Não são tempos favoráveis para os lobos, pelo menos no que diz respeito à legislação comunitária. A UE deu um novo passo para reduzir a proteção legal desses grandes canídeos, uma das espécies mais icônicas (e também polêmicas) do velho continente, que, graças ao amparo dos governos, conseguiu alcançar uma população de mais de 20.300 exemplares na Europa.
Por trás da decisão de afrouxar a proteção ao lobo, há motivos sociais, econômicos e políticos, além de uma história com nomes próprios: o da recém-reeleita presidente da Comissão Europeia (CE), Ursula von der Leyen, e sua égua Dolly, que foi devorada por um lobo em 2022.
Atualmente, Von der Leyen é uma das vozes mais influentes defendendo a necessidade de reduzir a proteção ao lobo. Sua história, é claro, está inevitavelmente vinculada ao episódio em que um lobo cinzento atacou e matou sua mascote Dolly.
O que aconteceu?
A Bélgica deu um passo crucial para que os lobos percam parte da proteção legal de que desfrutam atualmente. Embora esse passo não tenha consequências práticas imediatas, ele é significativo e aponta para um futuro em que os lobos terão sua proteção reduzida em escala internacional.
O que a UE conseguiu foi que o comitê responsável por supervisionar o cumprimento da Convenção de Berna em relação às espécies europeias aceitasse sua proposta de reclassificar o lobo. Isso significa que ele passará de "estritamente protegido" para simplesmente "protegido".
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O que podemos esperar agora?
O Comitê da Convenção de Berna publicou sua decisão em dezembro de 2024. Agora, é necessário ter paciência. Se tudo ocorrer como planejado e sem surpresas, a mudança no status de proteção do lobo entrará em vigor em alguns meses. Em Bruxelas, já se fala em 7 de março de 2025. Existe a possibilidade de que isso não aconteça: se pelo menos um terço (17) dos membros do organismo se opuser, a mudança normativa será descartada; mas, no cenário atual, isso parece improvável.
As alterações na Convenção de Berna podem soar distantes, mas representam um passo fundamental para que a UE flexibilize a gestão da espécie. O Conselho Europeu explicou isso claramente em setembro, ao anunciar seus planos de solicitar uma mudança no status de proteção do lobo no organismo internacional: "Uma vez que a modificação nos anexos do Convenção de Berna entre em vigor, a UE poderá alterar os anexos correspondentes da Diretiva Habitats para adaptar o nível de proteção do lobo em sua legislação interna", afirmou. A Diretiva Habitats, aprovada em 1992, é uma legislação da União Europeia criada para proteger os habitats naturais, a fauna e a flora selvagens em toda a Europa
Uma palavra que vale muito
A revisão proposta pela UE meses atrás e agora assumida pelo Comitê da Convenção de Berna pode parecer pequena. Afinal, trata-se de mudar uma palavra: fazer com que o status de proteção do lobo passe de "espécie de fauna estritamente protegida" para "espécie de fauna protegida". Mas essa alteração implica em muito mais. O Canis lupus passará do anexo II para o III, o que gera efeitos relevantes.
Conforme lembra a RTVE, na primeira categoria, é proibida qualquer forma de captura e morte intencional, bem como a destruição ou deterioração de habitats. No segundo anexo (III), abre-se a possibilidade para algumas dessas práticas, desde que as populações da espécie não estejam "em perigo". O marco legal que protege o lobo é, de qualquer forma, mais complexo.
Confronto de argumentos
Entre os defensores da mudança, está o Conselho Europeu, que, em setembro, argumentou que a revisão na Convenção de Berna "oferecerá mais flexibilidade para lidar com os desafios socioeconômicos derivados da contínua expansão" dos lobos na Europa. Para reforçar sua posição, destacou que, em apenas 10 anos, a população de lobos no continente praticamente dobrou, passando de 11.200 exemplares estimados em 2012 para 20.300 em 2023.
"Esse crescimento contínuo gerou problemas socioeconômicos, especialmente no que diz respeito à convivência com atividades humanas e aos danos ao gado", enfatiza o Conselho em seu comunicado de setembro, destacando outro dado importante fornecido pelos estados-membros: os "pelo menos" 65.000 animais de criação que, segundo alegam, os lobos matam anualmente na UE.
Política ou ciência?
No outro extremo estão os ambientalistas, que criticam decisões políticas que ignoram especialistas. "Ao votar a favor de enfraquecer a proteção dos lobos, os Estados da UE desconsideraram os apelos de mais de 300 organizações da sociedade civil, da iniciativa de Grandes Carnívoros para a Europa e de centenas de milhares de cidadãos que pedem uma ação baseada na ciência para promover a convivência", denunciam desde a WWF. Eles alertam que, apesar do aumento de exemplares, "as populações de lobos mal se recuperaram. Enfraquecer sua proteção pode colocar em risco essa frágil recuperação".
E entre o debate, um nome
Como presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen tem uma voz de peso em qualquer questão que afete a Europa. No debate sobre a proteção do lobo, no entanto, ela parece ter se envolvido de maneira especial. Em dezembro, após a votação, celebrou a mudança no status do lobo como "uma notícia importante" para as comunidades rurais e os agricultores. "Precisamos de uma abordagem equilibrada entre a preservação da vida selvagem e a proteção dos nossos meios de subsistência", justificou a dirigente.
O fato é que, ao longo dos últimos anos, Von der Leyen se destacou nesse debate. Em 2022, ela encomendou uma "análise aprofundada" sobre o aumento da população de lobos na Europa e, em 2023, já alertava que "a concentração de alcateias" em certas regiões representa "um perigo real para o gado e, potencialmente, para os humanos". O Partido Popular Europeu (PPE), grupo político ao qual Von der Leyen pertence, é o impulsor da proposta contra o lobo.
No que diz respeito à convivência entre lobos, gado e populações, Von der Leyen não se baseia apenas em relatórios. Ela mesma vivenciou uma experiência pessoalmente traumática, frequentemente citada quando se discute sua posição no debate. Essa experiência tem sido mencionada tanto por veículos de mídia internacionais quanto por organizações ambientalistas. Em um de seus últimos comunicados, a própria WWF insinuou que a postura da UE parece estar "aparentemente influenciada por razões pessoais". E, para reforçar a crítica, cita explicitamente Von der Leyen.
Um pônei chamado Dolly
No centro de tudo, está um pônei chamado Dolly. O animal, uma fêmea de 30 anos e cor castanha, estava em um pasto na Baixa Saxônia na madrugada de 1º de setembro de 2022, quando um lobo o atacou. Seu cadáver foi encontrado pouco depois, entre a grama. O incidente poderia ter permanecido apenas nas páginas de jornais locais, não fosse por um detalhe: Dolly não era um pônei qualquer. Ou melhor, sua dona não era uma mulher qualquer. O animal pertencia a uma das figuras mais poderosas da política europeia: Ursula von der Leyen.
O lobo que matou Dolly já havia atacado outros animais antes, o que levou as autoridades a incluí-lo em uma lista de espécimes que podem ser abatidos devido ao impacto e ao risco que representam. Um mês após o ocorrido, Von der Leyen encomendou uma "análise aprofundada" sobre a espécie e, pouco mais de um ano depois, a UE já estava reconsiderando o status dos lobos. Coincidência ou não, a alemã não conseguiu evitar que a morte de Dolly e as discussões políticas sobre a proteção da espécie frequentemente fossem associadas.
Imagens | União Europeia 2020 - Fonte: EP e Leopoldo de Castro (Flickr) 1 e 2
Este texto foi traduzido/adaptado do site Xataka Espanha.
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