A tendência de redução de jornadas de trabalho tem tomado conta de todo o mundo. Enquanto no Brasil a discussão sobre o fim da jornada 6x1 toma conta do Congresso Nacional, das redes sociais e das ruas, outros países do mundo também tem debatido medidas que possam transformar sua forma de trabalhar. É o caso do Japão, por exemplo.
O país oriental quer colocar limites nos longos períodos de trabalho contínuo comuns para funcionários. Ou melhor, quer estabelecer limites mais razoáveis. O Ministério da Saúde, Trabalho e Bem-Estar acaba de fazer uma mudança para que as empresas japonesas não permitam que uma pessoa tenha 14 ou mais dias consecutivos de trabalho. Talvez pareça muito para quem discute uma sequência de 6 dias, mas hoje o limite japonês é bem mais alto do que isso: com algumas adaptações de jornada, um mesmo trabalhador pode chegar a até 48 dias seguidos de esforços, tudo isso sem infringir a lei.
O que aconteceu?
O objetivo da redução proposta: melhorar a saúde mental dos trabalhadores. O Japão quer que o trabalho nas empresas do país seja mais suportável. E, para isso, quer focar num aspecto muito específico: os períodos muito longos durante os quais os funcionários podem passar dias consecutivos sem folgas, fins de semana ou feriados.
Hoje, o sistema permite que um funcionário passe 48 dias nessa sequência. Certas condições devem ser atendidas para a combinação, mas é possível. O objetivo é reduzir esse limite legal para 14. Qualquer coisa além de 13 dias, de acordo com o jornal japonês Asashi Simbun, estaria fora da legislação.
Como fazer isso?
Assim como no Brasil, ainda teremos que esperar movimentos mais concretos para qualquer mudança. No momento, a ideia não passa de uma proposta de um comitê de especialistas convocado pelo Ministério da Saúde, Trabalho e Bem-Estar Social que se dedica a discutir mudanças na Lei de Normas Trabalhistas no país. Em todo caso, a proposta tem escopo suficientes para estar reverberando na imprensa do país, incluindo canais de destaque como Nikkei, agência Kyodo ou Asashi, que falam da revisão do sistema organizacional com a proposta de 14 dias na mesa.
Especialistas aproveitaram o momento para também lançaram outras ideias em questões trabalhistas, como simplificar o sistema aplicado para o cálculo de horas extras ou a inserção dos empregados domésticos nas regras. O objetivo agora é reunir essas propostas em um relatório que, se tudo correr conforme o planejado, estará pronto em março. Para o Governo promulgar as mudanças, teremos que esperar um pouco mais. Elas não são esperadas antes de 2026, após discussões com representantes de trabalhadores e empregadores.
Qual é a situação agora?
Para um país como o Brasil, que está discutindo a redução de um limite de 6 dias de trabalho consecutivos para 5, ou quem sabe 4, a longa sequência permitida pelo sistema japonês surpreende. A chave está nas "letras miúdas" da lei. O regulamento estabelece que as empresas devem conceder pelo menos um dia de folga por semana aos membros de sua força de trabalho, mas lhes dá alguma flexibilidade na hora de organizar as férias. Ele permite que a empresa conceda quatro dias de folga a cada quatro semanas.
O que isso significa? Que se os salários do trabalhador forem organizados de uma certa maneira, com um descanso de quatro dias seguido por um longo período de trabalho e então outros quatro dias de descanso, tecnicamente a lei permite que esse período intermediário de trabalho seja estendido por 48 dias. O Japan Times especifica que sindicatos e gerentes também podem concordar com o que é conhecido como "Acordo 36", que na prática protege os operadores de trabalhar até mesmo em feriados.
Por que querem mudar isso?
O governo japonês não conta apenas com as propostas do grupo do Ministério da Saúde. Também tem dados que mostram como períodos de 14 dias consecutivos de trabalho prejudicam o equilíbrio das empresas. Segundo um dos estudos manuseados pelo Executivo, essas fases sem pausas geram níveis de estresse maiores do que os associados ao acúmulo de mais de 120 horas extras em um único mês. Elas também têm outra consequência crucial: contribuem para o estresse psicológico e transtornos que dão direito à indenização trabalhista.
E os números a esse respeito são eloquentes. No ano passado, foram registrados 1.023 pedidos de indenização por transtornos mentais e doenças cardíacas relacionados ao estresse no local de trabalho. O dado se destaca pelo alto volume, mas também pela tendência de crescimento da prática. Embora os pedidos aprovados tenham diminuído ao longo dos anos, voltaram a crescer. O número de solicitações em 2023 é 220 a mais que no ano anterior.
Esta é uma medida nova?
Esta não é a primeira vez que o Japão faz um movimento para melhorar as condições dos trabalhadores. Uma das frentes em que o país se concentrou é colocar limites nas horas extras, tanto no cálculo anual quanto no mensal. Há alguns meses, por exemplo, motoristas de caminhão e médicos têm que se organizar dentro de limites bem definidos: 960 horas por ano. Para trabalhadores da construção civil é um pouco menor, fixado em 720 horas de horas extras por ano.
As tentativas do Japão de colocar ordem nas horas extras datam de 2019, quando a lei de reforma do sistema trabalhista foi aprovada, mas por cinco anos certos setores em que trabalhadores qualificados são escassos foram isentos de novas limitações, até agora. Estudos do governo mostram, por exemplo, que uma grande porcentagem de médicos excedeu o limite que agora foi estabelecido.
Embora o país não esteja teoricamente no topo da lista da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico) e do Fórum Econômico Mundial para média de horas trabalhadas, o excesso de trabalho é uma questão fundamental no Japão. Ele até tem uma palavra para morte por exaustão: karoshi. Em 2015, o governo falou de pouco mais de 2,3 mil vítimas pela causa. Os dados mais recentes do Statista sugerem que o número de suicídios relacionados a problemas relacionados ao trabalho está próximo da barreira dos 3 mil.
Fim da escala 6x1 recebe assinaturas necessárias
No Brasil, a deputada Erika Hilton é autora da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que quer proibir a escala de trabalho 6x1 (em que o funcionário trabalha seis dias e folga um). Ontem, a PEC conseguiu o número mínimo de assinaturas de parlamentares para poder tramitar. O projeto deve ser aprovado no Senado e na Câmara dos Deputados antes de virar lei. Na última semana, a proposta recebeu apoio de políticos de esquerda e direita, além de repercutir fortemente nas redes sociais.
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