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O último segredo de Da Vinci não estava em suas pinturas ou notas, mas em sua família: uma ligação direta com Barcelona

Os antepassados do pintor tinham uma ligação direta (e bem lucrativa) com a cidade de Barcelona.

Leonardo da Vinci e sua ligação com Barcelona. Imagem: Wikipedia 1 y 2 y Logan Armstrong (Unsplash)
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Sofia Bedeschi

Redatora

Jornalista com mais de 5 anos de experiência no ramo digital. Entusiasta pela cultura pop, games e claro: tecnologia, principalmente com novas experiências incluídas na rotina. 

Não importa se estamos falando da história da arte, da ciência, do Renascimento, da Europa ou até da História com H maiúsculo. Poucas figuras dos últimos séculos são tão fascinantes quanto Leonardo da Vinci, o grande polímata, o gênio por excelência. Pintor, músico, engenheiro, cientista (no sentido mais amplo e pioneiro da palavra) e escritor compulsivo de anotações, Da Vinci se tornou o maior símbolo do Humanismo.

Até hoje, ao contar sua vida, os biógrafos sempre destacaram dois lugares: as diversas regiões da Itália onde viveu e a França, onde morreu em 1519, aos quase 70 anos. Agora, uma nova obra, baseada em uma profunda pesquisa, estabelece um novo vínculo geográfico: Barcelona.

Grande pintor, grande ícone

Original

Da Vinci não é apenas um grande pintor e um precursor da ciência moderna. Ao lado de alguns poucos nomes, como Van Gogh, Beethoven ou Poe (e não muitos mais), ele faz parte do seleto grupo de artistas elevados à categoria de ícone atemporal. Por isso, nos últimos anos, tem sido protagonista de dezenas, centenas de monografias que seguem os passos de um de seus primeiros biógrafos, Giorgio Vasari.

Só nas últimas décadas, estudiosos como Fritjof Capra, Michael White, Frank Zöllner, Charles Nicholl e Walter Isaacson — conhecido por suas biografias de Steve Jobs e Elon Musk — mergulharam na vida do toscano, às vezes com foco em aspectos específicos de seu legado. Em 2017, Isaacson publicou uma obra monumental dedicada a Leonardo.

Agora, a essa longa lista se junta um ensaio de mais de 600 páginas escrito pelo professor Carlo Vecce, especialista em Renascimento. O título não poderia ser mais direto e já indica a ambição de ser um retrato completo de Da Vinci: Vida de Leonardo. Para escrevê-lo, Vecce examinou manuscritos do artista e mergulhou em arquivos e registros históricos, enriquecendo ainda mais a imagem que temos do autor de A Gioconda.

Nesse processo, ele também chegou a algumas conclusões surpreendentes.

Uma delas é a ligação familiar de Leonardo com a Espanha — mais especificamente com Barcelona, para onde parte de sua família se mudou antes mesmo de o pintor nascer, em Anchiano, Vinci, no ano de 1452. Para encontrar essa conexão com a Cidade Condal, é preciso voltar à época do bisavô e do avô de Leonardo, que, movidos por interesses comerciais, chegaram à costa espanhola.

Para estabelecer esse elo, Vecce começa falando de Guido di Michele, figura-chave na árvore genealógica de Leonardo por dois motivos. Primeiro, por ter conquistado um lugar de prestígio na influente guilda de juízes e notários florentinos entre 1330 e 1360. Segundo, por seus dois filhos: Giovanni e Piero, este último bisavô do futuro pintor.

Embora os dois irmãos tenham estudado Direito e seguido a profissão do pai, Guido, com o tempo acabaram tomando rumos diferentes. Piero fez carreira como diplomata e chegou a se tornar notário da Signoria. Já Giovanni decidiu romper com a tradição e tentar a sorte em Barcelona.

A escolha pela Cidade Condal não foi por acaso.

Na obra, Vecce lembra que Barcelona era “uma das capitais do mundo mediterrâneo”, onde florescia uma rica comunidade de mercadores florentinos. Giovanni se estabeleceu nos arredores de Santa Maria del Mar (ainda em construção), ao lado da esposa Lottiera, e conseguiu que seu filho, Frosino, se dedicasse ao lucrativo comércio de tecidos de luxo e corantes entre Mallorca e Valência.

O vínculo de Leonardo poderia ter ficado restrito a esse ramo distante da família, se não fosse por um dos filhos de Piero que, talvez cansado da vida na Toscana, se sentiu atraído pelo estilo de vida do tio Giovanni e do primo Frosino como comerciantes em Barcelona. Seu nome era Antonio — e ele acabaria sendo lembrado como o pai de Ser Piero da Vinci. Ou seja, o avô de Leonardo.

Ao invés de seguir os passos do pai em Florença, Antonio se mudou para Barcelona e, por quase 15 anos, trabalhou lado a lado com Frosino, atuando principalmente na compra e venda de especiarias e matérias-primas para a indústria têxtil.

Vecce conta como o avô de Leonardo navegou pelo Mediterrâneo, entre Barcelona, Valência, Mallorca e Marrocos, chegando até Fez. Com o tempo, no entanto, sua atividade passou a se concentrar em Barcelona. Já com mais de 40 anos, Antonio decidiu dar um novo rumo à sua vida e retornar à Toscana.

Não se sabe o motivo exato, mas essa decisão seria crucial para o destino de Leonardo. De volta à Itália, Antonio recomeçou do zero: casou-se com a filha de um notário e, em 1417, retornou a Vinci, onde a família passou a viver das modestas rendas que possuía.

Mesmo com dificuldades financeiras, o casal teve vários filhos: Guliano, Violante, Francesco e Piero Frosino. É deste último que nos interessa falar — o primogênito, que, na década de 1440, decidiu se mudar para Florença para retomar a tradição familiar iniciada por Guido di Michele e tornar-se notário.

No entanto, Piero não entrou para a história por causa dos estudos em Direito ou do papel que desempenhou na capital toscana, mas sim por seu filho. Em 1452, teve um filho ilegítimo com uma mulher chamada Caterina — uma criança saudável, criativa e com uma inteligência superada apenas por sua curiosidade imensa.

Chamaram-no de Leonardo. Leonardo da Vinci.

Seu pai e sua mãe acabariam seguindo caminhos diferentes, casando-se com outras pessoas e tendo mais filhos. Mas Piero logo percebeu o talento do filho para o desenho e se preocupou em garantir que Leonardo pudesse se formar como artista em Florença, na oficina do pintor Andrea del Verrocchio.

O resto é história.

Quem era a misteriosa Caterina, seu passado e sua família é outro caminho de investigação que também revela novos vínculos para Leonardo — e que Carlo Vecce explora em sua obra. Mas isso já é assunto para outra matéria.

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