Se você passear pelo comércio de Londres (assim como pelo de boa parte do mundo) em Dezembro, é bem provável que ouça repetidamente o famoso All I Want for Christmas Is You, de Mariah Carey. No entanto, houve um tempo, em meados do século XVII, em que o som das festas na cidade era bem diferente.
Por volta de 1647, o que ecoava pelas ruas era o grito dos pregoeiros: "No Christmas, no Christmas!" Em vez de Papais Noéis, a capital era patrulhada por militares que garantiam que ninguém, sob nenhuma circunstância, pendurasse ramos de azevinho para decorar suas casas.
O motivo é muito simples: o Natal estava proibido.
Diga não ao Natal
Pode parecer inacreditável, especialmente depois de um fim de ano repleto de luzes, festas e tradições, em que prefeituras gastaram verdadeiras fortunas para iluminar as ruas com milhões de LEDs. No entanto, a realidade era bem diferente nas Ilhas Britânicas em meados do século XVII.
Em um contexto político, social e religioso turbulento, marcado pela Guerra Civil Inglesa, as autoridades decidiram proibir a celebração do Natal. Literalmente. Sem metáforas. Em 1647, o Parlamento aprovou uma ordem que aboliu qualquer festividade natalina.
O fim da festa (por decreto).
A norma em questão foi batizada de Ordinance for Abolishing of Festivals, aprovada em junho de 1647, e sua mensagem não poderia ser mais clara: após afirmar que o Natal, a Páscoa, Pentecostes e outras festividades consideradas "dias santos" vinham sendo usadas de forma "supersticiosa", o Parlamento decretou sua abolição.
"Que não sejam mais observadas como festividades ou dias santos dentro deste Reino da Inglaterra e do domínio de Gales, independentemente de qualquer lei ou costume."
Em um artigo publicado no The Conversation, Martyn Bennet, professor de História Moderna da Universidade de Nottingham Trent, lembra que a proibição do Natal se estendeu aos reinos da Inglaterra (que na época incluía o território galês), Escócia e Irlanda.
A restrição durou vários anos e foi rígida: além de vetar as celebrações nas casas – sob pena de multas –, também afetou os negócios, que foram obrigados por decreto a abrir no dia 25 de dezembro como se fosse um dia comum. Em contrapartida, o Parlamento instituiu feriados de caráter secular.
Um reflexo de sua época
Pode parecer curioso que um governo tenha proibido o Natal por meio de uma lei (ou talvez nem tanto, já que ainda há quem "estenda" regulamentos por decreto), mas a medida faz mais sentido quando analisada no complexo contexto social e político da Grã-Bretanha do século XVII. Para começar, a ordem de 1647 não era exatamente nova.
Ela apenas ampliava uma norma anterior, de 1644, quando, aproveitando que o dia 25 de dezembro coincidia com a jornada mensal de oração e jejum do Parlamento, as autoridades proibiram a realização de cultos religiosos.
Dois anos antes da ordem "anti-Natal", em 1645, a mesma Câmara já havia aprovado um diretório de culto público, que estabelecia novas diretrizes para as cerimônias da Igreja Anglicana e determinava que festividades religiosas, como o Natal e a Páscoa, não deveriam ser acompanhadas por serviços especiais.
E tudo isso, por quê? Por religião. E política.
As celebrações de Natal na segunda metade da década de 1640 talvez não fossem muito ortodoxas na Grã-Bretanha, mas o fato é que também não eram tempos tranquilos no cenário político.
Entre 1642 e 1651, o reino foi palco das chamadas Guerras Civis Inglesas, travadas entre realistas e parlamentares. A ordem "anti-Natal" de 1647, na verdade, foi decretada pouco depois do fim da primeira guerra civil, na qual os parlamentares saíram vitoriosos sobre os partidários do rei Carlos I.
Com esse pano de fundo, os puritanos usaram sua influência no Parlamento para, entre outras ações, iniciar uma cruzada contra o Natal. Para eles, os festejos, os cânticos e até mesmo a própria celebração do nascimento de Cristo no dia 25 de dezembro eram abomináveis por várias razões.
Não viam justificativa bíblica para a comemoração, consideravam-na uma tradição "papista" e acreditavam que a forma como o Natal era celebrado era pecaminosa.
No século XVII como no século XXI
Guardadas as devidas diferenças históricas, a forma como o Natal era comemorado na Inglaterra do século XVII não era tão diferente daquela que conhecemos hoje, já no século XXI. O dia 25 de dezembro marcava o nascimento de Cristo e iniciava um período festivo que se estendia até 5 de janeiro.
As comemorações incluíam missas especiais, casas decoradas com azevinho, hera e visco, além de horários reduzidos no comércio. Também não faltavam peças teatrais, cânticos natalinos, banquetes com peru e tortas de carne, além de grandes quantidades de cerveja.
Festas "inaceitáveis"
Sob o novo regime presbiteriano, essas festividades passaram a ser consideradas excessivas – e, como tal, foram reprimidas. "As tradicionais festividades dos 12 dias de Natal foram classificadas como inaceitáveis. Os estabelecimentos comerciais tiveram que permanecer abertos durante todo o período, incluindo o dia de Natal. A exibição de enfeites natalinos foi proibida, assim como outras tradições, como os banquetes e o consumo festivo de álcool, que era ingerido em grandes quantidades, assim como ocorre hoje", relembra o professor Martyn Bennet no The Conversation.
E como reagiu o povo?
A ideia de abrir mão das celebrações de Natal não agradou a todos. Como era de se esperar, muitos simplesmente ignoraram a ordem do Parlamento. Talvez os cânticos natalinos já não pudessem ser entoados livremente pelas ruas, mas as autoridades puritanas tinham dificuldades em impedir que fossem cantados de forma clandestina.
Houve até quem desafiasse abertamente as novas restrições, o que resultou em confrontos intensos – e, em alguns casos, violentos – com a justiça.
Em Norwich, o prefeito preferiu fazer vista grossa e permitiu que os moradores comemorassem o Natal como de costume, o que acabou gerando tumultos, assim como ocorreu em Bury St. Edmund e Ipswich. Martyn Bennet relembra que, em alguns casos, a tensão cresceu a ponto de desencadear situações dramáticas.
Na primavera de 1648, os habitantes de Norwich se mobilizaram para impedir que seu governante fosse levado a Londres para prestar contas sobre sua tolerância em relação às festividades natalinas. O resultado foi uma revolta de grandes proporções, que culminou na explosão de um paiol de pólvora e deixou dezenas de mortos.
Da religião à política
Pode parecer exagerado que cânticos e banquetes natalinos tenham se tornado um estopim para revoltas, mas, na Grã-Bretanha do século XVII, o Natal era mais do que uma celebração religiosa – era também uma questão política e de poder.
A tensão aumentou em regiões como Kent e Canterbury, onde pendurar ramos de azevinho nas portas se tornou um ato de resistência. Nessa época, surgiu até uma balada popular chamada The World Turned Upside Down (O Mundo de Ponta-Cabeça), denunciando a proibição do Natal.
Longe de recuar, o Parlamento endureceu ainda mais as regras. Em 1652, novas normas reforçaram o veto, e três anos depois os esforços para reprimir as festividades natalinas foram intensificados. Participar de cultos de Natal passou a ser punido com multas, e os estabelecimentos comerciais foram proibidos de fechar mais cedo no dia 25 de dezembro.
Problema ou oportunidade?
De pouco adiantou. Em 1656, o Parlamento já se lamentava pelo fato de que a população continuava ignorando suas restrições. Enquanto isso, do lado dos realistas, a situação era vista de forma bem diferente. O descontentamento gerado pela repressão do Natal se tornou uma oportunidade valiosa para fortalecer sua própria causa.
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