Vivemos tempos diferentes para o turismo. E não apenas porque, em pleno impulso pós-pandêmico, países como Espanha e Japão estejam batendo recordes de visitantes, ou porque a ONU preveja que este ano os níveis de turismo alcancem (ou até superam) os de 2019, antes da chegada da COVID-19.
Nesse cenário, há destinos que estão fazendo algo que, à primeira vista, vai contra a lógica mais básica e qualquer manual de marketing: "dissuadir" os turistas de visitá-los. Parece estranho, mas faz todo o sentido e, na verdade, reflete como o turismo se tornou um negócio extremamente lucrativo (e competitivo).
Oslo e Saint-Tropez acabaram de dar bons exemplos.
"Eu não viria aqui, honestamente." O que você acabou de ler, esse entre aspas em negrito, é um slogan publicitário. E um muito bom, a julgar pela enorme visibilidade que tem dado aos responsáveis: os promotores turísticos de Oslo.
A frase faz parte do roteiro de um vídeo promocional lançado em junho pela Visit Oslo, intitulado Is it even a city? ("Isso é mesmo uma cidade?").
Ao longo do vídeo, que tem pouco menos de três minutos, Halfdan, um morador de 31 anos que passeia pela capital norueguesa, retrata sua cidade como o oposto do que qualquer um esperaria de um grande destino turístico. Com apatia, o jovem descreve Oslo como uma metrópole simples, sem nenhum grande atrativo, quase um "vilarejo" que pode ser explorado em meia hora, onde não seria surpreendente esbarrar com o Primeiro Ministro nas ruas, com museus sem filas e onde se pode ver, por exemplo, O Grito, de Munch. "Não é exatamente a Mona Lisa", admite o protagonista.
É um vídeo promocional? Sim. Você leu certo!
Além do discurso desapaixonado de Halfdan, o vídeo não faz questão de mostrar closes dos paisagens ou da arquitetura de Oslo, nem de exaltar a culinária local, os museus e os parques. Pelo menos, não da forma tradicional que os anúncios costumam fazer. E, no entanto, sim, é um vídeo promocional. Um tão eficaz que chamou a atenção de veículos como a BBC e Skift, e, em dois meses, acumulou milhões de visualizações. Tudo isso com o slogan "Isso é mesmo uma cidade?"
Questão de estratégia
A campanha da Visit Oslo busca o óbvio: incentivar as pessoas a visitar a capital da Noruega. O que talvez não seja tão evidente é sua estratégia e o público-alvo a que se destina. Em meio ao debate sobre a superlotação do setor turístico, com grandes destinos como Amsterdã, Seul, Quioto, Veneza e — já na Espanha — Barcelona, Ilhas Canárias e Baleares, discutindo os limites do turismo, Oslo decidiu se apresentar como o oposto: uma alternativa.
Sem hordas de turistas. Sem estresse.
Sem filas nos museus, como o próprio Halfdan comenta em um vídeo que começa com uma provocação que faz muito mais sentido no contexto atual: "Honestamente, eu não viria aqui."
Ao longo da gravação, na verdade, não se vê nada além de espaços tranquilos, sem multidões.
Tudo o oposto do que se esperaria da Praça de São Marcos em Veneza, do distrito das gueixas em Quioto, do Buckchon Hanok Village em Seul, do bairro da luz vermelha em Amsterdã, da Torre Eiffel ou das Ramblas. Ironicamente, no turismo do século XXI, se Oslo se apresenta como uma cidade sem superlotação, é justamente para atrair turistas. Mas um tipo bem específico de turista: aquele que já está cansado dos destinos tradicionais e massificados.
Objetivo: os (outros) viajantes.
Oslo não é a única cidade que, de uma forma ou outra, parece querer dissuadir visitantes. Antes dela, Amsterdã já havia lançado uma campanha pedindo que os turistas britânicos, interessados em drogas e "noitadas", se mantivessem longe da cidade. No caso da capital escandinava, a estratégia e o foco são totalmente diferentes. O objetivo não é afastar certas pessoas, mas sim atrair um público específico: jovens que buscam destinos alternativos, "autênticos", e que não querem repetir as férias dos pais.
"Eu não quero a Disney World. Quero estar na cozinha de alguém, tomando vinho em um copo de leite", explica à BBC August Jorfald, um morador de Oslo de 30 anos que dirigiu o vídeo promocional da cidade. Ele se inspirou durante uma viagem com sua namorada para a grande meca do turismo de massa: Paris. "Disse que a viagem seria um sucesso se eu não visse a Torre Eiffel."
Novo, mas nem tanto.
Com o debate sobre os "turistas difíceis" ganhando destaque e ainda fresco na memória o episódio de manifestantes em Barcelona molhando visitantes com pistolas de água, a busca por destinos alternativos está crescendo; mas, na verdade, não é uma tendência tão nova. Quase uma década atrás, a blogueira Elena Paschinger já mencionava essa ideia em seu ensaio The Creative Traveler’s Handbook, no qual encorajava as pessoas a "ver a vida em vez de apenas fazer turismo". Ela mesma tenta, em suas viagens, "evitar armadilhas para turistas" e imitar os moradores locais.
Não é a única que percebe essa tendência
A especialista em turismo Lauren A. Siegal, da Universidade de Greenwich, comentou recentemente à BBC que há um interesse crescente entre os viajantes da Geração Z em viajar fora do radar das redes sociais. "As gerações estão mudando. As pessoas já estão um pouco cansadas delas."
Oslo não foi a primeira a surfar essa onda
Em 2018, Viena já havia lançado uma campanha incentivando os visitantes a aproveitar a cidade sem se preocupar com hashtags e smartphones, explorando novos bairros além dos museus e palácios mais emblemáticos. O slogan, forte: "Desfrute de Viena. Não de #Viena".
"Não venha no verão."
Oslo não é a única cidade que percebeu que, por mais irônico que pareça (ou não), a maneira de se destacar no setor turístico e atrair certos viajantes é justamente se afastar da imagem de grande potência turística. Recentemente, Copenhague apresentou uma campanha incentivando os visitantes a participarem de atividades que normalmente não são associadas ao turismo, como limpar canais ou cuidar de hortas urbanas. Algo semelhante ao que as autoridades de um destino tão famoso como o Havaí já fazem há algum tempo.
No entanto, outro caso que tem chamado tanta atenção quanto o de Oslo nos últimos dias é o do popular vilarejo pesqueiro de Saint-Tropez, na região de Provença-Alpes-Costa Azul. O motivo? Durante uma entrevista à BBC, a prefeita Sylvie Siri pediu ao repórter que não visitasse a cidade durante a alta temporada. "Não venha no verão", disse ela, sem rodeios.
Mais uma vez, a ideia não é afastar os turistas. Ou, pelo menos, esse não é o objetivo principal. A questão é encontrar uma maneira de se diferenciar e evitar a superlotação, neste caso incentivando a desestacionalização e promovendo viagens fora de julho e agosto. "Venha na primavera, quando Saint-Tropez é como o de nossa infância", acrescentou a prefeita da pequena cidade do sul da França.
Outro caso de superlotação
Saint-Tropez é um caso interessante porque reflete bem como um pequeno e isolado vilarejo à beira-mar pode acabar se tornando um destino turístico de primeira linha.
A cidade não tem nem 6.000 habitantes e, até o século XX, não passava de uma pequena localidade entre Marselha e Nice, de difícil acesso.
Hoje, sua beleza e, sobretudo, a visibilidade que lhe deram as estrelas de cinema, a transformaram em um destino cobiçado. Segundo dados divulgados pela BBC, o vilarejo chega a receber mais de 80.000 visitantes diários nos meses de maior movimento, entre julho e agosto.
Imágenes | Maria Bobrova (Unsplash) y Visit OSLO
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