Muda-se o onde, o como e o com quem, mas algo é certo: na virada do dia 31 de dezembro para o dia 1º de janeiro, comemora-se o Ano Novo. Temos isso tão internalizado que já não questionamos por que celebramos essa transição entre anos nessa data ou se há algum motivo objetivo para não fazermos isso em outro dia.
E a verdade é que nem sempre foi assim. Há séculos, havia vários lugares onde o Ano Novo era celebrado em março.
Do tempo e suas coisas
O tempo é imutável. A forma como o medimos e organizamos, não. Hoje, temos como certo que um ano se divide em 365 dias (anos bissextos à parte), distribuídos ao longo de 12 meses, e que devemos trocar de calendário todo 31 de dezembro, mas nem sempre foi assim. E não é necessário ir a regiões remotas ou outras tradições culturais para comprovar isso.
Os romanos alteraram várias vezes seu calendário, passando de um com um ano civil de 304 dias, distribuídos em 10 meses que começavam em março, para outro com uma revisão lunar no século VII a.C., e, finalmente, para o calendário juliano, lançado em 45 a.C., que se baseava no calendário egípcio segundo a reforma de Cánope. Nem a organização do tempo abençoada pelo poderoso Júlio César foi definitiva. Em 1582, o papa Gregório XIII impulsionou o calendário gregoriano, que substituiu o juliano de forma progressiva.

Questão de crenças e política
Mas a história da organização do tempo pode se originar muito antes. Pelo menos há cerca de 12.000 anos, que é de quando data o calendário lunissolar mais antigo descoberto até hoje, um conjunto de marcas gravadas em uma pedra localizada no sítio arqueológico de Göbekli Tepe, na atual Turquia. Mas a tradição romana (e ocidental) serve para entendermos algo: na organização do tempo se infiltraram frequentemente três das maiores obsessões da humanidade: crenças, natureza e poder.
A mitologia frequentemente se infiltrava no calendário. Março homenageava Marte e janeiro, Jano, o deus das duas faces, dos começos e dos fins. "Está associado a olhar tanto para frente quanto para trás. Então, se há um momento para decidir 'este é o momento em que começamos de novo', é lógico que seja esse", explica à BBC Diana Spencer, da Universidade de Birmingham. Na divisão do tempo também influenciaram os ciclos agrícolas, os solstícios e até mesmo a guerra.
E quando começamos o ano?
Hoje, nós temos claro: 1º de janeiro é o primeiro dia do ano. Mas nem sempre foi assim. Originalmente, o calendário juliano fixava como chegada do ano novo o 1º de janeiro, mas, após a queda do Império Romano, essa referência variou gradualmente em várias partes da Europa, nas quais optou-se por outra data: 25 de março, a Anunciação cristã, festividade que celebra a aparição do arcanjo Gabriel à Virgem Maria.
"Embora o Natal seja quando Cristo nasceu, a Anunciação é quando se revela a Maria que ela dará à luz uma nova encarnação de Deus", reflete Spencer. "Esse é o momento em que começa a história de Cristo, então faz muito sentido que o ano novo comece nesse momento". Em uma reportagem recente, o jornal El País lembra como, durante a Idade Média e até os primeiros anos da Idade Moderna na Europa cristã, podiam ser encontrados lugares onde as mudanças de ano eram celebradas coincidindo com essa data primaveril de ressonâncias bíblicas: 25 de março.
Apesar dessa carga simbólica para os cristãos, a proclamação do calendário gregoriano no final do século XVI teve uma consequência peculiar: acabou devolvendo ao 1º de janeiro seu papel como a mudança de ano. Mas a transição não foi automática. O calendário gregoriano substituiu de forma gradual o juliano em 1582, mas o "gradual" é um detalhe importante, especialmente se observarmos os calendários. Antes de sua adoção, já havia muitos países que consideravam o primeiro dia de janeiro como o Ano Novo. E houve outros nos quais essa transição demorou mais para acontecer.
As exceções mais curiosas estão na Grã-Bretanha. A Escócia adotou o 1º de janeiro como sua data de Ano Novo em 1600 e na Inglaterra, rebelada contra a autoridade do Vaticano, a transição oficial demorou ainda mais. Lá, as autoridades optaram por continuar com essa celebração no 25 de março até meados do século 18. Mais especificamente, foi necessário esperar até 1752, quando o Parlamento decidiu que, para evitar confusões, seria mais conveniente para o país se alinhar à Europa e mudar de calendário a cada 1º de janeiro.
Além da Grã-Bretanha
A Grã-Bretanha não foi o único lugar a se despedir dos anos em uma data diferente daquela que agora temos. Em um ensaio sobre o assunto citado pelo El País, o medievalista francês Michel Pastoreau sugere que "o ciclo do ano é o calendário litúrgico".
E após lembrar que "as épocas mais relevantes são o Advento e a Quaresma e as principais festas o Natal, a Páscoa, a Ascensão, Pentecostes e Todos os Santos", Pastoreau revisita: "Em Soissons, o ano começa no dia 25 de dezembro; em Beauvais e Reims, no dia 25 de março; em Paris, no dia da Páscoa; em Meaux, no dia 22 de julho (Santa Maria Madalena)".
Dor de cabeça para historiadores
"No entanto, notemos que os dias habitualmente escolhidos são o Natal (regiões do oeste e sudoeste), a Anunciação (Normandia, Poitou, parte do centro e leste) e a Páscoa (Flandres, Artois, domínio real)", acrescenta Pastoreau. Mesmo na Castela do século 13, o ano começava a cada 25 de março. Essa dança de datas e saltos de calendário é hoje uma curiosidade, mas, para os pesquisadores que se dedicam, por exemplo, a estudar a história colonial, representa uma verdadeira dor de cabeça.
"Entre 1582 e 1752, não só eram utilizados dois calendários na Europa, como também havia dois inícios de ano diferentes na Inglaterra. O início oficial do ano era o 25 de março, mas muitas pessoas celebravam o 1º de janeiro como o 'Dia de Ano Novo', seguindo o exemplo continental, e o 1º de janeiro até era frequentemente citado como tal nos almanaques", recorda Gary Smith da Biblioteca de Direito de Berkshire, em Massachusetts.
Imagens | Wikipedia 1 e 2
Este texto foi traduzido/adaptado do site Xataka Espanha.
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