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Colômbia e Venezuela têm um problema difícil de resolver: os dois países afirmam ser “donos” das arepas

Quando se trata de um símbolo nacional, é difícil fazer os países concordarem

Arepas colombianas e venezuelanas no centro de disputa cultural | AmethystCosmos, Steven Depolo
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PH Mota

Redator

Jornalista há 15 anos, teve uma infância analógica cada vez mais conquistada pelos charmes das novas tecnologias. Do videocassete ao streaming, do Windows 3.1 aos celulares cada vez menores.

Há poucas coisas mais "identitárias" para uma nação do que sua gastronomia. Pelo mesmo motivo, é preciso muito pouco para que alguém entre em conflito se for uma questão de decidir quem é o "dono" de uma receita. Surge então o fundamentalismo culinário. Atualmente, a mesma coisa está acontecendo entre a Alemanha e a Turquia. Em jogo: a denominação de origem do döner kebab. Venezuela e Colômbia estão na mesma situação. A culpa é da arepa.

Rivalidade eterna

A arepa, um pão de milho arredondado e versátil, é o centro de uma disputa cultural entre Colômbia e Venezuela que transcende fronteiras e gerações. Os dois países a consideram símbolo nacional, profundamente enraizado em sua gastronomia e cultura popular. No entanto, o debate sobre sua origem e supremacia gerou uma luta tão apaixonada quanto qualquer disputa política ou esportiva. Quem está certo?

Aceitamos dividir

Até onde se sabe, e não descartamos que alguma descoberta histórica mude isso, a origem da arepa remonta às culturas indígenas do norte da América do Sul, onde os conquistadores espanhois documentaram seu consumo no século XV. O próprio termo "arepa" vem da palavra "erepa" da língua cumanagoto, ou seja, do que hoje é a Venezuela, embora se acredite que versões semelhantes fossem consumidas em toda a região sem as atuais divisões de fronteira.

Com o tempo, a arepa evoluiu de maneiras diferentes em ambos os países. Na Colômbia, por exemplo, elas costumam sem um acompanhamento crocante para outros pratos e variam de acordo com a região, enquanto na Venezuela são mais suaves e servidas como prato principal, recheadas com ingredientes como queijo, carne, banana ou frango. Nesse sentido, os colombianos tendem a usar milho fresco para prepará-las, enquanto os venezuelanos usam farinha de milho pré-cozida, o que facilita o preparo e o transporte.

Debate cultural

A crise econômica e política da Venezuela levou milhões de venezuelanos a migrarem, e sim, muitos deles para a Colômbia, onde sua versão da arepa ganhou ainda mais visibilidade. Essa troca cultural intensificou um pouco mais a rivalidade, com as areperias venezuelanas proliferando em cidades colombianas e no exterior.

De fato, a diáspora venezuelana, mais disseminada globalmente, levou a percepção da arepa como um alimento venezuelano a lugares como Roterdã, ainda que os consumidores europeus a associem tanto à Colômbia quanto à Venezuela.

Apropriação política e impacto na mídia

Até o presidente venezuelano Nicolás Maduro tentou politizar a arepa, declarando-a exclusivamente venezuelana e iniciando um processo para que a UNESCO a reconhecesse como patrimônio cultural do país.

Claro, a declaração provocou respostas raivosas e debates nas redes sociais, alimentados por piadas e memes como o do comediante venezuelano Angelo Colina, que ironizou o suposto "sabor insípido" de uma arepa colombiana, desencadeando uma onda de críticas humorísticas.

Receita como ponte cultural

Seja como for, e apesar das rivalidades, figuras como Diego Mendoza, um migrante venezuelano em Roterdã, enfatizaram em uma reportagem no New York Times que a arepa deve ser símbolo de unidade, não de divisão. Sua popularidade global reflete sua capacidade de se adaptar a diversos contextos culturais, tornando-a um alimento que transcende identidades nacionais.

O que parece claro é que a "iguaria" se tornou muito mais do que uma receita de identidade. Enquanto a Venezuela lidera a disseminação global da arepa graças à sua diáspora, a Colômbia parece ter posicionado suas arepas na cultura popular internacional (até mesmo aparecendo no filme Encanto da Disney, a propósito). Talvez, no final das contas a arepa não pertença exclusivamente a nenhum país, mas sim a uma herança compartilhada que celebra a riqueza cultural de ambas as nações.

Reviravolta na trama

A história, no final, nos diz que dar autoria a algumas receitas faz pouco sentido. De fato, e como já dissemos há algum tempo, preparações como tamales ou arepas já existiam em tempos pré-colombianos, mas com a chegada da carne bovina e suína espanhola, isso significou que esses pratos agora seriam preenchidos com novos ingredientes. Da mesma forma, a arepa acabou chegando à Espanha (com forte presença nas Ilhas Canárias).

Além disso, nessa "viagem" pelas regiões colombianas, muitos dos pratos tradicionais têm variações em sua preparação dependendo da área. No final, a mistura de ingredientes permitiu que a cultura fosse enriquecida, favorecendo que tanto Espanha quanto México, Venezuela ou Colômbia, entre outros, tenham cozinhas tão invejáveis.

Como Mendoza disse ao NYT, "a arepa deve pertencer ao mundo".

Imagem | AmethystCosmos, Steven Depolo

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