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Para combater turismo em massa, Florença quer que anfitriões entreguem as chaves pessoalmente

  • A cidade lançou um decálogo com medidas para tornar seu sucesso turístico "sustentável"

  • "Não é mais capaz de suportar, sem ver sua habitabilidade comprometida, uma presença tão massiva", alerta.

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PH Mota

Redator

Jornalista há 15 anos, teve uma infância analógica cada vez mais conquistada pelos charmes das novas tecnologias. Do videocassete ao streaming, do Windows 3.1 aos celulares cada vez menores.

Florença leva o turismo de massa a sério. Como outros grandes destinos, tanto dentro quanto fora da Itália, a capital da Toscana decidiu adotar medidas para aliviar os efeitos que a avalanche de visitantes tem em suas ruas. Até agora, nada de extraordinário. O curioso é a forma como a cidade fez isso. Sua prefeita, Sara Funaro, acaba de apresentar um plano de choque com 10 pontos, que inclui diretrizes e algumas outras medidas eminentemente práticas.

Por exemplo, a cidade não permitirá mais que os guias utilizem alto-falantes para se dirigir aos seus grupos de turistas. Também não será mais permitido que os proprietários de imóveis em plataformas como o Airbnb instalem caixas de chave metálicas em portas, vãos de porta ou fachadas de edifícios — uma prática muito popular para agilizar o check-in dos inquilinos.

Um plano com 10 pontos

Na véspera da cúpula do G7 de ministros do turismo, realizada em Florença, a prefeita da cidade apresentou um decálogo com o objetivo de tornar a avalanche de visitantes mais "sustentável". E essa palavra, "sustentável", é importante: ela é repetida quase uma dúzia de vezes na declaração divulgada pela prefeitura para anunciar o plano de 10 pontos.

"A mensagem que queremos transmitir é que nos importamos com nossa cidade. É importante para nós que Florença possa ser atraente, mas acima de tudo habitável para seus moradores", afirmou a prefeita, Sara Funaro. "Com essas medidas, protegemos Florença. Nosso principal objetivo é garantir que nossa cidade possa manter suas raízes, sua natureza e sua identidade."

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Adeus, caixas de chave

Das 10 diretrizes, três são particularmente marcantes e eminentemente práticas, com as quais a prefeitura busca tornar os efeitos de seu plano visíveis imediatamente. A primeira se concentra nas pequenas caixas com códigos de chave. Já faz algum tempo que é comum vê-las em fachadas, portas, cercas e portais, próximos aos locais onde são alugados apartamentos para turistas por meio de sites como o Airbnb. Seu funcionamento é simples, o que explica em grande parte seu sucesso: após reservar o apartamento, o inquilino recebe um código que permite abrir a caixa e pegar a chave do imóvel.

Ferramenta útil... e polêmica

Para os anfitriões, os cofres são uma forma rápida, simples e, acima de tudo, barata de simplificar o check-in. Porém, a partir de agora, terão que buscar outras alternativas. Pelo menos nas fachadas dos edifícios localizados na área histórica da cidade, que é protegida pela UNESCO. A medida tem um propósito estético e visa impedir a proliferação das caixas metálicas, mas também busca algo além disso: obrigar os proprietários a se apresentarem no momento do check-in e limitar o papel das empresas que administram dezenas de apartamentos em Florença em nome de seus donos.

As caixas de chave se tornaram tão visíveis no centro histórico que acabaram, de certa forma, se tornando um símbolo do "superturismo" em Florença. A CNN explica que, em alguns casos, elas se tornaram alvo de atos de vandalismo, e até mesmo moradores têm se dedicado a cobri-las com fita adesiva vermelha para denunciar a superlotação da cidade. "Se parecem band-aids, é proposital: estamos tentando curar Florença", disse um dos promotores da iniciativa ao The Times.

E adeus, alto-falantes para guias e carrinhos

Não é a única medida que a prefeitura tem em mente. Outra igualmente curiosa, que revela o cansaço da administração com o turismo de massa, é a proibição de uso de alto-falantes pelos guias para se dirigirem aos seus grupos. "É um fenômeno que incomoda quem mora na nossa cidade", reconhece a prefeita. O governo local também planeja restringir o uso de "veículos atípicos" — meios de transporte usados pelos visitantes para se deslocarem pela cidade. Como exemplo, o governo menciona os "carrinhos de golfe". Nesse caso, não há uma proibição, mas sim a imposição de limitações.

Há mais medidas?

Sim. A Câmara Municipal também fala sobre "limites" para os aluguéis turísticos, campanhas de conscientização, colaboração com plataformas e maior controle do fluxo turístico. Não é a primeira vez que a capital da Toscana toma medidas nesse sentido. Há apenas um ano, a cidade adotou uma medida ainda mais drástica ao vetar novos aluguéis de curta duração em sites como o Airbnb em seu centro histórico.

Como em outros grandes destinos europeus, mesmo fora da Itália, o equilíbrio entre o uso de imóveis para férias e para moradia nem sempre é fácil. Em setembro, um juiz florentino deu ganho ao Airbnb ao concluir que o direito de um proprietário de alugar seu apartamento para turistas prevalece sobre as dúvidas do resto de seus vizinhos. A decisão se limitou a um caso específico que envolveu um prédio na Via Cavour, mas ocorreu em um momento crucial.

O problema é tão sério assim?

Os dados falam por si. A Câmara Municipal estima que, entre janeiro e setembro, Florença recebeu mais de 7,8 milhões de visitantes. Cerca de 366,5 mil pessoas vivem na cidade. Se, em 2016, havia pouco menos de 6 mil apartamentos anunciados no Airbnb, no ano passado, quando a moratória foi adotada, a oferta já chegava a cerca de 14,4 mil imóveis. Esse aumento foi mais do que considerável e coincidiu com um aumento de 42% no custo médio dos aluguéis residenciais. Há alguns meses, um estudo da HousingAnywhere concluiu que Florença é uma das cidades europeias onde o aluguel se tornou mais caro em comparação com 2023, com um aumento anual de 6,3%. No entanto, esse número é inferior ao de outras cidades, como Madri ou Barcelona.

"O centro histórico não é mais capaz de suportar, sem enfraquecer seu valor patrimonial e comprometer sua habitabilidade, uma presença tão massiva de atividades e veículos de uso exclusivamente turístico concentrados em apenas cinco quilômetros quadrados", alerta a prefeitura. A última nuance é importante, pois Florença estima que 95% do turismo que chega à cidade se concentra em sua área central e histórica, de apenas 5 km².

Além de Florença

Florença pode ser o exemplo mais recente, mas está longe de ser a única cidade que adotou medidas para aliviar os efeitos da superlotação turística.

Em Amsterdã, por exemplo, foi lançada uma campanha pedindo aos visitantes que vêm em busca de sexo e drogas que "fiquem longe". Em Seul, blindaram seu bairro histórico. No Japão, já cobram para usar a rota mais movimentada do Monte Fuji e instalaram uma tela "anti-selfie". Em Bali, aplicam uma moratória para novos hotéis, e na Nova Zelândia, assim como na própria Itália, usam impostos para compensar os custos e o impacto do turismo. A Espanha também não ficou imune a moratórias e protestos de bairros pela saturação do setor.

Imagens | Maxime Steckle (Unsplash) e Jonathan Körner (Unsplash)

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