Elon Musk fundou a SpaceX em 2002 com a ideia de convencer a humanidade a colonizar Marte. O empresário defende com frequência que criar uma cidade autônoma no planeta vermelho e transformar os humanos em uma espécie multiplanetária poderia evitar nossa extinção, seja por uma guerra nuclear devastadora, mudanças climáticas irreversíveis ou o impacto de um meteoro.
O que talvez Musk não tenha imaginado é que, um dia, teria influência suficiente para que o governo dos Estados Unidos adotasse sua visão como "destino manifesto" do país.
Assim, a SpaceX deixaria de ser apenas uma contratada da NASA para assumir papel central nas tomadas de decisão.
Mudança inesperada de liderança
Quando Trump chegou à Casa Branca, Janet Petro foi nomeada administradora interina da NASA até que um chefe definitivo assumisse o cargo (presumivelmente, Jared Isaacman). Inicialmente, o cargo seria de Jim Free, administrador adjunto da agência, mas Trump escolheu a diretora do Centro Espacial Kennedy para o posto.
Embora tenha sido uma mudança inesperada, Free havia defendido a continuidade do programa Artemis após a vitória de Trump, o que poderia ser visto como uma afronta à nova administração, focada na conquista de Marte.
Para reforçar essa visão, Michael Altenhofen, engenheiro com 15 anos de experiência na SpaceX, foi nomeado assessor da administradora, o que muitos interpretam como um reflexo da crescente influência de Elon Musk na agência.
Clima tenso
Já no comando da NASA, Janet Petro acatou a ordem de encerrar todas as iniciativas relacionadas ao programa de Diversidade, Equidade, Inclusão e Acessibilidade (DEIA). Ela não hesitou em adotar a retórica de Trump ao anunciar a decisão em um comunicado interno polêmico: "esses programas dividiram os americanos por raça, desperdiçaram recursos públicos e resultaram em discriminação vergonhosa".
Petro incentivou os funcionários a denunciarem quem não cumprisse a ordem, criando um formulário para isso. Segundo um relatório da Ars Technica, essa medida contribuiu para uma queda significativa na moral dos trabalhadores da NASA.
Astronautas "abandonados" no espaço.
Para alguns funcionários, o ponto de ruptura foi a mensagem de Elon Musk anunciando que a SpaceX resgataria, a pedido de Trump, "os dois astronautas abandonados na Estação Espacial Internacional". Ele se referia a Butch Wilmore e Suni Williams, tripulantes da missão de certificação da nave Starliner da Boeing, que falhou.
Tanto Musk quanto Trump alegaram que os astronautas estavam "abandonados" desde junho de 2024. No entanto, a NASA já havia planejado, em agosto, muito antes das eleições, um transporte de volta para eles: dois assentos na missão Crew-9, da SpaceX, que está acoplada à ISS desde setembro.
Wilmore e Williams apenas se integraram à tripulação permanente da estação enquanto aguardavam a próxima missão de rotação, a Crew-10, adiada para o final de março. É comum que astronautas saindo da estação passem alguns dias com os novos tripulantes para compartilhar informações sobre experimentos científicos e manutenção.
Mudança de foco para Marte
Outro ponto que ainda ecoa na NASA é um tuíte de Elon Musk chamando a Lua de "distração" em comparação com a "prioridade" de colonizar Marte. Pouco depois, em sua posse, Trump descreveu a conquista de Marte como "destino manifesto" dos Estados Unidos.
Surgiram rumores de que, sob a nova administração, o programa Artemis seria reestruturado para concentrar os recursos da agência no planeta vermelho.
Curiosamente, foi a primeira administração de Trump que priorizou as missões lunares com a criação do programa Artemis, em 2019, no qual a SpaceX é um dos principais contratantes, fornecendo a nave Starship como módulo de pouso tripulado.
Internamente, a SpaceX planeja enviar cinco Starships não tripuladas a Marte em 2026 e, se tudo correr bem, realizar sua primeira missão tripulada ao planeta em 2028.
Um objetivo extremamente ambicioso, mesmo com os recursos da NASA.
Os cortes de Musk
Como dono da SpaceX, Musk enfrentaria um sério conflito de interesses se tomasse decisões diretamente ligadas à NASA. No entanto, seu papel à frente do Departamento de Eficiência Governamental (DOGE), que atua como auditor externo próximo à Casa Branca, levanta preocupações sobre um possível corte de 30% no orçamento da agência, com fechamento de centros, transferências de sedes e cancelamento de programas importantes.
Musk é conhecido por reduzir custos, mas seria necessária uma enorme redistribuição de recursos para priorizar a ida de humanos a Marte, um objetivo extremamente caro.
Isso também poderia abrir espaço para que a China conquistasse vitórias simbólicas na Lua, como estabelecer a primeira base científica tripulada na órbita ou na superfície do satélite, algo que os chineses planejam para 2030.
O papel de Jared Isaacman
Embora suas intenções ainda sejam um mistério, muitos funcionários da NASA depositam suas esperanças em Jared Isaacman, indicado por Trump para liderar a agência. Isaacman, um bilionário sem experiência prévia na NASA, já foi ao espaço duas vezes em missões privadas da SpaceX e é descrito por veículos como The Atlantic como um "mini-Eu" de Elon Musk, provavelmente recomendado pelo próprio Musk.
Isaacman é, sem dúvida, um jovem empresário que pode priorizar contratos com empresas do New Space, como SpaceX, Blue Origin, Sierra Space e Rocket Lab, enquanto corta investimentos em grandes "sumidouros" de dinheiro, como o foguete SLS, liderado pela Boeing, ou a estação lunar Gateway, liderada pela Northrop Grumman.
Em um de seus últimos tuítes, ele também mencionou colocar pessoas em Marte como um objetivo viável.
A questão é: quantas mudanças ele conseguirá implementar em quatro anos para tornar isso possível? E quem será beneficiado por essas mudanças?
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