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A Itália encontrou a chave contra as avaliações online falsas que prejudicam a indústria hoteleira: proibir opiniões anônimas

Ideia é achar algo que contemple os direitos do consumido sem ceder à desinformação online

Itália quer combater avaliações falsas de hotéis na web / Imagem: Elias Rovelo
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Victor Bianchin

Redator

Victor Bianchin é jornalista.

A “democratização” das redes, quem diria, colocou o setor de hospedagem e alimentação diante de um problema difícil de resolver. Já faz tempo que o grande público mudou a forma de escolher um lugar para consumir, trocando o boca a boca por uma simples busca nas redes e pelos comentários de outros usuários em plataformas como o Tripadvisor. O problema? Muitas dessas avaliações podem não ser verdadeiras ou não corresponder à realidade. Na Itália, encontraram uma solução pioneira.

Se quer opinar, deve se identificar

O governo italiano propôs uma lei para conter o impacto do grande número de avaliações falsas e/ou patrocinadas na internet, que acabam afetando hotéis, restaurantes e atrações turísticas. De acordo com essa norma, os usuários deverão fornecer uma identificação verificável e provas de que visitaram o local antes de publicar uma avaliação.

Além disso, as avaliações deverão ser publicadas dentro de 15 dias após a visita e serem relevantes e detalhadas. Um extra: as empresas poderão solicitar a remoção de avaliações consideradas falsas, irrelevantes ou com mais de dois anos de idade. Além disso, avaliações pagas ou incentivadas serão ilegais, com sanções aplicadas pelo órgão antitruste da Itália.

O impacto do engano em números

De acordo com o Ministério das Empresas da Itália, as avaliações manipuladas afetam entre 6% e 30% da receita do setor de turismo e hospitalidade, gerando perdas econômicas significativas e prejudicando a confiança dos consumidores.

O impacto é particularmente grave em um país como a Itália, onde o turismo é uma pedra fundamental da economia e um símbolo do patrimônio cultural. A legislação, portanto, busca restaurar a equidade no mercado, protegendo tanto as empresas legítimas quanto os consumidores da desinformação e da concorrência desleal.

Apoio unânime do setor

Após o anúncio da medida, a proposta recebeu o respaldo de organizações como a Codacons, uma importante associação de consumidores, e a Fipe-Confcommercio, a federação empresarial do setor de restaurantes.

Ambas classificam a iniciativa como um passo crucial para garantir justiça na concorrência e combater a publicidade disfarçada. Nesse sentido, Roberto Calugi, diretor-geral da Fipe-Confcommercio, destacou que as avaliações fraudulentas ameaçam o setor há tempo demais, causando prejuízos econômicos e comprometendo a confiança do consumidor.

Preocupações e críticas sobre a privacidade

Na Itália, alguns setores temem que a obrigatoriedade de fornecer dados pessoais e a proibição de avaliações anônimas reduzam drasticamente o número de comentários autênticos, limitando o feedback valioso para as empresas.

Michele Carrus, presidente da associação de consumidores Federconsumatori, reconheceu que, embora o problema precise ser abordado de alguma forma, é crucial encontrar um equilíbrio que respeite tanto a privacidade quanto a liberdade de expressão dos usuários durante o debate parlamentar.

A importância de uma avaliação online

Seja como for, e apesar dos desafios, muitos no setor empresarial expressaram seu apoio à nova legislação. Catia Silvestri, gerente do L’Antico Caffè della Pigna em Roma, declarou ao Guardian que as avaliações são uma ferramenta útil para garantir a qualidade do serviço, embora reconheça a necessidade de regulamentações para prevenir abusos.

A medida também busca diferenciar as opiniões genuínas das manipuladas, fortalecendo a credibilidade das plataformas digitais e ajudando os consumidores a tomar decisões informadas.

Transparência digital

Esta é a última das questões envolvidas. A ministra do Turismo, Daniela Santanché, qualificou a proposta como um avanço significativo para proteger as empresas italianas e garantir a confiança de consumidores e turistas. Não há dúvida de que, em uma economia onde o comércio digital tem um peso crescente, a legislação italiana pode se tornar um modelo internacional a ser seguido de perto para enfrentar o problema das avaliações falsas em várias nações, promovendo um ambiente mais justo e transparente no setor de turismo e, talvez, até mesmo além disso.

O problema já existe há anos

Em 2021, já havia mais de um milhão de avaliações falsas no TripAdvisor, a maioria comprada. O mesmo ocorre em sites como a Amazon, e até existe um mercado onde se paga por atacado para realizar essas avaliações falsas, que colocam em dúvida a confiabilidade do próprio sistema de pontuação online. Nesse sentido, houve iniciativas, como a do Ministério do Consumo na Espanha, que, anos atrás, buscava que o Google agisse como um filtro, justificando os parâmetros utilizados para classificar os resultados. Na Itália, as avaliações falsas no TripAdvisor já eram consideradas crime.

Por trás disso, provavelmente, está um problema conjuntural. Sim, pode ser que o sistema de opiniões na internet esteja quebrado, mas não apenas pelas avaliações falsas, e sim por algo mais endêmico e ubíquo. Aqui, o debate poderia se estender até os primórdios da web 2.0, quando, possivelmente, a ingenuidade ou o romantismo do momento nos levou a pensar que seria viável a premissa de que todos são imparciais ao expressar uma opinião.

O resultado, à luz dos acontecimentos, não parece ser esse.

O passo que a Itália busca adotar ao pedir a identificação de quem expressar uma opinião sobre o setor de hospitalidade e turismo também pode ser ampliado para a rede em geral. O caso recente do cantor Lucas, na Espanha, é um bom exemplo. As críticas nas redes sociais sobre sua mudança física desencadearam um debate sobre o impacto negativo da acessibilidade universal das plataformas. O próprio cantor apareceu na televisão pedindo uma espécie de regulamentação para o uso das mesmas. Embora as redes permitam que qualquer pessoa expresse sua opinião, também criam espaços onde o anonimato e a falta de regulamentação incentivam o assédio, as zombarias e a difusão de mensagens de ódio.

No caso da Espanha, os comentários ofensivos sobre a aparência física do artista viralizaram rapidamente, o que ilustra como essa democratização das redes parece um tanto desatualizada. Embora abra oportunidades de expressão, também facilita a amplificação de discursos prejudiciais, fake news e, no pior dos casos, afeta a autoestima e saúde mental das pessoas.

Embora a proposta da Itália enfrente desafios relacionados à privacidade e à implementação em um setor específico, de alguma forma, o país está estabelecendo um precedente na regulamentação do ambiente digital, com o potencial de inspirar outros países a seguir seu exemplo e, talvez, abrir um debate muito maior.

Imagem | Elias Rovielo

Este texto foi traduzido/adaptado do site Xataka Espanha.

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