Situações extremas levam a medidas desesperadas. E desespero é o que não falta no plano radical da África do Sul para salvar os albatrozes da ilha Marion, um remoto território subantártico da África do Sul.
Em 6 de julho de 2024, uma equipe de pesquisadores que trabalhava na ilha descobriu um filhote de albatroz-errante (Diomedea exulans) gravemente ferido. Com apenas quatro meses de idade, ele tinha feridas no pescoço que sangravam e acabou morrendo no dia seguinte. Foi mais uma vítima de algo que se tornou comum: ataques brutais executados por uma espécie invasora.
Os camundongos domésticos, introduzidos acidentalmente na ilha pelos caçadores de focas no início do século 19, se tornaram uma praga e agora estão devorando vivas as aves marinhas ameaçadas. As feridas do filhote tinham as características comuns de um ataque dos camundongos. Considerando que a ilha abriga um quarto de todos os albatrozes-errantes do mundo, o qual é uma espécie ameaçada de extinção, ficou claro que um plano era necessário.
O Projeto Marion Livre de Ratos (MFM)
Projeto Marion Livre de Ratos (MFM) é o nome da iniciativa criada pelos conservacionistas, sob um custo de US$ 26 milhões, proveniente de uma combinação entre apoio governamental e uma campanha de arrecadação de fundos. A ideia: matar um milhão de ratos na ilha remota bombardeando o local com toneladas de veneno. Neste caso específico, jogando iscas misturadas com veneno para roedores por toda a ilha.
É uma medida desesperada, mas, como dissemos no início, longe de ser incomum na luta pela conservação de espécies. "Prevemos que a maioria das aves marinhas da ilha Marion, incluindo o albatroz errante, será extinta localmente nos próximos 30 a 100 anos se os ratos não forem eliminados", explica Anton Wolfaardt, cientista conservacionista na Cidade do Cabo e diretor do plano, no site do projeto.
A história da ilha
Marion é uma ilha vulcânica no Oceano Índico, cerca de 2 mil km a sudeste da Cidade do Cabo. O local é designado como uma reserva natural especial, um paraíso para albatrozes, petréis, pinguins e focas que caçam nas ondas subantárticas, mas chegam à costa para se reproduzir e mudar de pele. No entanto, quando os ratos chegaram pela primeira vez em navios de caça de focas, há cerca de 200 anos, o paraíso se viu ameaçado.
Desde então, e especialmente nas últimas décadas, a população dos roedores disparou para um milhão na alta temporada. "O aumento é impulsionado pelas mudanças climáticas; as condições mais quentes e secas aumentaram a janela de reprodução dos ratos", resume Wolfaardt. Além disso, os pesquisadores que monitoram os roedores relatam que eles aprenderam a atacar onde a plumagem das aves é mais fina, geralmente a cabeça, para alcançar mais facilmente o tecido mole.
Os cientistas apelidaram o comportamento brutal dos roedores de “scalping” (escalpelar) porque eles mordiscam as aves vivas. Além disso, os profissionais destacam que as aves da ilha não desenvolveram estratégias de defesa contra esses predadores. Os filhotes mais jovens são especialmente vulneráveis porque ainda não conseguem voar.
Em outras palavras, parecem nascer com um destino trágico. “Com o tempo, as aves ficam tão exaustas que acabam morrendo, ou morrem devido a algum tipo de infecção bacteriana", explica Wolfaardt.
Colocando o plano em ação
A ideia é que uma frota de helicópteros jogue veneno ao longo de rotas específicas na ilha. No entanto, "o tamanho e a complexidade topográfica" de Marion apresentam desafios únicos, explicam. Por isso, o mapeamento e a preparação não estarão prontos até, pelo menos, o ano de 2027, já que a equipe está analisando dados extensos e fazendo planos de contingência em torno de variáveis como o clima. Afinal, não há margem para erro.
"Precisamos garantir que cada centímetro quadrado da ilha (...) receba a distribuição da isca com rodenticida, para que possamos garantir que cada rato (...) consuma uma dose letal", disse um dos ativistas. As aves teriam um alívio temporário se a maioria dos roedores fosse erradicada, mas essa é uma missão difícil, já que os ratos podem ter quatro ou cinco ninhadas por ano, com seis a oito filhotes por ninhada.
O plano precisa ser perfeito porque, se não for assim, será catastrófico. É o que geralmente se chama de "efeito Hidra", um conceito derivado da mitologia grega que é usado para descrever, em termos ecológicos, fenômenos em que intervir em um sistema, como tentar controlar uma população de pragas, pode resultar em um aumento inesperado dessa população ou no surgimento de novos problemas.
No caso em questão, ao usar veneno para eliminar uma praga de roedores, os indivíduos resistentes podem sobreviver e se reproduzir, gerando uma população ainda mais difícil de controlar e, possivelmente, mais forte e perigosa.
O exemplo dos caranguejos da Califórnia
O caso mais famoso desse tipo ocorreu há alguns anos, quando os cientistas tentaram erradicar a espécie invasora de caranguejos verdes europeus de uma lagoa isolada na Califórnia. Durante cinco anos, eles capturaram e destruíram cerca de 90% dos caranguejos da lagoa, reduzindo seu número de cerca de 100 mil indivíduos para pouco menos de 10 mil.
Mas não deu tão certo: no ano seguinte, o lugar passou a ter cerca de 300 mil caranguejos, o triplo do problema original. Os cientistas não levaram em conta o fato de que os caranguejos verdes possuem uma forma própria de controle populacional: os adultos comem suas próprias crias. Ao perder uma grande quantidade de indivíduos, os caranguejos apenas precisaram permitir que mais filhotes sobrevivessem na próxima geração, o que resultou no aumento. Uma única fêmea pode liberar até 185 mil ovos duas vezes ao ano.
Este texto foi traduzido e adaptado do site Xataka Espanha
Imagem | Rhiannon Gill/Ben Dilley/Mouse-Free Marion Project
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