentaram significativamente ao longo das últimas décadas. Especialistas alertam sobre os riscos ambientais, incluindo o impacto no ecossistema local e o aumento da pegada de carbono.

O crescimento do turismo na Antártida. Imagem: Jeremy Stewardson (Unsplash) 1, 2 y 3
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Sofia Bedeschi

Redatora

Jornalista com mais de 5 anos de experiência no ramo digital. Entusiasta pela cultura pop, games e claro: tecnologia, principalmente com novas experiências incluídas na rotina. 

Com o início de 2025 e o calendário de folgas reiniciado nas empresas, muitas pessoas já começam a se perguntar: para onde viajar nas próximas férias? Pode parecer estranho, mas um número crescente de turistas tem olhado para um destino inesperado: a Antártida.

Embora o fluxo de visitantes ao continente gelado ainda esteja muito longe das multidões que lotam países como Espanha ou Japão no verão, os dados mostram um crescimento acelerado, consolidando a região como um destino cada vez mais procurado por aventureiros. E isso, de certa forma, representa um problema ambiental significativo.

Férias na Antártida? Sim, e não é novidade

O turismo na Antártida não é um fenômeno recente, mas o que chama atenção é o crescimento exponencial da demanda nos últimos anos.

O setor começou a se desenvolver em meados do século XX. Em 1959, o Tratado da Antártida foi assinado em Washington para preservar a região como uma “reserva natural dedicada à paz e à ciência”, e na década de 1960, já havia regulamentações específicas sobre turismo.

A antropóloga Sahana Ghosh, em artigo publicado na Nature, destaca que o fluxo de turistas disparou entre o final dos anos 1960 e início dos anos 1970, impulsionado pelo navio MS Explorer e pelos voos comerciais da Argentina.

Durante as décadas seguintes, questões sobre exploração mineral e soberania territorial deixaram o turismo em segundo plano, permitindo sua expansão sem grandes restrições.

Nos anos 1990, o número de visitantes cresceu tanto que voltou a chamar a atenção da comunidade internacional, e desde então, continua aumentando rapidamente.

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O turismo na Antártida está realmente crescendo?

Não se trata apenas da quantidade de turistas, mas da tendência de crescimento, que tem sido claramente ascendente há anos.

Os dados da Associação Internacional de Operadores de Turismo da Antártida (IAATO), fundada em 1991 por agências especializadas em viagens ao continente gelado, são reveladores. No início dos anos 1990, cerca de 7.000 pessoas por ano visitavam a Antártida. No inverno de 2017, esse número já havia saltado para quase 44.000. Em outubro de 2024, a CNN revelou que a previsão para o ano seria de mais de 122.000 turistas.

Os registros da IAATO também mostram um crescimento expressivo dos visitantes que chegam à Antártida apenas em cruzeiros, sem desembarcar no gelo. Em 2017, esse número era de 7.000, e na última temporada já havia ultrapassado 43.000, um aumento de mais de 500%.

Mais de 124.000 visitantes

Há um ano, a BBC publicou um extenso relatório sobre o aumento do turismo na Antártida, destacando uma previsão alarmante: pela primeira vez, o número de visitantes poderia ultrapassar 100.000 durante a temporada de outubro de 2023 a março de 2024, um crescimento de 40% em relação ao recorde anterior.

Os dados finais da IAATO confirmam que o fluxo de turistas foi ainda mais intenso. Na temporada 2023-2024, foram registrados:

  • 43.224 turistas a bordo de cruzeiros, sem desembarcar
  • 80.251 visitantes terrestres, que pisaram no continente
  • 787 turistas de "campo profundo", aqueles que viajaram ao interior da Antártida ou exploraram a Península Antártica e as ilhas próximas

O crescimento acelerado do turismo na região tem levantado alertas sobre os impactos ambientais e a capacidade de manter a Antártida protegida das consequências da exploração humana.

Mais turistas, mais oferta

O aumento do número de visitantes na Antártida também impulsionou uma transformação na oferta de turismo. Em outubro, a CNN conversou com Robin West, diretor-geral de expedições da Seabourn, que relembrou como eram as primeiras viagens ao continente gelado. Quando visitou a região pela primeira vez, em 2002, os poucos navios disponíveis para turistas ofereciam apenas o básico: literas, banheiros compartilhados e um regime de alimentação quase militar.

Na época, viajar para a Antártida significava embarcar em pequenos navios antigos ou em quebra-gelos russos e canadenses, sem qualquer tipo de conforto comparável aos cruzeiros modernos.

Entre suítes e brindes com champanhe

Hoje, a realidade é completamente diferente. Empresas como Lindblad e National Geographic começaram a mudar o setor anos atrás, e, desde então, a oferta evoluiu para se equiparar a destinos tradicionais de cruzeiros de luxo.

Segundo Colleen McDaniel, da Cruise Critic, nos últimos anos Ponant, Silversea, Seabourn e Scenic deram um grande salto na experiência de turismo premium.

Os cruzeiros de expedição agora oferecem suítes luxuosas, restaurantes sofisticados, spas, experiências de aventura, cabines com varandas panorâmicas e jantares regados a champanhe diante de icebergs. A experiência na Antártida, que antes era rústica e desafiadora, passou a ser uma imersão em aventura e exclusividade, elevando ainda mais o interesse dos viajantes pelo destino.

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A indústria está em expansão

Para Elizabeth Leane, professora de Estudos Antárticos na Universidade da Tasmânia, a leitura que o setor deixa é clara. "A indústria está em expansão e há uma grande diversificação de atividades, que incluem caiaque, submersíveis e helicópteros", relatou recentemente à BBC. "Em algum momento, crescerá demais, mas não sabemos qual será esse número exato."

Passar alguns dias entre as águas geladas da Antártida talvez ainda não seja uma atividade de massa, mas, de modo geral, prevalece a ideia de que nunca foi tão fácil nem tão confortável chegar ao Polo.

Navios com mais de 400 lugares

Há um ano, a IAATO tinha 95 embarcações registradas em seu diretório, incluindo cerca de vinte iates, projetados para que turistas com um bom orçamento possam visitar uma das regiões mais remotas do planeta. A lista incluía navios com capacidade para mais de 400 visitantes. E nem todos eram exatamente milionários.

Quando produziu sua reportagem no Polo, a CNN conversou com um casal de policiais aposentados de Las Vegas. Ela trabalhava como agente de viagens. Ele aproveitava a aposentadoria viajando.

O outro custo do turismo

O problema é que o turismo na Antártida não gera apenas um custo financeiro mensurável em euros ou dólares. O fluxo de visitantes e cruzeiros impõe um outro custo que preocupa ainda mais os cientistas: o impacto ambiental.

Em 2022, um grupo de pesquisadores publicou um artigo na Nature analisando especificamente a pegada de carbono associada à presença humana na região. O estudo levava em conta tanto a atividade dos cientistas quanto a circulação de turistas.

"O carbono negro resultante da queima de combustíveis fósseis e biomassa escurece a neve e faz com que ela derreta mais rápido. A pegada de carbono negro das atividades de pesquisa e turismo na Antártida provavelmente aumentou à medida que a presença humana no continente cresceu nas últimas décadas", apontava o artigo.

Após a análise, os especialistas constataram um maior teor de carbono na neve próxima às bases científicas e aos pontos de desembarque de turistas, o que impactava diretamente a integridade da camada de gelo.

Além do carbono

A poluição gerada pelos navios não é a única preocupação dos cientistas. Para evitar que os turistas introduzam bactérias ou vírus no ecossistema, aqueles que desembarcam recebem certas orientações: nada de deitar na neve ou se aproximar da fauna.

Os membros da IAATO também seguem normas voltadas para a proteção do meio ambiente antártico, que incluem protocolos de esterilização e diretrizes para a eliminação adequada dos resíduos gerados.

Pode parecer exagero, mas diversos estudos já analisaram minuciosamente as roupas, equipamentos e até os bolsos dos visitantes, confirmando a ameaça que um desembarque descontrolado pode representar para a Antártida.

"Os riscos são reais. Uma espécie invasora de gramínea se estabeleceu em uma das Ilhas Shetland do Sul, na Antártida, enquanto a gripe aviária chegou recentemente às Ilhas Subantárticas, onde teve um efeito devastador na população de focas", comentou há um ano a professora e ecologista antártica Dana Bergstrom à BBC.

Um desafio constante

O setor não está alheio aos desafios que o turismo na Antártida representa. Na verdade, um dos temas centrais da reunião RCTA de 2024 foi justamente esse: a urgência de um turismo responsável que não interfira nas rotas de viagem nem na vida selvagem. Os operadores estão cientes disso e adotam medidas como protocolos para proteger os ecossistemas e o uso de embarcações com propulsão elétrica para reduzir a pegada de carbono. O que está em jogo é a preservação de uma das regiões mais fascinantes do planeta… e um poderoso destino turístico em ascensão.

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