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Cientistas sérios se trancam em cavernas por meses seguidos há décadas; e eles têm boas razões para isso

Expedições guardam elementos de aventura, mas são muito mais do que isso

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PH Mota

Redator

Jornalista há 15 anos, teve uma infância analógica cada vez mais conquistada pelos charmes das novas tecnologias. Do videocassete ao streaming, do Windows 3.1 aos celulares cada vez menores.

A possibilidade de replicar experimentos para comparar resultados é um dos pilares da ciência, embora também possamos fazê-lo para estudar mais detalhes sobre assuntos de interesse. Mas há experimentos que são mais difíceis de replicar do que outros. E há experimentos tão loucos que parece absurdo que sejam replicados.

Poderíamos dizer isso sobre um experimento que envolve confinamento em uma caverna.

Primeiro, vamos explicar o processo. Como toda pesquisa, a que ocorre em cavernas se baseia em uma pergunta, neste caso relacionada ao sono: como nosso relógio biológico se adapta quando não tem o dia e a noite como referência?

É uma pergunta simples que muitos de nós fizemos ao longo da vida. É também uma dúvida que suscita novas perguntas, como quanto tempo durariam nossos ciclos de vigília e sono se não tivéssemos essa referência, se existe uma duração ideal para esses ciclos ou quais outros fatores condicionantes os afetam.

A ideia do experimento é simples: entrar em uma caverna funda o suficiente para perder a noção do tempo. Isolados de fontes externas de luz, os pesquisadores podem medir até que ponto seus biorritmos são distorcidos e se as mudanças na percepção do tempo se estendem a outros contextos.

A história desse experimento (ou pelo menos a primeira iteração da qual temos registro) começa em 1938. Em junho daquele ano, dois pesquisadores, Nathaniel Kleitman e seu assistente Bruce Richardson, entraram na Mammoth Cave, no estado americano de Kentucky.

A dupla de cientistas aventureiros passou 32 dias a uma profundidade de cerca de 42,5 metros, a uma temperatura próxima a 12 graus Celsius, conectados ao mundo apenas por meio de membros de sua equipe que lhes forneciam comida e transportavam correspondências para dentro e para fora da caverna.

A hipótese inicial era que, depois de um tempo, os biorritmos dos exploradores "homens das cavernas" se alongariam em direção a um ciclo de 28 horas. O resultado, no entanto, não foi esse: os dois pesquisadores mantiveram seu ciclo de 24 horas durante todo o mês que passaram em seu confinamento particular.

24 anos depois, o geólogo francês Michel Siffre repetiria o experimento, tornando-o ainda mais extremo. Siffre passou dois meses a uma profundidade de 130 metros em uma geleira subterrânea nos Alpes. Ele fez isso sem outra companhia além de seu equipamento de espeleologia e provisões.

Como o canal britânico BBC aponta em um artigo por ocasião da recente morte de Siffre, o resultado foi radicalmente diferente daquele obtido por Kleitman e Richardson: o ciclo ao qual o francês se adaptou não foi de 24 ou 28 horas, mas aproximadamente 48. Essas 48 seriam divididas em cerca de 36 horas consecutivas de atividade e entre 12 e 14 horas de sono.

Siffre faria mais iterações desse experimento acompanhado por voluntários, em expedições ainda mais longas. Esses experimentos dariam resultados semelhantes ao dos ciclos de 48 horas. Em 1972, o pesquisador passou 205 dias no subsolo em uma caverna nos Estados Unidos.

Os 205 dias de Siffre no subsolo ainda parecem pouco em comparação com o último recorde, quebrado em abril de 2023 por Beatriz Flamini: 500 dias (não consecutivos) a uma profundidade de 70 metros em uma caverna em Granada. Não consecutivos porque Madri interrompeu sua estadia por 8 dias devido a um problema de ruído, após 300 dias no subsolo.

Embora nesta ocasião a ciência não fosse o objetivo principal da expedição, a equipe de Flamini incluiu psicólogos e especialistas em sono para estudar os ritmos circadianos da atleta durante sua aventura.

Em órbita ou sob o mar

Conhecer melhor nossos biorritmos faz muito sentido. Em 1938, a primeira vez que temos evidências desse experimento, os submarinos estavam em processo de se tornar uma ferramenta fundamental tanto na exploração oceânica quanto na guerra naval. Os avanços tecnológicos logo produziriam submarinos capazes de permanecer submersos por meses, longe de qualquer referência direta à passagem dos dias.

Quando Siffre repetiu o experimento, a nova fronteira estava no espaço. O primeiro experimento do francês foi feito um ano após o voo de Yuri Gagarin, mas não demoraria muito para que as viagens fossem prolongadas no tempo: a primeira estação espacial, a soviética Saluyt, seria lançada em abril de 1971.

A corrida espacial já está em um estágio muito diferente e também requer experimentos semelhantes. As condições, no entanto, são muito diferentes. O objetivo dos experimentos agora não é tanto aprender sobre os biorritmos dos futuros astronautas, mas determinar sua capacidade de passar períodos prolongados em isolamento, como os estimados 21 meses que precisaríamos para chegar a Marte e retornar.

Por que então as pessoas continuam a se trancar em cavernas? A motivação provavelmente vai além do científico. Esse tipo de expedição tem um componente de aventura que se perderia em condições de "laboratório".

Para o bem ou para o mal, a ciência "extrema" atraiu muita gente, e parte dela assumiu a forma de "autoexperimentação". Há muitos exemplos de autoexperimentação, talvez o mais famoso seja o realizado por Albert Hofmann com dietilamida do ácido lisérgico, LSD. O problema com esses experimentos é que, além dos possíveis riscos, eles não oferecem certeza estatística.

Imagens | Mikael Kristenson / Andrey Grushnikov

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