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Até os anos 90, ninguém comia sushi com salmão no Japão. Até que uma campanha de marketing mudou tudo

Se o salmão cru é fundamental na culinária japonesa, isso se deve em grande parte à habilidade de marketing norueguesa.

O Marketing Da Noruega Criou O Habito De Comer Salmao No Japao
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Sofia Bedeschi

Redatora

Jornalista com mais de 5 anos de experiência no ramo digital. Entusiasta pela cultura pop, games e claro: tecnologia, principalmente com novas experiências incluídas na rotina. 

Acontece, com mais frequência do que se imagina, que muitas tradições gastronômicas têm muito pouco de tradicional. Isso ocorre com o tiramisù, a pasta carbonara, o queijo parmesão ou, falando da Espanha, os espetos malaguenhos e o cachopo. Existem historiadores que acreditam que, se investigarmos a fundo, veremos que esses pratos não são tão antigos quanto parece, nem surgiram nos lugares que pensamos. O sushi de salmão é um bom exemplo.

Dado o seu enorme sucesso, o lógico seria pensar que ele faz parte da antiga e tradicional culinária japonesa. No entanto, a verdade é que, até cerca de quatro décadas atrás, era muito difícil encontrar sashimi ou nigiris de salmão nos restaurantes do Japão. Sua fama mundial não se deve a uma longa tradição de mestres japoneses de sushi, mas sim à eficácia do marketing norueguês.

Sashimi de salmão, por favor

Não importa se você está na área mais sofisticada de restaurantes em Kyoto ou em algum shopping de uma cidade europeia. Onde quer que vá, em qualquer restaurante japonês, é muito provável que o cardápio ofereça nigiris, sashimi e maki rolls de salmão. Há apenas quatro décadas, isso não era assim.

No Japão, consumia-se sushi e sashimi, é claro; porém, outros ingredientes eram os favoritos na época e hoje são menos populares. "O atum bluefin dominava esse segmento de alta gastronomia, mas também havia uma grande variedade de outros tipos de peixe e frutos do mar que eram muito procurados", conta Bjorn Eirik Olsen, um especialista em comércio japonês que desempenhou um papel fundamental na expansão do salmão norueguês na Ásia.

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O salmão não era consumido?

Sim, mas não da forma como o vemos hoje nos cardápios dos restaurantes. No Japão, não era incomum começar o dia com uma boa porção de salmão do Pacífico, embora preparado de um jeito bem diferente das peças cruas que agora adornam os nigiris: o peixe era seco, salgado e grelhado, para ser servido depois com arroz ou sopa de miso.

Os lares japoneses compravam salmão, mas o hábito de comê-lo cru não era difundido. E isso fazia sentido. O salmão selvagem, pescado principalmente nas águas do Pacífico, apresentava uma textura firme e seca, com menos gordura que o salmão norueguês. Além disso, havia o risco de conter parasitas, o que recomendava cozinhá-lo por segurança alimentar.

Dois mercados, uma solução

Para entender como o salmão norueguês desembarcou nos restaurantes japoneses e alcançou tanto sucesso no sushi, é preciso compreender o estado dos setores pesqueiros de Noruega e Japão no último terço do século passado. Enquanto a nação escandinava enfrentava um excedente de produção impulsionado pela aquicultura, o Japão estava cada vez mais dependente da importação de peixes, devido à sobrepesca e ao crescimento populacional na época.

Na Noruega, souberam enxergar as oportunidades dessa situação. Seus empresários, nas décadas de 1960 e 1970, começaram a investir na aquicultura, que, com o tempo, aprimoramentos técnicos e apoio governamental, logo resultou em uma produção que excedia em muito o que o pequeno mercado local conseguia absorver. O Japão, por sua vez, era uma opção promissora para escoar o produto. Durante décadas, o país havia sido auto suficiente, mas a falta de regulamentação acabou cobrando seu preço, o que ficou evidente nos anos 1990.

"Naquele momento, o Japão havia passado de ser um país autossuficiente para um que só conseguia suprir 50% de sua demanda total de peixes, precisando buscar fontes externas", relatam da empresa Fjord Tours. Com esse cenário em mente, o governo norueguês e a indústria pesqueira se uniram em 1986 para lançar o Projeto Japão. O objetivo, bastante ambicioso: dobrar as exportações de peixe para o país asiático em três anos.

Delicatessen ou "frango do mar"?

Decididas a tentar a sorte no Japão, as empresas norueguesas se depararam com algumas questões importantes: como conseguir espaço no mercado local? Deveriam competir com a indústria que já vendia salmão do Pacífico ou valeria mais a pena buscar novas abordagens? A questão não era trivial. Nos anos 80, o Japão chegou a importar salmão norueguês para grelhar e servir com sopa de miso, mas esse negócio não era particularmente lucrativo.

"Poderíamos ter trazido salmão norueguês para competir com esse prato, mas isso significaria que seríamos apenas 'frango do mar' — admite Olsen —. Em vez de focar no salmão grelhado, pensei que deveríamos nos concentrar em introduzir o salmão norueguês no mercado exclusivo do peixe cru usado no sushi e sashimi. No geral, os preços eram de três a dez vezes mais altos".

O grande desafio

No entanto, uma coisa é querer entrar no promissor mercado japonês e outra bem diferente é saber como fazer isso. A Noruega não tinha grandes vantagens iniciais.

O Japão já consumia salmão, mas era o pescado no Pacífico, "salgado, seco e grelhado", conforme esclarece o Norway-Asia Business Summit. Além disso, os consumidores não pareciam dispostos a dar uma chance ao salmão cru, principalmente devido ao receio de parasitas na carne não cozida, o que se somava às dificuldades naturais de introduzir um novo produto estrangeiro em um mercado tradicional.

Segundo o Tokyo Weekender, no início, os consumidores reclamavam da cor, do cheiro, do sabor, até mesmo da forma da cabeça do peixe. "Os profissionais da indústria diziam que o salmão da piscicultura tinha cheiro de peixe de rio, uma cor inadequada e uma textura que não era boa", acrescenta Olsen.

Salmão


Apresento a vocês o Noruee saamon

Ele entendeu perfeitamente. A melhor forma de se diferenciar dos produtos já presentes no mercado e criar um novo nicho era se apresentar como algo novo, distinto. Mesmo peixe; peixe diferente.

"Para diferenciar o salmão norueguês do salmão do Pacífico, sugeri não usar o nome japonês para o nosso. Todas as outras espécies de peixe norueguesas tinham sido traduzidas, mas aqui havia um ponto que marcava a diferença", relembra Olsen, que rapidamente se juntou ao Projeto Japão para expandir o produto local no novo mercado. "Criamos uma nova marca ao japonizar o nome do salmão norueguês, transformando-o em Noruee saamon, escrito com caracteres katakana. Ninguém tinha ouvido falar disso e ninguém acreditava, mas lançamos promoções para o salmão cru como Noruee saamon, adequado para sushi e sashimi."

Das águas puras do norte

Essa não foi a única estratégia adotada pelas autoridades e pela indústria escandinava, que, conscientes do receio dos consumidores em relação aos parasitas, destacaram que seus salmones provinham de fazendas de aquicultura situadas em águas puras e frescas.

O Conselho de Comércio da Noruega contatou chefs interessados em experimentar o peixe vindo das águas do norte, lançaram campanhas publicitárias, o embaixador começou a oferecer salmão em seus eventos… Até a família real norueguesa participou de uma viagem promocional.

Uma ameaça inesperada

Se hoje o salmão cru é um dos ingredientes mais icônicos do sushi, isso se deve a uma combinação de habilidade publicitária e pura sorte. O Norway-Asia Business Summit reconhece que um dos momentos decisivos da ofensiva comercial ocorreu nos anos 90, favorecido por um cenário que, a princípio, não parecia promissor para a indústria.

No início dessa década, a produção nas pisciculturas aumentou tanto que nem os mercados da Europa nem dos EUA conseguiram absorver o excesso, e, em meio a uma queda acentuada nos preços, o setor começou a estocar grandes quantidades de peixe congelado.

"Em 1991, à medida que o preço continuava a cair, a Associação de Vendas de Piscicultores (FOS) e muitas empresas da indústria pesqueira do salmão declararam falência, junto com um empréstimo bancário ao setor. Essa crise em espiral levou a uma intervenção governamental, que tentou se livrar rapidamente do salmão congelado para evitar que toda a indústria afundasse", relata.

Isso representava uma ameaça não apenas para o setor, mas também para o próprio Projeto Japão, que há anos vinha tentando construir uma nova imagem de marca para o salmão norueguês, claramente focada no sushi e no sashimi.

E então veio o golpe decisivo

Se uma quantidade tão grande de salmão norueguês congelado e barato fosse parar nas grelhas e servida com sopas de miso, isso comprometeria todos os esforços de Olsen e sua equipe. Como a indústria pesqueira japonesa reagiria, já que havia sido garantido que o salmão norueguês complementaria, e não competiria, com o pescado local?

Embora parecesse uma ameaça, acabou se tornando uma oportunidade quando o setor norueguês fechou um acordo com a Nichirei, uma importante empresa japonesa de congelados. O acordo era simples: forneceria peixe a um bom preço e em grandes quantidades, contanto que mantivesse a etiqueta Noruee saamon e, o mais importante, o comercializa como "para consumo cru", em sushi.

Um "belo colorido"

Se aquele impulso para a distribuição não fosse suficiente, o Japão passou por uma crise que afetou o poder aquisitivo das empresas e famílias, impactando o consumo de sushi e sashimi. Os japoneses que ainda queriam consumir esses pratos recorriam a estabelecimentos com preços mais acessíveis. Entre esses, os que ajustavam mais seus preços, justamente por dispensarem grandes equipes, eram os restaurantes que utilizavam as populares esteiras rolantes para servir os pratos.

Parece algo trivial, mas foi outro golpe de sorte. "As crianças podiam escolher o que parecia mais apetitoso quando as diferentes bandejas de sushi passavam pela esteira. Elas não tinham preconceitos. Viram que o salmão tinha uma cor bonita e pegavam o prato. Gostaram, e seus pais também acabaram experimentando. Como resultado, a atitude em relação ao salmão cru começou a mudar", relembra Olsen. Em meados dos anos 90, o salmão norueguês já havia transformado seu papel no país.

"Colocar salmão no arroz é fácil".

O sucesso do Projeto Japão foi tão avassalador que, desde os anos 90, inúmeros artigos foram publicados sobre suas estratégias, até mesmo dentro da própria indústria pesqueira.

Olsen ressalta, porém, que se a iniciativa conseguiu transformar o salmão norueguês em um quase indispensável nos tatakis, nigiris ou sashimis, não foi porque os responsáveis pelo programa criaram uma receita revolucionária. A chave, ele enfatiza, estava na imagem.

"Nosso salmão para consumo cru no Japão não foi uma inovação de produto, mas sim uma inovação de marketing. Colocar um pedaço de salmão sobre um pouco de arroz com vinagre é fácil. No entanto, o desafio não estava no produto, mas na mente das pessoas", argumenta. "Mudar a percepção de importadores, atacadistas, redes de supermercados, chefs, jornalistas e consumidores foi o trabalho que nos propusemos. Alterar a percepção de 120 milhões de japoneses conservadores, apaixonados por frutos do mar, levaria tempo."

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