Quando pensamos no caminho para a adoção do carro elétrico e apontamos a Europa como a grande protagonista, com medidas como a proibição dos carros a combustão a partir de 2035, muitas vezes esquecemos o que está acontecendo no resto do mundo.
Na China, é evidente que o governo apostou tudo na transição para o carro elétrico e, no processo, tenta liderar essa indústria (ou, pelo menos, ser relevante) em um setor onde praticamente não tinha presença fora de suas fronteiras. No Japão, por outro lado, a aposta é totalmente nos híbridos, e as vendas de elétricos são quase simbólicas.
Mas o que acontece nos Estados Unidos? Do outro lado do Atlântico, foram vendidos apenas 1.301.411 carros elétricos, o que representa uma participação de mercado de 8,1%. Um número baixo, influenciado por uma rede de carregadores muito deficiente, que atrasa a adoção dessa tecnologia, e por um preço dos combustíveis mais baixo do que na Europa, reduzindo a diferença de custo por quilômetro entre gasolina e eletricidade.
Ainda assim, o país vinha tomando medidas para impulsionar o carro elétrico e, no longo prazo, garantir que essa tecnologia ganhasse uma fatia significativa do mercado. Como? Pressionando os fabricantes, é claro. Pressões que, agora, Donald Trump pretende desfazer, e cujas consequências no mercado ainda são incertas.
Os EUA tinham um plano
A Europa não é, nem de longe, a única região que pressiona os fabricantes de automóveis a adotarem o carro elétrico. Sim, a decisão de proibir motores a combustão a partir de 2035, a nova norma de emissões em vigor desde janeiro (que obriga a eletrificação de grande parte da frota) e as metas estabelecidas para 2030 não são, de forma alguma, medidas sutis.
No entanto, os Estados Unidos também tinham seu próprio plano. O país abriu as portas para subsídios durante o governo de Joe Biden, oferecendo generosos incentivos fiscais a quem produzisse seus carros nos Estados Unidos. E, parcialmente, também para aqueles que fabricassem no Canadá ou no México. Era a chamada Lei de Redução da Inflação.
A esses incentivos fiscais somavam-se subsídios para a compra de carros elétricos. Se o veículo tivesse sido produzido segundo os critérios da lei anterior, o comprador poderia receber até 7.500 dólares (R$ 43 mil) no caso de um carro elétrico novo ou 4.000 dólares (R$ 23 mil) se fosse usado.
E não era só isso. O governo de Joe Biden queria que a média de consumo dos carros vendidos nos Estados Unidos não ultrapassasse 3,9 litros/100 km a partir de 2027. Em 2032, essa média deveria cair para 3,56 litros/100 km — números que, em ambos os casos, exigiriam uma eletrificação significativa da frota.
Tudo isso está na mira do novo governo de Donald Trump para ser desmantelado. O homem escolhido para essa missão é Bernie Moreno, que, a partir do Senado dos Estados Unidos, pretende acabar com os incentivos fiscais para a compra, flexibilizar as exigências de emissões para os fabricantes e impedir que estados como a Califórnia — que afirmou que continuará concedendo subsídios caso o governo federal os retire — possam agir de forma independente.
A Bloomberg aponta que a agenda de Moreno não tem garantia de sucesso. O veículo econômico destaca que ele precisa do apoio de todo o grupo republicano para levar seus planos adiante e que alguns senadores podem se opor à ideia, já que há fábricas ou projetos de instalações produtivas de carros elétricos em seus próprios estados.
Além disso, há o impacto das tarifas planejadas para veículos importados do Canadá e do México. Embora tenham sido colocadas em pausa após uma primeira tentativa, a intenção do novo presidente dos Estados Unidos continua sendo impor uma taxa de 25% sobre esses produtos. Segundo cálculos da Bloomberg, isso encareceria cada unidade em 3.000 dólares (R$ 17 mil) em média.
A medida é especialmente preocupante para a General Motors, que exporta para os Estados Unidos 40% dos carros que vende no país a partir do Canadá e do México. A montadora, no entanto, afirma que não transferirá sua produção para o mercado local sem garantias de que a medida será mantida a longo prazo. O mesmo posicionamento é adotado pela BMW, que planeja investir 800 milhões de dólares (R$ 4,5 bilhões) em uma fábrica no México.
O New York Times também aponta o mercado automotivo como um dos grandes afetados por essas tarifas. O jornal estima que veículos de grande porte e caminhões podem ficar até 10.000 dólares (R$ 57 mil) mais caros por unidade. "A maior parte desse aumento de custo será repassada aos consumidores e concessionárias", afirma Patrick Anderson, CEO da Anderson Economic Group, ao diário.
O grande problema dessas tarifas é que ninguém parece saber com certeza por quanto tempo estarão em vigor. "As peças automotivas são produtos que exigem meses ou anos para serem projetados, validados e testados antes de serem incorporados a um veículo. Simplesmente não podem ser substituídas da noite para o dia", explica ao New York Times Linda Hasenfratz, presidente da Linamar, fabricante de peças para veículos.
Em sua visão, é impossível transferir a indústria em tão pouco tempo e, ao mesmo tempo, encarecer tanto o produto tornaria a América do Norte um mercado menos competitivo, reduzindo a produção de automóveis. Toyota e Honda (cada uma com uma produção superior a um milhão de unidades no Canadá) e Stellantis, que exporta um terço de suas picapes RAM para os Estados Unidos a partir do país vizinho, são outras das grandes prejudicadas.
No entanto, fabricantes como a Volkswagen parecem estar considerando seriamente transferir parte de sua produção para os Estados Unidos. De fato, a flexibilização das normas de emissões e a ameaça de que precisariam vender seus produtos a um preço muito mais alto no país estão levando o grupo a cogitar a mudança da produção de Porsche e Audi para lá, utilizando fábricas de carros elétricos da Volkswagen que atualmente operam com baixa capacidade devido à falta de demanda.
Eliminar os incentivos fiscais para a produção (e compra) de carros elétricos e obrigar os fabricantes a vender mais caro ou a transferir sua produção para os Estados Unidos resultará em um atraso na adoção dos veículos elétricos. Como mencionado, a vantagem de preço dos elétricos não é tão competitiva quanto na Europa, e encarecer ainda mais o produto o torna menos acessível para novos clientes. No entanto, os fabricantes podem compensar parte desse impacto ajustando os preços dos modelos a combustão, que, ao serem vendidos em grande volume, permitem uma margem de lucro mais flexível do que os carros elétricos.
Imagem | Xataka
Este texto foi traduzido/adaptado do site Xataka Espanha.
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