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Chernobyl está cheia de cães radioativos; não tem nada a ver com o acidente nuclear, segundo estudo

Os cães radioativos de Chernobyl não teriam sobrevivido todo esse tempo graças a mutações

Cachorros radioativos em Chernobyl / Imagens: Cloth Map, Tim Porter
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Victor Bianchin

Redator

Victor Bianchin é jornalista.

Após o acidente na usina nuclear de Chernobyl, as áreas próximas à central continuam perigosas para os seres humanos. O reator número quatro da usina Vladimir Ilich Lenin explodiu em 26 de abril de 1986, liberando 500 vezes mais material radioativo na região norte da Ucrânia do que o utilizado na bomba de Hiroshima. Foi um desastre ambiental que, aos poucos, originou um paraíso repleto de animais e plantas radioativas.

E isso acontece porque, além dos poucos humanos que trabalham em funções de manutenção, das visitas e daqueles que instalaram o Novo Sarcófago Seguro, os animais circulam livremente. Entre eles, há cães, tão numerosos que foram apelidados de “os filhotes de Chernobyl”. Quando ocorreu o acidente, os cães foram abandonados, mas, nos últimos anos, a população disparou e estima-se que cerca de mil cães vaguem livremente pela região.

Acariciar um desses adoráveis cachorros não é uma boa ideia devido à sua carga radioativa, mas um novo estudo indica que as diferenças genéticas desses cães não têm nada a ver com uma mutação induzida pela radiação.

Os cães radioativos de Chernobyl

Vendo o vídeo acima, parece impossível resistir à tentação de acariciar esses filhotes. O problema é que eles têm partículas radioativas em seu pelo, mas o mais incrível dessa história é que eles simplesmente consigam sobreviver tão perto da zona do acidente.

A radiação ionizante interage de maneira curiosa com os tecidos dos seres vivos: rompe as ligações químicas e modifica a estrutura das cadeias de átomos. Isso faz com que os animais desenvolvam tumores, algo a que as plantas se adaptaram muito melhor devido às suas particularidades.

Desses mil cães que vagam por Chernobyl, 302 vêm sendo estudados há algum tempo pela Universidade da Carolina do Sul e pelo Instituto Nacional de Pesquisa do Genoma Humano, com o objetivo de caracterizar sua estrutura genética. Os animais pertencem a três populações diferentes que viveram dentro da usina e a distâncias de 10 a 15 quilômetros da "zona zero".

A pesquisa deles pretende ajudar a responder perguntas sobre como os seres humanos e outras espécies podem se adaptar para sobreviver em ambientes tão agressivos, e os pesquisadores já estão obtendo algumas respostas. A primeira delas é que parece que esses cães estão evoluindo a um ritmo diferente dos cães de áreas vizinhas.

Eles apresentam algumas características genéticas distintas no DNA que desenvolveram ao longo dos anos. Há alguns meses, já havia sido sugerido que a radiação poderia não ter nada a ver com essas características. Agora, a Universidade Estadual da Carolina do Norte e a Escola de Saúde Pública Mailman da Universidade de Columbia compartilharam um estudo no qual afirmam que estavam trabalhando com duas populações de cães, separadas apenas por cerca de 16 quilômetros, mas com características genéticas diferentes.

“Estamos tentando determinar se a exposição a níveis baixos de toxinas ambientais, como radiação, chumbo, etc., durante muitos anos, poderia explicar algumas dessas diferenças”, comenta Matthew Breen, um dos autores. O que fizeram foi começar buscando diferenças a nível cromossômico, depois em pequenos intervalos do genoma e, finalmente, diferenças em nucleotídeos.

O reator número 4 com seu sarcófago atual / Imagens: Cloth Map, Tim Porter O reator número 4 com seu sarcófago atual / Imagens: Cloth Map, Tim Porter

O objetivo era encontrar anomalias e evidências de mutações no DNA das células reprodutivas, que são transmitidas de geração em geração. "É como usar a função de zoom da câmera do telefone para obter mais detalhes: começamos com uma visão ampla do sujeito e, depois, ampliamos", comenta Breen. E o resultado é interessante, pois parece que a radiação não tem muito a ver com as mudanças encontradas:

“Sabemos que, por exemplo, a exposição a doses altas de radiação pode introduzir instabilidade no nível cromossômico e abaixo disso. Embora essa população de cães esteja a 30 ou mais gerações dos presentes durante o desastre de 1986, as mutações provavelmente ainda seriam detectáveis se proporcionassem uma vantagem de sobrevivência aos cães originais. Mas não encontramos evidências disso nesses cães”.

O trabalho segue em andamento, pois, com o que descobriram, os pesquisadores não podem descartar o papel da pressão seletiva para explicar as diferenças entre as duas populações de cães.

“Em termos humanos, isso é como estudar uma população que está séculos distante da que estava presente no momento do desastre. É possível que os cães que sobreviveram tempo suficiente para se reproduzir já tivessem características genéticas que aumentavam sua capacidade de sobrevivência e, talvez, o que aconteceu foi uma 'seleção natural' extrema no início”, comenta outra das autoras, Megan Dillon.

A pesquisadora aponta que pode ser que, após essa pressão extrema, os cães da usina nuclear simplesmente tenham se mantido separados da população da cidade. “Investigar essa via é o próximo passo no qual estamos trabalhando”, comenta.

Desastres inevitáveis

Outro dos autores é Norman Kleiman, da Escola de Saúde Pública da Universidade de Columbia. Kleiman comenta que "a maioria das pessoas pensa no acidente nuclear de Chernobyl como um desastre radiológico em um canto abandonado da Ucrânia, mas as possíveis implicações adversas para a saúde são muito mais amplas", e isso se deve a muitas outras toxinas, como metais pesados, pó de chumbo, pesticidas e amianto.

O curioso é que a maior parte dessas toxinas foi liberada no ambiente durante as décadas de limpeza subsequentes, e isso também pode ter influenciado os seres vivos da região. "Estudar animais de estimação, como esses cães, nos oferece uma janela para os tipos de riscos à saúde que nós, seres humanos, podemos enfrentar".

"Não se pode exagerar a importância de continuar estudando os aspectos de saúde ambiental de desastres em grande escala como este. É certo que, dado o caráter cada vez mais tecnológico e industrial de nossas sociedades, inevitavelmente haverá outros desastres semelhantes no futuro, e precisamos entender os possíveis riscos à saúde e como proteger melhor as pessoas", enfatiza o pesquisador.

Assim, entender essas variações genéticas nos cães não é apenas a resposta para uma curiosidade científica, mas também algo prático para entender melhor os riscos naturais de certas partículas diante de outro possível desastre de dimensões semelhantes, segundo Kleiman.

Imagens | Cloth Map, Tim Porter

Este texto foi traduzido/adaptado do site Xataka Espanha.

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