Duas falências, uma espionagem norte-coreana e lavagem de dinheiro: a história de um Fisker que queria o trono da Tesla

  • A Fisker queria o trono da Tesla, mas, uma década depois, é investigada por contratar um espião da Coreia do Norte

  • O FBI tem uma investigação aberta sobre as irregularidades da montadora de veículos elétricos, que já acumula duas falências

Estrada de Herik Fisker para chegar ao trono da Tesla teve muitos percauços | Imagens: Fiske
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Victor Bianchin

Redator

Victor Bianchin é jornalista.

Se a história da Fisker não for levada ao cinema, não será por falta de méritos da empresa. Existem muitas biografias sobre sucessos empresariais, como os vários de Steve Jobs, mas, se algum dia fizerem um filme sobre a Fisker, será um thriller de mistério e espionagem. O motivo é que a empresa chegou há mais de uma década com a promessa de revolucionar o carro elétrico, mas tudo que conseguiu foi ir à falência (duas vezes), lançar apenas um carro (que foi um desastre) e acumular processos por todos os lados.

Ah, e como cereja do bolo, contratar um espião da Coreia do Norte e estar sendo investigada por, entre outras coisas, lavagem de dinheiro. E não são rumores ou fontes em off da imprensa: tudo isso vem de um relatório da investigação conduzida pelo FBI. Mas vamos por partes.

Promessas e problemas

Começando com um pouco de contexto. Henrik Fisker é um designer e empresário dinamarquês que trabalhou na BMW e na Aston Martin. Durante seu tempo nessas empresas, realizou projetos que se tornaram os icônicos BMW Z8 e Aston Martin V8 Vantage. Mas Fisker queria mais e, em 2007, fundou a Fisker Automotive. Investidores privados (como o ator Leonardo DiCaprio) ajudaram a empresa a arrecadar mais de 1 bilhão de dólares e, como planejavam produzir carros híbridos e elétricos, também receberam uma garantia de empréstimo de US$ 528 milhões (R$ 3,2 bilhões) do Departamento de Energia dos EUA.

Assim era para ser o Fisker Karma / Imagem: Fisker Assim era para ser o Fisker Karma

Tudo isso para desenvolver o Fisker Karma, um esportivo híbrido de visual espetacular. Mas os planos não saíram como esperado e a falência chegou (a primeira das duas). O resultado? A empresa chinesa Wanxiang comprou os ativos da Fisker (revivendo a marca Karma em forma de carro esportivo) e, em 2016, Fisker voltou à ativa com a Fisker Inc. Pelo tom deste texto, acho que você já sabe para onde estamos caminhando.

Um carro desastroso

Depois de um início promissor, que parecia deixar para trás os erros que levaram a empresa anterior à falência, a Fisker apresentou o EMotion, um protótipo de esportivo elétrico de luxo que podia ser pré-encomendado. No entanto, também não deu certo — de novo — e foi apenas em 2020 que parecia que, finalmente, algo seria lançado. Assim, conhecemos o Fisker Ocean, um SUV que chegava para competir com a Tesla e que apresentava um design diferenciado, autonomia de até 483 quilômetros e um teto solar que adicionava mais de 1.600 quilômetros anuais.

Foi em 2023, três anos após a apresentação e uma década depois dos planos iniciais, que a startup entregou o primeiro Ocean, com o próprio Fisker entregando as chaves ao proprietário. Mas ali começaria o segundo calvário da empresa. O Ocean era um desastre, com problemas de todo tipo, potência limitada e algo inexplicável: os veículos só podiam realizar 500 acelerações "a fundo" durante toda a vida útil da bateria. No podcast PowerArt, tudo isso é explicado, incluindo os vazamentos de líquido que caíam sobre a bateria e uma série de falhas inexplicáveis para qualquer outra marca.

À beira do desespero

Os problemas do Ocean eram tão graves que a Administração Nacional de Segurança no Tráfego Rodoviário precisou intervir, investigando os problemas relatados pelos proprietários em pelo menos três ocasiões e recolhendo o veículo diversas vezes. Em 2024, a sombra de uma segunda falência pairava no horizonte, o que obrigou a Fisker a demitir funcionários e buscar ajuda financeira de outras empresas. Em 2023, a empresa registrou um prejuízo líquido de mais de US$ 460 milhões (R$ 2,8 bilhões) e simplesmente não tinha recursos para continuar.

A companhia chegou a vender carros por preços ridiculamente baixos [de quase US$ 40 mil (R$ 245 mil), caíram para apenas US$ 14 mil (R$ 85 mil)] para pagar funcionários e credores. Ela tinha dívidas com todo mundo e os próprios funcionários recorreram à imprensa para denunciar a situação. E, por mais catastrófico que pareça, isso não era o pior que poderia acontecer à Fisker.

O Fisker Ocean / Imagem: Fisker O Fisker Ocean

Espiões norte-coreanos

21 de outubro de 2024. A Fisker estava sendo investigada, mas, entre os órgãos que vasculhavam a empresa estava um que, certamente, ninguém poderia imaginar: o FBI. O veículo dinamarquês Ingeniøren afirma ter tido acesso aos documentos de uma investigação motivada pela suposta contratação de um espião norte-coreano pela Fisker.

Parece que, em outubro de 2022, a Fisker contratou um funcionário de tecnologia da informação. Era um prestador de serviços externo chamado Kou Thao, ou pelo menos era isso que ele dizia. Sua residência? Estados Unidos, mais especificamente no número 12607 W Vista Paseo Dr., Litchfield Park, Arizona. O problema é que, nesse endereço, não vivia nenhum Kou Thao, mas sim uma tal de Christina Marie Chapman, acusada de comandar uma "granja de laptops". Ela oferecia suporte a trabalhadores norte-coreanos que utilizavam o endereço IP do Arizona para ocultar suas identidades e conseguir empregos em empresas ocidentais.

Lavagem de dinheiro

De acordo com o FBI, com base nos documentos em posse do veículo dinamarquês, os espiões norte-coreanos utilizaram os sistemas de Chapman para gerar quase US$ 7 milhões (R$ 40 milhões). Esse dinheiro era "lícito", pois os supostos espiões realizavam os trabalhos pelos quais haviam sido contratados nas empresas e recebiam um salário. Ou seja, Thao estava trabalhando para a Fisker normalmente. O problema é que o dinheiro que recebia (e as informações) não ficavam com ele, e sim com o governo da Coreia do Norte.

O Ingeniøren entrou em contato com a Fisker, mas a empresa não comentou nada sobre o caso devido à investigação em andamento, embora tenham confirmado que o funcionário foi demitido em 2023 e que não identificaram nenhuma ameaça significativa em seu sistema de cibersegurança.

A favor da Fisker: não foram os únicos

A Fisker está em apuros, não apenas pela segunda falência, mas também por todo o caso do suposto espião norte-coreano. No entanto, a favor da empresa, é preciso dizer que ela não foi a primeira e nem será a última a contratar, sem saber, um espião. Casos de infiltrados estão se tornando cada vez mais comuns, e Christina Marie Chapman já é uma velha conhecida das autoridades. Espiões também se infiltraram na produção de séries de grandes empresas como HBO ou Amazon, com o mesmo objetivo: trabalhar como qualquer outro funcionário, receber um salário e repassá-lo ao governo para financiar o programa nuclear.

A China também não fica atrás, com detenções recorrentes em empresas europeias, roubos de tecnologia para utilizá-las em empresas locais e constantes suspeitas, inclusive envolvendo estudantes que aspiram a trabalhar em companhias estratégicas, como a ASML.

Com tudo isso e uma credibilidade em ruínas, resta saber se a Fisker irá tentar novamente com uma nova identidade… ou se desistirá de vez.


Este texto foi traduzido/adaptado do site Xataka Espanha.

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