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"Todos deixamos um impacto por onde passamos": pacote de Cheetos abandonado em caverna teve efeito colateral bizarro e mudou completamente ecossistema local

Salgadinho largado por turista reacende polêmica sobre como a visitação em massa pode prejudicar os delicados equilíbrios biológicos das cavernas

Imagem de caverna com saco de Cheetos no chão
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Victor Bianchin

Redator

Victor Bianchin é jornalista.

Localizadas no estado do Novo México (EUA), as Cavernas Carlsbad são um conjunto de mais de 119 cavernas subterrâneas de grande importância geológica e ecológica. Formadas pela ação da água ácida que dissolveu a rocha calcária ao longo de milhões de anos, essas cavernas destacam-se pela sua vasta rede de passagens e câmaras, incluindo o famoso “Grande Salão”, uma das maiores câmaras subterrâneas do mundo.

Essas formações geológicas únicas incluem impressionantes estalactites, estalagmites e colunas, razão pela qual existe grande interesse científico em estudar os processos de formação de cavernas e a história geológica do sudoeste dos EUA. No entanto, este território, que foi nomeado Patrimônio Mundial pela UNESCO, acabou se tornando também um ponto turístico, atraindo em massa visitantes curiosos.

Um saquinho polêmico

Segundo um post feito pelo Serviço Nacional de Parques (NPS) no Facebook em setembro deste ano, um visitante distraído deixou um saco de Cheetos nas profundezas das Cavernas de Carlsbad. Aparentemente, o lanche foi deixado na histórica Great Room, a maior caverna da América do Norte em termos de volume, e que só pode ser acessada caminhando cerca de uma hora no subsolo.

O saco corria o risco de apodrecer nas covas úmidas da caverna. Com isso, havia o temor de que os salgadinhos de queijo dentro dele pudessem abalar o ecossistema local. “O milho processado, amolecido pela umidade da caverna, formou o ambiente perfeito para hospedar vida microbiana e fungos. Grilos, ácaros, aranhas e moscas das cavernas logo se organizam em uma teia alimentar temporária, dispersando nutrientes para a caverna e para as formações circundantes. O mofo se espalha pelas superfícies próximas, dá frutos, morre e cheira mal. E o ciclo continua”, afirma o NPS no texto.

Segundo o post, os guardas gastaram 20 minutos removendo os detritos e o mofo remanescentes da superfície da caverna, na esperança de evitar qualquer impacto duradouro.

O buraco é mais embaixo

No mesmo texto, é relatado que “na escala da perspectiva humana, um saco de lanche derramado pode parecer trivial, mas, para a vida da caverna, pode mudar o mundo. Grandes ou pequenos, todos deixamos um impacto onde quer que vamos. Vamos todos tentar deixar o mundo um lugar melhor do que o encontramos”, pede o NPS a seus leitores.

Um dos grandes flagelos dos parques nacionais dos Estados Unidos tem a ver com o que os visitantes trazem e deixam quando partem. Os números são assustadores: mais de 300 milhões de pessoas visitam os parques nacionais todos os anos, gerando quase 70 milhões de toneladas de lixo.

E, de todas as áreas visitadas, as cavernas representam o maior risco. A razão? São mais vulneráveis ​​porque estão isoladas do mundo exterior e acolhem uma rica variedade de organismos altamente adaptados, endêmicos e sensíveis. Se um novo elemento, seja um salgadinho ou algo similar, for adicionado à equação, o resultado pode alterar radicalmente o equilíbrio da biodiversidade.

O exemplo da Caverna Lascaux

A caverna Lascaux é possivelmente o caso mais famoso (e o exemplo mais claro) de como somos capazes de alterar um ambiente desse tipo. Descoberta na França em 1940, ela se tornou famosa pelas suas pinturas rupestres de 17.000 anos, um dos melhores exemplos da arte pré-histórica. Porém, após a abertura ao público em 1948, as visitas em massa começaram a afetar negativamente o delicado microclima da caverna.

O dióxido de carbono exalado pelos visitantes, juntamente com a umidade e as mudanças de temperatura, começaram a causar danos visíveis às pinturas, como o aparecimento de fungos e algas nas paredes. Essas mudanças colocam em risco a conservação das pinturas, que estão entre as mais importantes da humanidade.

Por causa dessa deterioração, as autoridades francesas tomaram a decisão de fechar a caverna Lascaux ao público para proteger as pinturas em 1963.  As grutas foram bloqueadas com portas de aço e passaram a ser monitoradas por câmeras de segurança.

Desde então, apenas um número muito limitado de cientistas e especialistas em conservação teve acesso ao local. Para que o público pudesse continuar apreciando a arte da caverna, foi criada uma réplica conhecida como Lascaux II, reproduzindo as principais câmaras e pinturas da gruta original. Essa medida visava proteger o valor histórico e preservar o patrimônio artístico de Lascaux sem perder o seu aspecto educativo e cultural.

Talvez devêssemos fazer o mesmo com todas as cavernas com valor histórico. Mas, primeiro, teríamos que verificar se ninguém deixou um salgadinho jogado.

Imagem | Ken Lund, Carlsbad Caverns National Park

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