Se a ciência não estiver errada — e temos décadas de exemplos que indicam que não está —, a emergência climática se torna cada vez mais urgente, exigindo que a gente tente se antecipar a esse “elefante na sala” que é a crise no clima do planeta.
Nos últimos anos, vimos propostas das mais variadas, desde encher a estratosfera com pó de diamante até provocar chuva em desertos usando fazendas solares. Agora, o Reino Unido acaba de apresentar uma ideia que ninguém esperava.
Reintroduzir lobos nas Highlands
Um estudo realizado pela Universidade de Leeds sugere que a reintrodução de lobos nas Highlands da Escócia poderia impulsionar a expansão das florestas nativas e contribuir significativamente para a captura de carbono. Segundo os pesquisadores, esse processo permitiria armazenar até 1 milhão de toneladas de dióxido de carbono (CO₂) por ano — o equivalente a cerca de 5% da meta de remoção de carbono do Reino Unido por meio de suas florestas.
Contexto: o impacto de um mundo sem lobos
Ao longo dos séculos, os lobos foram perseguidos em toda a Europa por causa do impacto que causavam à pecuária e por ordens de reis. Para se ter uma ideia: na Inglaterra, o rei Eduardo I (1272–1307) ordenou sua erradicação total — processo que foi concluído durante o reinado de Henrique VII (1485–1509).
Na Escócia, por conta da geografia montanhosa e da baixa densidade populacional, os lobos conseguiram sobreviver até o século XVII, embora sempre perseguidos. Já em 1283, caçadores de lobos recebiam recompensas em Stirling, e em 1427 o rei Jaime I da Escócia promulgou leis para sua eliminação. No entanto, a extinção definitiva dos lobos na região aconteceu há cerca de 250 anos.
Essa erradicação teve consequências ecológicas sérias, sendo uma das mais graves a superpopulação de cervos-vermelhos — hoje, uma espécie completamente fora de controle. Estima-se que existam atualmente cerca de 400 mil cervos-vermelhos na Escócia, número que cresceu sem controle devido à ausência de predadores naturais. Esse aumento causou um problema grave de sobrepastoreio, já que os cervos se alimentam de brotos jovens de árvores, impedindo a regeneração natural das florestas.
Como o retorno dos lobos pode ajudar
O estudo utilizou um modelo predador-presa de Markov para analisar os possíveis efeitos da reintrodução de lobos na dinâmica ecológica escocesa. Os dados indicam que uma população de aproximadamente 167 lobos poderia reduzir a densidade de cervos para menos de quatro por quilômetro quadrado — o que permitiria que as árvores voltassem a crescer de forma natural.
O estudo também aponta benefícios ecológicos e climáticos com essa medida, como a expansão das florestas nativas, que atualmente cobrem apenas 4% do território escocês, tornando a Escócia uma das regiões menos arborizadas da Europa. Outro benefício seria a captura de carbono: o aumento da massa florestal permitiria a absorção de até 1 milhão de toneladas de CO₂ por ano.
E há também o valor econômico da reintrodução: cada lobo poderia contribuir para a absorção de 6.080 toneladas de CO₂ por ano, o que equivale a 154 mil libras por lobo, considerando o valor da captura de carbono.
A palavra do autor principal
Sobre isso, o professor Dominick Spracklen, autor principal do estudo, destacou a importância de enfrentar ao mesmo tempo a crise climática e a crise da biodiversidade.
Ele reforçou que processos naturais, como a reintrodução de espécies, podem desempenhar um papel essencial na recuperação de ecossistemas degradados — gerando benefícios tanto para o meio ambiente quanto para o clima.
Desafios da proposta
Claro, essa ideia não é exatamente nova. Já vimos, no passado, outros casos em que predadores foram introduzidos em determinados ecossistemas para tentar controlar ou eliminar outras espécies — e, em alguns casos, os resultados foram desastrosos.
Além disso, apesar de o projeto ter grande potencial ecológico, a reintrodução de lobos na Escócia continua sendo um tema controverso e exigiria um manejo cuidadoso, especialmente em áreas próximas a povoados e zonas de criação de gado.
Os autores do estudo apontam alguns desafios importantes, como os conflitos com pecuaristas e agricultores, que temem ataques ao gado; a resistência por parte de caçadores de cervos, cuja atividade pode ser impactada pela redução da população de presas; e a percepção pública e aceitação social, já que a presença de lobos ainda gera preocupação em algumas comunidades rurais.
Sobre isso, o coautor do estudo, Lee Schofield, destacou que, antes de qualquer reintrodução, seria essencial realizar um processo de consulta pública e envolvimento das partes interessadas.
Ele também enfatizou que conflitos entre humanos e predadores são comuns, e por isso qualquer estratégia deve incluir políticas que minimizem o impacto sobre a população e a economia local.
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