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Os romanos conquistaram o mundo, mas na Galícia encontraram seu maior medo: um rio que lhes roubava a memória

Soldados romanos estavam tão certos que estavam diante de um rio amaldiçoado do submundo que se recusavam a cruzá-lo

Romanos
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PH Mota

Redator

Jornalista há 15 anos, teve uma infância analógica cada vez mais conquistada pelos charmes das novas tecnologias. Do videocassete ao streaming, do Windows 3.1 aos celulares cada vez menores.

No norte da Península Ibérica correm as águas de um rio que regava os pesadelos das tropas romanas. E não, não por seu escoamento furioso, nem pelos seus redemoinhos, nem pela sua extensão, nem porque é o lar de feras selvagens ou passagem regular de guerreiros temíveis. Se o rio hoje conhecido como Rio Limia era capaz de agitar os sonhos dos legionários enviados por Roma, era por conta de suas lendas.

Ao espreitarem as suas águas, os soldados acreditavam estar a observar nada mais nada menos que as profundezas escuras do Letes, um dos rios do submundo do Hades.

Num lugar do norte…

A história de Limia é digna de um início épico, à altura de Dom Quixote ou dos quadrinhos daquela irredutível aldeia gaulesa de Uderzo e Goscinny, Asterix. Não é um rio particularmente marcante por si mesmo: nasce na província de Ourense, no Monte Talariño, a uma altitude de 985 metros, e se estende por 108 km até desaguar no Atlântico. Antes disso, atravessa o sul da Galiza e o norte de Portugal, onde passa pelas cidades de Ponte da Barca, Ponte de Limia e Viana do Castelo. Se entrou para a história e foi vinculado à crônica romana, é, no entanto, por seu simbolismo, mais do que por suas características.

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Um rio digno do submundo

Pode ser chocante no século XXI, mas na época romana acreditava-se que o Limia era um rio único, digno do submundo, e não qualquer um. Como o próprio Ministério da Agricultura espanhol lembra, uma lenda surpreendente foi criada em torno de suas águas: acreditava-se que não era outro senão o Lete, um dos cinco rios que correm pelo Hades.

Ali, ele compartilhava a terra dos mortos com outros leitos de rios igualmente sinistros, como o Flegetonte, um canal de fogo; ou os rios Aqueronte e Cócito, conhecidos por suas águas de aflição e lamentação. Entre todos eles, o Lete se destacava por uma peculiaridade assustadora. Era considerado o rio do esquecimento. Quem bebia dele sofria de um esquecimento total, perdia suas memórias por mais feliz que fosse.

É por aqui que passa o Lete

Se os legionários romanos acreditavam mais ou menos nas histórias de sua mitologia e no poder mágico das águas do Limia, o que se pode supor é que a lenda era razoavelmente difundida na época.

Isso se reflete no próprio tesauros do Patrimônio Cultural da Espanha, que lembra que o Limia era conhecido como Belión ou Lethes, justamente pela "confusão com o rio do Esquecimento mencionado no Hades. Acreditava-se que fazia com que aqueles que o cruzavam perdessem a memória, o que dificultava as batalhas romanas neste ambiente por anos, já que os militares se recusavam a atravessá-lo", diz o arquivo dedicado a ele pelo Ministério da Agricultura.

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Lenda com data de validade

A lenda do Limia não surpreende apenas por seu histórico e popularidade. É igualmente curioso que possa ser associada a uma data muito específica, que serviu para espantar os medos dos soldados romanos. Segundo a tradição, em 138 a.C. o general Décimo Júnio Bruto Galaico embarcou em uma campanha de conquistas no norte da península, descobriu que suas tropas se recusaram a cruzar o Limia por medo de perder sua memória.

Para mostrar-lhes que seus temores eram infundados, o oficial decidiu dar o exemplo e deixar um quadro "semelhante" — com todas as aspas do mundo, é claro — ao que Fraga ofereceria séculos depois em Palomares: ele entrou na água para provar em sua carne que era inofensiva. Assim, com a bandeira na mão, o bom general cruzou o Limia até chegar à outra margem e então se dedicou a chamar seus soldados pelo nome. Um por um. Primeiro, para deixar claras suas ordens. Segundo, e não menos importante, para mostrar incontestavelmente que as águas daquele riacho do norte não haviam apagado sua memória.

Feito ainda lembrado

Por ironias da história, o feito com o qual Decimus Junius Brutus quis mostrar que preservava sua boa memória conseguiu fazer com que hoje, mais de 2 mil anos depois, continuemos a lembrar dele e de tudo o que cerca a lenda de Limia. Durante décadas, em Xinzo de Limia se celebra todos os verões a "Festa do Esquecimento", uma celebração histórica com concertos, desfiles, mercado... e uma recriação da travessia do rio, com combates nas margens do Limia.

Coisas de água... ou vinho

Além da festa, a verdade é que a lenda do Leteu galego continua despertando interesse até hoje, em 2023, e ainda são escritos com frequência artigos que falam sobre o feito de Junius Brutus ou a origem da lenda. O jornal espanhol El Debate publicou recentemente uma reportagem na qual reúne as teorias de Estrabão ou Virgílio para explicar por que o Limia estava associado ao Lete, como o suposto esquecimento sofrido pelo povo Túrdulo ao cruzar suas águas.

Nem todas as explicações eram mitológicas, é claro. O poeta romano chega a escorregar que a explicação poderia muito bem ser outra, mais prosaica: a abundância de vinho na região e seu inegável efeito na memória.

Imagens | Álvaro Pérez Vilariño 1 y 2 (Flickr) y Ministerio de Agricultura, Pesca y Alimentación

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