Quando um rato fica inconsciente, outro rato sabe exatamente o que fazer: ir resgatá-lo

Pesquisadores da USC observaram que os ratos ajudam outros em estado de inconsciência

Experimentos mostraram que ratos tentam reanimar companheiros desacordados, mas só os que conhecem bem / Imagem: Science
Sem comentários Facebook Twitter Flipboard E-mail
victor-bianchin

Victor Bianchin

Redator

Victor Bianchin é jornalista.

Até que surjam os robôs médicos, os humanos continuarão desempenhando uma tarefa milenar: cuidar de pessoas. Isso inclui uma ampla variedade de situações, sendo uma delas a dos primeiros socorros. Temos aperfeiçoado nossas técnicas e ferramentas para oferecer um melhor atendimento imediato a quem precisa, mas há algo importante que não podemos ignorar: não somos os únicos a fazer isso no reino animal.

Um grupo de pesquisadores decidiu testar até que ponto os ratos aplicam técnicas semelhantes às humanas para reanimar um companheiro caído. E os resultados são surpreendentes.

Ao longo dos anos, já vimos como alguns animais ajudam seus companheiros em determinadas situações. Por exemplo, cães lambem os ferimentos de humanos e de outros cães — algo que pode ter efeito antibacteriano. Há primatas que compartilham comida com indivíduos doentes e elefantes e golfinhos ajudam seus companheiros feridos a andar ou a respirar na superfície, respectivamente.

No entanto, todos esses casos são anedóticos e não foram estudados em profundidade. Além disso, ainda não se determinou claramente até que ponto essas reações são esporádicas ou se respondem a um mecanismo que os animais colocam em prática sempre que um companheiro precisa. E foi exatamente isso que os pesquisadores da Universidade do Sul da Califórnia (USC) quiseram investigar.

Colocando à prova

Os objetos do estudo foram ratos de laboratório em condições controladas. Os pesquisadores queriam observar até que ponto esses comportamentos de auxílio são exibidos de forma natural em resposta à presença de companheiros sociais inconscientes. O vídeo que acompanha o estudo nos permite ver esses ratos-paramédicos em ação, com um comportamento bastante curioso.

No estudo, quando um rato encontrava um companheiro em estado de inconsciência induzido por anestesia, começava a realizar uma série de ações. Primeiro, cheirava o companheiro, depois o limpava, podia dar alguns "golpes" com as patas e, por fim, abria a boca do outro rato e puxava sua língua. Essa ação, aparentemente, era realizada para abrir as vias respiratórias do companheiro ou remover algum objeto estranho de sua boca.

E tudo se desencadeava após o companheiro permanecer imóvel por um tempo e não responder aos estímulos. A ajuda médica cessava quando o rato adormecido “revivia”.

Ratos

Viés de familiaridade

Algo interessante é que os ratos pareciam mais dispostos a aplicar essas técnicas em outros ratos conhecidos, e não tanto em estranhos. Graças a gravações eletrofisiológicas e a técnicas de imagem com cálcio, os pesquisadores puderam observar a atividade neural dos ratos que prestavam os primeiros socorros, detectando um aumento na ocitocina — um hormônio relacionado, entre outras coisas, aos vínculos sociais.

Nos experimentos, a equipe de Sun colocou os ratos designados para prestar socorro em contato tanto com ratos familiares quanto com ratos desconhecidos. As interações ocorriam principalmente com os ratos conhecidos, e os pesquisadores observaram que, em 50% dos casos, o rato consciente puxava a língua do companheiro, ajudando-o a se reanimar mais rápido do que os ratos que não recebiam essa assistência.

Há dois vídeos que ilustram isso. No primeiro, o rato adormecido era conhecido do rato socorrista, e este imediatamente tentava reanimá-lo. Depois, na mesma situação, os cientistas inibem a ocitocina e vemos como o rato socorrista simplesmente passa a ignorar o companheiro que deveria socorrer.

No segundo vídeo, ocorre o contrário: ao se deparar com um rato desconhecido, ele o ignora; mas, ao ativarem a ocitocina, o rato corre para ajudar.

Além disso, em 80% dos casos, o rato socorrista retirou um objeto previamente colocado pelos cientistas na boca do rato anestesiado. Também foram introduzidos objetos no reto e nos genitais, mas, nesses casos, os ratos simplesmente ignoraram. E, entre os testes, os pesquisadores também observaram que os ratos que aplicavam esses primeiros socorros se concentravam nos companheiros mortos, e não nos que estavam apenas dormindo.

Em outro estudo, observou-se como os ratos não apenas tentam reanimar companheiros caídos, mas também reduzir o estresse de outros Em outro estudo, observou-se como os ratos não apenas tentam reanimar companheiros caídos, mas também reduzir o estresse de outros

Resultados surpreendentes

Apesar do que foi observado e documentado, os pesquisadores consideram que ainda não possuem dados suficientes para afirmar com total certeza que os ratos têm a intenção consciente de ajudar. Ou seja, pode se tratar de um mecanismo automático ativado por feromônios, sem que o rato realmente “decida” ajudar o companheiro.

Pode-se dizer que essas ações seriam fruto da curiosidade, mas a equipe de Sun argumenta que é difícil sustentar essa hipótese quando os ratos tentam reanimar seus companheiros por períodos prolongados (em alguns casos, até cinco dias). Isso, somado à preferência por indivíduos familiares, leva a equipe de neurocientistas a acreditar que não se trata apenas de curiosidade, mas de uma forma rudimentar de primeiros socorros.

E, embora estejamos falando de “primeiros socorros”, não é a mesma coisa que nós, humanos, fazemos, pois nossas práticas são pensadas e baseadas nas melhores formas de atender alguém ferido ou inconsciente. O comportamento dos ratos, como explica um dos autores, seria mais parecido com um tapa na cara.

Além do estudo da USC, neste ano de 2025 foram publicados outros dois estudos que abordam os cuidados que os ratos oferecem a seus companheiros. A ação de puxar a língua foi detalhada em um estudo publicado em janeiro e, apenas um dia após a divulgação do artigo da USC, outra equipe publicou suas descobertas sobre esse comportamento pró-social entre os ratos.

Bichos paramédicos

O curioso é que essas ações dos ratos, como se fossem paramédicos, não são algo que só tenhamos observado neles. No ano passado, um grupo de pesquisadores concluiu um estudo sobre formigas que, literalmente, realizavam cirurgias em suas companheiras. Por meio da amputação de certos segmentos de suas extremidades, as formigas tratadas podiam continuar vivas e desempenhar um papel dentro da sociedade.

Era um comportamento mais altruísta por parte das companheiras cirurgiãs, já que tratavam qualquer formiga que fosse da sua colônia, chegando a dedicar vários minutos à amputação e aos cuidados da formiga ferida. No caso dos ratos, já vimos que a ação está mais relacionada ao sistema de ocitocina.

No fim das contas, trata-se de um comportamento inato que pode estar amplamente presente entre os animais sociais como uma ferramenta de coesão do grupo com um mesmo objetivo: aumentar as chances de sobrevivência.

Imagens | Science

Este texto foi traduzido/adaptado do site Xataka Espanha.

Inicio