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Piscina, sauna e jogos: o destino de muitos soldados russos feridos na Ucrânia não está em casa, está na Coreia do Norte

O envio de soldados russos feridos para a Coreia do Norte é um novo sinal do alinhamento político e militar entre Moscou e Pyongyang.

Coreia do Norte e Rússia estão mais aliados a cada dia que passa. Imagem: Office of the President of the Russian Federation
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Sofia Bedeschi

Redatora

Jornalista com mais de 5 anos de experiência no ramo digital. Entusiasta pela cultura pop, games e claro: tecnologia, principalmente com novas experiências incluídas na rotina. 

Nos últimos meses, na guerra da Ucrânia, houve momentos em que os soldados norte-coreanos pareceram quase tropas fantasmas. Na realidade, como costuma acontecer em conflitos, os números de participantes variam conforme os lados envolvidos, então é provável que nunca saibamos o número exato de “envios”.

Dito isso, e caso ainda houvesse dúvidas sobre os laços forjados entre as duas nações durante a Guerra Fria, um fato sem precedentes está ocorrendo paralelamente: os soldados russos feridos não estão voltando para casa – estão sendo enviados para Pyongyang.

Do front de batalha para a Coreia

Desde o início da guerra na Ucrânia, milhares de soldados russos retornaram para casa feridos ou com sequelas físicas e psicológicas. Muitos deles participaram de programas estatais de reabilitação em sanatórios espalhados por toda a Rússia.

No entanto, um número crescente de militares teve outro destino. Esse grupo, mantido em segredo até pouco tempo atrás, tem sido enviado para a Coreia do Norte para receber atendimento médico e descanso, marcando um novo capítulo na crescente cooperação entre Moscou e Pyongyang.

Recuperação com todas as despesas pagas

O The Guardian relatou casos de soldados como Aleksei (nome fictício), que, após sofrer um ferimento de estilhaço na perna, solicitou uma estadia em um sanatório estatal. Ele esperava ser enviado para um dos tradicionais centros de reabilitação no Mar Negro ou nas montanhas de Altai, mas, diante da falta de disponibilidade, sua unidade no Extremo Oriente russo lhe ofereceu um destino inesperado: a Coreia do Norte.

Aleksei, assim como outros, embarcou em um voo de duas horas de Vladivostok para Pyongyang, seguido por uma viagem até um sanatório em Wonsan, na costa leste da Coreia do Norte.

Lá, passou uma semana ao lado de outras duas dezenas de soldados russos, em um ambiente que descreveu como limpo e bem conservado, mas sem a atenção médica especializada que esperava.

O papel "curador" da Coreia do Norte

O envio de soldados russos feridos para a Coreia do Norte não foi promovido publicamente pelo governo russo, nem imagens dessas visitas foram divulgadas. No entanto, em uma entrevista recente, o embaixador da Rússia em Pyongyang, Aleksandr Matsegora, confirmou que "centenas de soldados russos" receberam tratamento em sanatórios e centros médicos norte-coreanos.

E não só isso. O diplomata ressaltou que os serviços de hospedagem, alimentação e cuidados foram totalmente gratuitos. Quando a Rússia tentou compensar a Coreia do Norte pelos custos, as autoridades norte-coreanas se sentiram “ofendidas” e recusaram qualquer pagamento.

Esse intercâmbio se insere na estreita colaboração militar e política entre os dois países, que tem se intensificado desde o início da invasão russa da Ucrânia, em 2022.

Descanso sem tratamento

Aleksei contou ao jornal britânico que, durante sua estadia em Wonsan, teve acesso a piscinas, saunas e atividades recreativas, como pingue-pongue e jogos de cartas. No entanto, ele percebeu várias limitações.

Para começar, não recebeu o tratamento médico especializado que esperava. Além disso, as refeições eram "insípidas e tinham pouca carne", era proibido sair do recinto à noite ou interagir com a população local, e o álcool era extremamente difícil de conseguir.

Aspectos que, como apontou o New York Times, contrastam com a imagem dos tradicionais sanatórios russos, que costumam oferecer uma combinação de terapia física, reabilitação e descanso em meio à natureza. Seja como for, para Aleksei, a experiência foi "diferente do que esperava", e ele não tem certeza se aceitaria voltar caso recebesse uma nova oferta.

A dúvida e o pano de fundo estratégico

Alguns analistas sugerem que esses envios de soldados podem ter um propósito oculto além da simples reabilitação. Como qual? O Instituto para o Estudo da Guerra (Institute for the Study of War – ISW), com sede em Washington, aponta que a chegada de tropas russas com experiência de combate à Coreia do Norte pode representar uma oportunidade para treinar e compartilhar táticas com o exército norte-coreano, sob o disfarce de descanso e recuperação.

A possibilidade de uma cooperação militar ainda mais estreita entre os dois países aumenta as preocupações sobre o fortalecimento da aliança entre Moscou e Pyongyang.

Um acampamento de verão para crianças russas

O New York Times revelou com exclusividade que, além da chegada de militares russos à Coreia do Norte, Pyongyang também começou a receber filhos de soldados russos mortos na guerra.

O presidente russo, Vladimir Putin, mencionou pela primeira vez essa iniciativa em junho de 2023, agradecendo ao líder norte-coreano, Kim Jong-un, por organizar um acampamento para essas crianças no complexo Songdowon, próximo a Wonsan. Esse centro, que já recebia visitantes russos antes da guerra, agora se tornou um símbolo da relação bilateral entre os dois países.

De fato, a mídia russa tem dado ampla cobertura a essas viagens, divulgando imagens de crianças posando em frente a estátuas dos líderes norte-coreanos.

O Times relatou que um dos jovens participantes descreveu a experiência como um "detox digital total", destacando a rígida disciplina das crianças norte-coreanas, que marchavam em formação e seguiam ordens com precisão militar.

No fim das contas, a presença de soldados russos na Coreia do Norte parece simbolizar a crescente convergência entre as duas nações em um cenário de isolamento internacional.

Com a intensificação da cooperação militar e econômica entre Moscou e Pyongyang, esses intercâmbios podem representar algo além da simples reabilitação, consolidando uma nova dinâmica geopolítica no século XXI.

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