Ao tentar conter o carro elétrico barato, a Europa deixou de fora um detalhe: a China tem um atalho chamado Marrocos

  • Marrocos se posicionou como um dos mercados-pontes mais atrativos para a Europa.

  • Os investimentos chineses no país já superam os 10 bilhões de dólares.

Como a China consegue vender mais carros elétricos. Imagem: Audi
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Sofia Bedeschi

Redatora

Jornalista com mais de 5 anos de experiência no ramo digital. Entusiasta pela cultura pop, games e claro: tecnologia, principalmente com novas experiências incluídas na rotina. 

Com o tempo quase esgotado, a União Europeia apertou o botão vermelho: ativou as tarifas sobre os carros elétricos chineses. Com alíquotas variáveis dependendo da empresa, desde os últimos dias de outubro, todos os veículos desse tipo vindos da China passaram a ter seus custos aumentados (absorvidos pelas montadoras ou repassados ao consumidor) — inclusive os de empresas europeias.

Contrárias à medida, as próprias fabricantes entraram com uma ação contra a União Europeia no Tribunal de Justiça da UE, com o objetivo de derrubar essa barreira econômica que consideram injusta. A denúncia foi apresentada por BYD, SAIC, Geely e Tesla.

A questão das tarifas é apenas mais um capítulo nas negociações entre o governo chinês e a União Europeia. Apesar de aplicar essas taxas, o bloco deixou claro que pretende manter o diálogo com o governo chinês e, inclusive, não cobrou os direitos compensatórios que vinham sendo aplicados do verão até o final de outubro.

Além disso, os híbridos plug-in também não foram afetados pelos novos impostos. Tu Le, na sua newsletter SAI (Sino Auto Insights) Weekly, explica que tudo indica tratar-se de uma medida de negociação entre as partes.

O fato é que as montadoras chinesas estão oferecendo seus veículos a preços muito mais baixos que os fabricantes europeus — justamente num momento em que as regras da UE exigem o registro de veículos elétricos para evitar multas bilionárias.

Um atalho chamado Marrocos

Desde a entrada em vigor dos novos impostos, as montadoras chinesas têm buscado formas de contornar as medidas e encontrar soluções para mitigar os impactos sobre os novos modelos com os quais pretendem ganhar espaço no mercado.

Dentro dessa nova estratégia, a Espanha passou a ter um papel de destaque. O país vem ganhando peso na produção de futuros carros elétricos graças aos seus baixos custos de mão de obra e energia, em comparação com outras potências europeias como Alemanha ou França.

Além disso, parece estar colhendo os frutos de uma mudança de postura em relação às tarifas.

Desde que as tarifas foram aplicadas, o governo chinês parece ter pressionado para suspender todos os investimentos em países que votaram a favor da imposição dessas barreiras comerciais. Em contrapartida, países como a Espanha liberaram projetos estratégicos — como a fábrica da CATL em Zaragoza — e nações com tratados comerciais especiais com a União Europeia vêm despertando o crescente interesse do país asiático.

A Turquia, por exemplo, é um dos países que atraíram o olhar chinês, com a BYD estudando a construção de uma planta em um ponto geoestratégico chave. O outro grande alvo da China é o Marrocos. E os investimentos não deixam margem para dúvidas.

Marrocos é um ponto de acesso extremamente atrativo para a China

O país tem um acordo comercial que permitiria contornar as tarifas europeias sobre carros elétricos ao fabricar os veículos em solo africano. Esses investimentos, que inicialmente chegam na forma de kits que são montados posteriormente na Europa, ainda estão sendo avaliados pela União Europeia, que precisa decidir se esse modelo é suficiente para driblar a barreira comercial.

Esse é, na prática, o modelo adotado pela Omoda em Barcelona e o que a Leapmotor propôs para sua futura produção em território europeu.

A produção de veículos em Marrocos não é novidade

Em 2023, o país superou China, Japão e Índia como principal exportador de veículos para a União Europeia. Com seus baixos custos de mão de obra, Marrocos se tornou o ambiente ideal para fabricar modelos como o Dacia Sandero e quadriciclos leves da Stellantis (como o Citroën AMI e o Fiat Topolino).

Esse atrativo agora quer ser explorado pela China não só na produção de carros, mas também em tudo que envolve o ecossistema do carro elétrico.

Entre essas oportunidades está a fabricação de baterias. Segundo a Politico, veículos oficiais chineses afirmam que produzir baterias em Marrocos é 50% mais barato do que na Europa.

Essa economia foi justamente o que incentivou empresas chinesas como a CNGR Advanced Material — por meio de sua subsidiária marroquina CNGR Morocco New Energy — a investir em uma gigantesca planta de produção de baterias. O projeto foi formalizado com um investimento de 2 bilhões de dólares.

A expectativa da empresa é que a produção atinja capacidade para abastecer 1 milhão de carros elétricos por ano — o equivalente a 70 GWh. Para efeito de comparação, a planta que a CATL está desenvolvendo em Zaragoza prevê 50 GWh.

E esse não é, nem de longe, o único projeto nesse sentido

As fabricantes chinesas de baterias Hailiang e Shinzoom anunciaram investimentos de 450 e 460 milhões de dólares, respectivamente, na zona industrial Tanger Tech. Oficialmente chamada de “Cité Mohammed VI Tanger Tech”, o interesse chinês é tão forte que a região já vem sendo apelidada de “Xangai do Marrocos”.

O porto de Tânger se tornou um ponto estratégico para o governo marroquino. Sua proximidade com a Europa o transforma em um local duplamente atrativo: além de fabricar em solo marroquino ser mais barato, transportar os produtos até o continente europeu também tem um custo muito baixo.

Os investimentos no setor de carros elétricos em Marrocos já somam cerca de 10 bilhões de dólares — incluindo também a exploração de fosfatos, minerais essenciais para a produção de baterias, dos quais o país possui enormes reservas.

“Durante muito tempo, os europeus investiram em Marrocos para aproveitar a mão de obra barata e não qualificada. Hoje em dia, essa força de trabalho não é apenas barata, mas também competitiva e bem treinada. Os chineses perceberam que vale a pena investir aqui”, afirmou Mehdi Laraki, presidente do Conselho Empresarial Marrocos-China, em entrevista ao veículo Telquel.

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