A Austrália teve uma ideia para tentar resolver (ou ao menos amenizar) a crise habitacional que já se arrasta há tempos: dificultar o acesso de investidores estrangeiros ao seu mercado imobiliário — tanto para quem quer comprar terrenos quanto para quem busca imóveis já prontos.
A restrição já começa a gerar certa preocupação na Índia, de onde vem grande parte da imigração australiana; mas além da Oceania ou da Ásia, o tema chama atenção por outro motivo: a proposta e seus objetivos.
Afinal, a Austrália não é o único país enfrentando uma crise de moradia — e tampouco é o primeiro governo a cogitar vetar estrangeiros. Na Espanha, por exemplo, já se discute limitar a compra de imóveis por investidores de fora da União Europeia, e em Barcelona há quem defenda estender essa restrição até mesmo a cidadãos comunitários que não pretendem fixar residência na cidade.
O que aconteceu?
O governo australiano decidiu adotar “medidas drásticas” contra a compra de casas e terrenos por estrangeiros — palavras do próprio Executivo. Há poucos dias, a poucos meses das eleições parlamentares e com a questão da moradia no topo das preocupações nacionais, o governo de Anthony Albanese anunciou um plano “enérgico” para evitar que operações feitas por compradores internacionais dificultem (ainda mais) o acesso dos australianos à casa própria.
O plano se apoia em duas ações principais: restringir ou até mesmo proibir diretamente as compras vindas de fora do país.
O que exatamente está sendo proposto?
Que investidores estrangeiros não possam comprar casas nem apartamentos na Austrália — embora a medida tenha uma observação importante. Para começar, ela se concentra apenas em imóveis já existentes, e não em novas construções.
Outro ponto chave é que tem prazo para acabar: o veto valerá por dois anos, de 1º de abril de 2025 até 31 de março de 2027. Ainda assim, as autoridades australianas já adiantaram que, quando o prazo terminar, a medida será "reavaliada" para decidir se deve ou não ser estendida.
“Até agora, os investidores geralmente estavam proibidos de comprar propriedades existentes, exceto em circunstâncias específicas, como quando vinham morar no país para trabalhar ou estudar”, lembra um comunicado emitido pelo departamento de Clare O’Neil, ministra da Habitação. “A partir de 1º de abril, investidores estrangeiros não poderão mais comprar imóveis existentes na Austrália enquanto o veto estiver em vigor, a menos que se aplique alguma exceção.”
Haverá exceções?
Caso ainda restem dúvidas sobre o alcance da medida, as autoridades australianas reforçam que a proibição também se estende a residentes temporários e empresas de propriedade estrangeira.
Na verdade, o veto já gerou desconfiança na Índia, país de onde costumam vir muitos jovens que se mudam para a Austrália com o objetivo de estudar e buscar trabalho.
Como lembra o gabinete de O’Neil, a norma prevê certas exceções, mas de forma “limitada” e voltadas para um perfil bastante específico: o foco está em investimentos que “aumentem significativamente” o número de moradias disponíveis ou que favoreçam sua acessibilidade.
Em outras palavras, o objetivo é que o saldo da oferta de imóveis para os próprios australianos seja sempre positivo.
É a única medida? Não.
A equipe de Albanese anunciou que vai reforçar a fiscalização para garantir o cumprimento das novas regras e dará atenção especial ao "acúmulo de terras" por parte de estrangeiros.
“Estamos tomando medidas enérgicas contra a compra de terrenos por investidores estrangeiros para liberar áreas e construir mais moradias com mais rapidez”, afirma o governo, que garante estar “se esforçando” para “identificar” os investidores que compram terrenos vazios, fazem a urbanização enquanto os preços sobem e depois colocam esses imóveis à venda.
E qual é o motivo?
“Essa atividade infringe as normas e provoca atrasos no desenvolvimento de áreas residenciais e comerciais que são essenciais”, reforça o departamento de Clare O’Neil. No mesmo comunicado, o governo destaca os investimentos feitos para auditar e detectar esse tipo de movimentação no setor.
“Investidores estrangeiros que já tenham adquirido ou pretendam adquirir terrenos baldios, residenciais ou não residenciais, estarão sujeitos a uma fiscalização mais rigorosa para garantir que cumpram as exigências de desenvolvimento.”
Qual é o objetivo?
Facilitar o acesso à moradia para os próprios australianos e “garantir” que o investimento estrangeiro no setor imobiliário atenda ao “interesse nacional”. “A proibição fará com que os australianos possam comprar casas que, de outra forma, teriam sido adquiridas por investidores estrangeiros”, afirma o Ministério da Habitação. “Trata-se de aliviar a pressão sobre o nosso mercado imobiliário ao mesmo tempo em que construímos mais casas.”
Mas… vai funcionar?
Essa é a grande dúvida: se a medida de fato ajudará a desafogar o mercado australiano. As autoridades estimam que cerca de 1.800 imóveis por ano ficarão disponíveis para compradores locais, mas o The Telegraph cita especialistas que calculam que a nova política afetará menos de 0,4% do mercado imobiliário.
Mais ainda: em 2022, os investidores estrangeiros realizaram 5.360 compras de imóveis residenciais, e apenas uma pequena parte delas (cerca de um terço) envolvia moradias já existentes.
O problema é tão grave assim?
Para entender o plano do governo de Albanese, é tão importante conhecer seus detalhes quanto compreender o contexto. Primeiro, porque a proposta foi anunciada em um clima pré-eleitoral e com a habitação se consolidando como uma das maiores preocupações dos australianos.
Segundo, porque o país enfrenta um cenário residencial complexo, marcado pela alta nos preços, o desequilíbrio entre oferta e demanda, as dificuldades de acesso à moradia e a queda nos investimentos em habitação social.
O ano de 2024 terminou com uma leve queda de 0,1% nos preços dos imóveis, mas o setor alerta que provavelmente se trata de uma redução “superficial e de curta duração”. Na verdade, há estudos que apontam na direção contrária. Na primavera passada, a Reuters realizou uma pesquisa com analistas que revelou que a alta nos preços da habitação provavelmente continuará até 2026.
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