Tendências do dia

Há 40 anos, a Bose inventou a suspensão eletromagnética para carros. Era caro até para marcas como Ferrari

  • A Bose se dedica à criação de alto-falantes e fones de ouvido, mas uma obsessão de seu fundador era um sistema de suspensão ativa para carros

  • Eles não conseguiram comercializá-lo, mas seu legado foi assumido pela empresa ClearMotion

Suspensão eletromagnética dos anos 80 está de volta / Imagem: Bose, CNET, ClearMotion
Sem comentários Facebook Twitter Flipboard E-mail
victor-bianchin

Victor Bianchin

Redator

Victor Bianchin é jornalista.

Poucas coisas são mais irritantes do que os buracos na estrada, seja pelo barulho ou pelo balanço dentro do carro. Agora, imagine um sistema de suspensão que faz parecer que a natureza se esqueceu de aplicar as leis da física. Na verdade, não é preciso imaginar, pois a Bose — sim, a empresa que fabrica fones de ouvido e outros sistemas de áudio — criou há quase 40 anos uma suspensão que parece mágica.

Trata-se da suspensão eletromagnética para automóveis, uma tecnologia tão revolucionária e absurdamente cara que impediu sua aplicação comercial. Até agora.

Um pouco de contexto

Antes de pensar no que levou uma fabricante de equipamentos de áudio a criar um sistema de suspensão para carros, é importante entender a origem da Bose. Fundada em 1964 por Amar Gopal Bose, a empresa se especializou desde o início em equipamentos de áudio diferentes dos que existiam no mercado. Um exemplo foi o 2201, um alto-falante composto por outros 22 alto-falantes que não eram direcionados ao ouvinte, mas sim para a parede, com a intenção de fazer o som rebater como em uma sala de concertos.

Foi um fracasso, mas mostrava a visão de seu fundador. Amar Bose foi um empresário que dedicou boa parte de seus 83 anos (45, para ser exato) ao trabalho como professor no Instituto de Tecnologia de Massachusetts, o MIT. Foi lá que ele também estudou e, em 1964, buscou investidores para conseguir o capital necessário para fundar sua empresa. Com o tempo, os sucessos vieram, mas o 2201 já demonstrava que Bose não queria simplesmente seguir as tendências do mercado.

Intuição

Amar estava tão comprometido com a pesquisa que, em 2011, doou a maior parte das ações da Bose ao MIT para promover o trabalho de pesquisa da instituição. Em certa ocasião, afirmou que entrou no mundo dos negócios "para poder fazer coisas que nunca tinham sido feitas antes" e argumentou que suas maiores inovações não eram fruto do pensamento racional, mas sim da intuição.

Esses dois elementos são fundamentais para entender essa história, pois foi graças a essa intuição, ao desejo de inovar e ao compromisso com a pesquisa que Bose quis contratar Bob Maresca. Maresca estudou no MIT e se especializou em engenharia elétrica. Depois de ouvir Bose em uma de suas palestras na instituição, ficou fascinado, e parece que essa admiração era recíproca.

Em 1980, como registra a CNET, Bose tentou recrutar Maresca. O plano da empresa era colocá-lo para trabalhar em alto-falantes passivos, mas Maresca recusou a oferta porque… simplesmente não se interessava. Ele gostava de eletrônica, magnetismo e sistemas de controle, então foi trabalhar na Philips. Mas Bose parecia determinado a tê-lo em sua equipe e, em 1986, fez uma nova oferta. Dessa vez, Maresca aceitou.

Project Sound

O motivo era que, agora, a empresa não queria Maresca no departamento de áudio, e sim em uma novidade chamada Project Sound. Tinha a ver com conforto e ruído? Sim, mas não estava relacionado a alto-falantes: era um sistema de suspensão eletromagnética para carros. O que atraiu Maresca foi justamente a complexidade do projeto. Bose queria especificamente Maresca porque, no MIT, ele havia pesquisado suspensões "exóticas" e acreditava que o colega era a pessoa ideal para tornar isso realidade.

Não se tratava de um sistema de suspensão como o Maglev, mas de algo que permitisse viajar de carro com o máximo conforto possível, eliminando os solavancos da estrada causados por mudanças de direção, freadas e buracos.

Sucesso

Em entrevista à CNET, Maresca comentou que não teria aceitado a proposta se não houvesse a possibilidade de que fosse impossível (ele gostava de desafios, afinal). Mas, após anos de trabalho no projeto, o sistema foi concluído. E foi um sucesso, como podemos ver neste vídeo:

No vídeo, vemos dois carros do mesmo modelo, um Lexus LS400, com a mesma carga e motorização. Mas, enquanto um deles usa o sistema de suspensão convencional, o outro conta com o Project Sound da Bose. Parece quase mágica, mas na verdade era um sistema de suspensão ativa.

Uma obra de arte

O objetivo desse sistema era proporcionar o máximo de conforto, funcionando sem exercer nenhuma pressão sobre a carroceria. Como explicado em um artigo da New Atlas de 2004, o coração do sistema era um motor eletromagnético linear instalado em cada roda. Dentro desse motor, havia ímãs e bobinas às quais se aplicava uma corrente elétrica para retrair e estender o sistema. Ele foi projetado para responder rapidamente, de modo que conseguia neutralizar os impactos dos buracos e oscilações com tanta velocidade que, mesmo em manobras agressivas, os passageiros não percebiam nada.

Tudo era controlado por um computador que, por meio de algoritmos, calculava a força exata a ser aplicada aos motores para que eles respondessem da melhor forma às condições da estrada. Além disso, o consumo de energia do sistema era inferior a um terço do que um ar-condicionado consome. A Bose também projetou a tecnologia para que pudesse ser instalada em um carro convencional com modificações mínimas.

Bose

Parcialmente realizado

No artigo de 2004, Bose afirmou que esperava que algum fabricante de carros de alto desempenho adotasse o sistema e mencionou-se que a tecnologia estaria disponível no mercado dentro de dois anos. Mas isso nunca aconteceu.

Se marcas como Jaguar, Honda, Ferrari e Mercedes demonstraram interesse, por que, quase 40 anos depois, os carros de rua ainda não usam esse sistema de amortecimento? A resposta é simples e você provavelmente já consegue imaginar: o Project Sound era caríssimo e também mais pesado que os sistemas de suspensão convencionais, o que fez com que essa tecnologia revolucionária fosse engavetada.

ClearMotion entra em cena

No entanto, é difícil que uma tecnologia tão revolucionária seja esquecida da noite para o dia, e a ClearMotion não pretende deixá-la morrer tão facilmente. Essa empresa, sediada em Boston, com centros de desenvolvimento no Reino Unido e fabricação na China, vem desenvolvendo sua própria versão do Project Sound há uma década. O resultado é o CM1, ou Activalve, um sistema baseado em um núcleo eletro-hidráulico no qual o software controla tudo: desde a eletrônica até a parte hidráulica e os algoritmos de controle.

Assim como a Bose fez no passado, a ClearMotion também divulgou um vídeo comparando o desempenho da suspensão original de carros de luxo modernos (como um Mercedes E300 ou um Audi Q7) com seu sistema CM1. O resultado é impressionante, mas não muito diferente do que já vimos anteriormente no caso do Lexus com a Bose.

Um ponto interessante sobre a ClearMotion é que ela não apenas herdou o sistema de suspensão ativa da Bose, mas também a filosofia que, provavelmente, levou Amar Bose a desenvolver essa tecnologia: a redução de ruído. Na verdade, trata-se de algo muito semelhante à tecnologia de cancelamento de ruído ativa presente em fones de ouvido modernos (área na qual a Bose se destaca). Nessa tecnologia, um algoritmo analisa as ondas sonoras captadas pelos microfones do fone e gera ondas opostas para anulá-las em tempo real.

Parece que essa tecnologia continuará sendo aplicada inicialmente em carros de luxo. Inclusive, a ClearMotion e a Porsche assinaram recentemente um acordo de colaboração para integrar essa suspensão ativa em seus veículos. Mas, como costuma acontecer, com o tempo essas inovações tendem a se tornar mais acessíveis até que se popularizem completamente.

Bose

Vale destacar que a tecnologia não foi perdida. Apesar de a suspensão ativa da Bose ser extremamente cara, seu desenvolvimento não foi em vão. A empresa aproveitou a pesquisa para criar sistemas de suspensão para assentos de caminhões, um sistema que começou a ser adotado por algumas transportadoras dos EUA e do Canadá em 2010.

Resta agora ver se a ClearMotion e a Porsche conseguirão levar essa tecnologia adiante e se, um dia, ela será implementada em veículos mais acessíveis.

Imagens | Bose, CNET, ClearMotion

Este texto foi traduzido/adaptado do site Xataka Espanha.

Inicio