A ilha japonesa de Yonaguni era conhecida por sua beleza e por Bad Bunny; agora, é uma fortaleza militar

Yonaguni se transformou, sem querer, em um símbolo silencioso da tensão entre China e os EUA e do papel incômodo que o Japão desempenha como aliado

Cresce militarização da ilha japonesa de Yonaguni em meio a tensão entre China e Taiwan / Imagem: U.S. Indo-Pacific, Snap55, IToldYa
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Victor Bianchin

Redator

Victor Bianchin é jornalista.

É possível que, até pouco tempo atrás, a grande maioria da população mundial não soubesse o que era Yonaguni. Em 2021, a pitoresca ilha japonesa apareceu no “mapa” de milhões de pessoas quando o artista Bad Bunny lhe dedicou uma música (cantando em espanhol e japonês, inclusive). No entanto, o local, muito a contragosto, possivelmente ficará ainda mais famoso com o passar dos meses. Ele se encontra no centro de uma guerra entre Estados Unidos e China, e está voltado diretamente para Taiwan.

O paraíso em meio ao conflito

Yonaguni, a ilha mais ocidental do Japão, costuma ser lembrada como um recanto idílico de águas cristalinas e trilhas quase desertas entre campos de cana-de-açúcar. No entanto, sua localização estratégica, a apenas 110 km da costa taiwanesa, a colocou no centro da crescente tensão entre China e Taiwan, transformando sua imagem de paraíso turístico em um enclave militar em expansão.

O governo japonês anunciou na ilha a ampliação da base das Forças de Autodefesa (SDF), assim como obras para expandir o aeroporto, construir um porto para grandes embarcações e criar abrigos subterrâneos de evacuação. Esses desenvolvimentos deixaram seus apenas 1.500 habitantes acuados entre a crescente militarização e a ameaça latente de um conflito regional.

Um bastião militar

Como explica a agência Associated Press em uma reportagem recente, enquanto alguns moradores e autoridades locais, como Fumie Kano, sonham em promover vínculos comerciais com Taiwan por meio de rotas marítimas diretas, esse plano está sendo deixado de lado em favor da militarização, que oferece subsídios governamentais e promessas de segurança.

Desde 2016, a ilha abriga uma unidade de vigilância costeira com 160 membros, equipada com radares, à qual se somaram unidades de guerra eletrônica e potenciais lançamentos de mísseis de longo alcance. Hoje, os militares e suas famílias já representam 20% da população — um número em constante crescimento que começa a reconfigurar a economia e a estrutura social da ilha.

Divisão diante da ameaça

A possibilidade de uma Taiwan yūji, uma emergência provocada por uma invasão chinesa a Taiwan, preocupa os moradores, que temem que a ilha se torne alvo militar ou destino de refugiados. Não todos, é claro. O Guardian relatou, há algumas semanas, casos como o do restaurante de Shoko Komine, onde não acreditam que o conflito seja iminente, embora temam seu impacto imediato sobre o turismo, principal motor econômico da ilha.

A militarização, na opinião do proprietário, afastou os esforços de promoção de Yonaguni como destino turístico. Mesmo aqueles que votaram a favor da base em 2015, quando ela foi aprovada por uma margem apertada, parecem hoje demonstrar preocupação diante da possível instalação de mísseis — o que tornaria a ilha um alvo em caso de hostilidades.

Yonaguni

Geopolítica no Pacífico

A reorientação da política de defesa japonesa, que durante décadas esteve centrada na ameaça soviética ao norte, deslocou seu foco para o sul e para a crescente pressão da China. Yonaguni faz parte do arquipélago de Nansei, cuja importância estratégica se multiplicou em um contexto no qual os Estados Unidos exigem que o Japão assuma um papel mais ativo em sua própria defesa.

Nesse cenário, o embaixador dos EUA no Japão, Rahm Emanuel, visitou recentemente a ilha como demonstração simbólica do apoio norte-americano. Além disso, outras ilhas próximas, como Miyako e Ishigaki, já abrigam unidades de mísseis (e há mais por vir), aumentando a pressão sobre a prefeitura de Okinawa, que concentra a maior parte das tropas dos EUA no Japão.

Defesa ou provocação

A população está dividida. O prefeito de Yonaguni, Kenichi Itokazu, apoia a expansão militar, considerando-a essencial para proteger a ilha e acessar parte do recorde de 43 trilhões de ienes (R$ 1,7 trilhão) previstos em gastos com defesa até 2028. Ele argumenta que, diante da experiência com Hong Kong, não se pode confiar nas promessas pacíficas de Xi Jinping.

No entanto, vozes críticas como a do vereador Chiyoki Tasato alertam que o deslocamento de tropas e mísseis não dissuade, mas sim atrai o perigo. Tasato considera inevitável que o Japão se envolva caso estoure uma guerra no estreito de Taiwan devido ao tratado de segurança com os Estados Unidos, que impõe responsabilidades militares bilaterais. A lei de 2015, aprovada sob o mandato de Shinzō Abe, autoriza o Japão a exercer autodefesa coletiva caso um aliado seja atacado, o que reforça essa visão.

Yonaguni

Uma ilha em transformação

Yonaguni, como muitas regiões remotas do Japão, enfrenta um complicado processo de despovoamento. Dos 12.000 habitantes que tinha em 1947, hoje restam apenas cerca de 1.500 civis, em sua maioria idosos. Um número que contrasta com os 160 membros das Forças de Autodefesa (SDF) e seus 90 familiares, cuja presença começa a transformar a estrutura social da ilha.

Segundo cálculos do morador Tetsu Inomata, até 2026, a “população” da base militar superará 40% do total de habitantes. Embora os soldados tentem se integrar, participando de atividades escolares, comerciais e culturais, muitos ilhéus sentem que está se configurando um enclave militar que eventualmente pode deslocar a população civil.

Memória histórica e presente estratégico. Alguns moradores, como o político local Mizuho Chida, veem nos simulacros de evacuação que mencionamos anteriormente uma preparação velada para um conflito armado. Outros, como Tasato, defendem o fortalecimento dos laços econômicos e culturais com Taiwan, país com o qual Yonaguni manteve relações comerciais na época do Reino de Ryukyu.

Apesar da proximidade geográfica, atualmente não existem rotas diretas entre as duas regiões, embora estejam previstos testes de travessias marítimas em breve. Essa visão contrasta com a percepção de que a ilha tem sido instrumentalizada por interesses externos, especialmente os de Washington, com a cumplicidade de Tóquio.

O peso da história

O passado também desempenha um papel importante na percepção dos moradores locais. As memórias da Batalha de Okinawa, na qual cerca de 200 mil pessoas morreram durante a Segunda Guerra Mundial, ainda ressoam entre os residentes. Muitos temem que, como naquela época, as ilhas do sul do Japão sejam sacrificadas em nome da segurança nacional.

Hoje, a região central de Okinawa abriga mais da metade dos 50 mil soldados norte-americanos destacados no Japão, e as novas bases em Yonaguni e nas ilhas vizinhas, como Miyako e Ishigaki, ampliam esse peso geoestratégico sobre uma região historicamente marginalizada pelo poder central de Tóquio.

Risco de desaparecimento

Esse é o último ponto que se entrelaça no debate sobre a ilha. A crescente militarização ameaça não apenas a segurança de Yonaguni, mas também sua essência como comunidade insular. Takako Ueno, proprietária de uma loja local, disse temer que o avanço do aparato militar leve ao eventual êxodo dos residentes.

Para muitos como ela, Yonaguni é um lugar único, com uma identidade cultural e natural que pode se perder caso se transforme em uma base avançada diante de uma possível guerra. Nesse dilema, a ilha caminha rumo a um futuro incerto: entre sua herança como ponto de encontro histórico de civilizações e seu presente como peça estratégica no tabuleiro de tensões entre China, Taiwan, Japão e Estados Unidos.

Imagem | U.S. Indo-Pacific, Snap55, IToldYa

Este texto foi traduzido/adaptado do site Xataka Espanha.

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