Tendências do dia

O Brasil tem um problema de habitação, mas não chega nem perto de Londres, onde já há pessoas morando em escolas e escritórios

  • A fórmula dos "guardiões" ganha força na Grã-Bretanha, com 50.000 solicitações no ano passado

  • Aqueles que recorrem a ela pagam aluguéis mais baixos por seus imóveis em troca de vigiá-los e mantê-los

Ser "guardião" de imóvel em Londres significa pagar barato no aluguel, mas há perrengues / Imagem: Herman Pijpers (Flickr) e Office for National Statistics (ONS)
Sem comentários Facebook Twitter Flipboard E-mail
victor-bianchin

Victor Bianchin

Redator

Victor Bianchin é jornalista.

Louis Goss é um jornalista britânico que está perto dos 30 anos e, ao longo dos últimos anos, viveu em um antigo asilo, uma residência, uma prefeitura e uma delegacia vazia no luxuoso bairro de Chelsea, em Londres, que compartilhava com outras 50 pessoas. Ele não fez isso porque busca acomodações originais. Também não é um invasor. Assim como milhares de outras pessoas na Grã-Bretanha (e em outros países, como os Países Baixos), Goss atua como "guardião", uma figura que fica entre vigilante e inquilino.

Há quem assuma esse papel porque o considera atrativo, e há quem seja levado a ele por um mercado imobiliário com preços exorbitantes, que faz com que o aluguel médio entre imóveis particulares em Londres já ultrapasse 2.200 libras (R$ 16,3 mil) mensais.

Alguns dados para começar

Em Londres, a situação é tão grave que seu prefeito classificou como um "escândalo" o fato de haver dezenas de milhares de moradias inutilizadas, um estoque que as administrações locais querem colocar no mercado aumentando (e muito) sua carga tributária.

Aqui estão alguns números para entender até que ponto encontrar moradia na capital britânica se tornou complicado. O Office for National Statistics (ONS) calcula que o aluguel médio no setor privado, no final de 2024, era de 2.220 libras (R$ 16,3 mil) mensais, após registrar a maior inflação anual do país, com um aumento de 11,5%. Em 2015, essa média estava abaixo de 1.600 libras (R$ 11,9 mil). Mesmo dividir uma casa exige um gasto considerável: segundo a SpaceRoom, o custo médio de um quarto em dezembro era de 993 libras (R$ 7,4 mil) por mês.

Londres

E como eu vivo?

Essa é a pergunta que muitas famílias se fazem, tanto nas grandes cidades espanholas quanto em outras europeias, incluindo Londres. Principalmente porque a compra de um imóvel é uma opção ainda mais inacessível do que o aluguel. O preço médio do metro quadrado nas áreas centrais de Londres varia entre 10.700 (R$ 80 mil) e 19.400 libras (R$ 145 mil), e a capital concentra 19 das 20 regiões mais caras do país. No geral, o governo estima que, apenas na Inglaterra, seria necessário construir 300.000 moradias por ano, mas a construção continua longe de atender à alta demanda.

Diante desse cenário, algumas pessoas encontraram uma saída em uma fórmula peculiar que surgiu nos anos 80 nos Países Baixos, onde já é utilizada por dezenas de milhares de pessoas: a "guarda de propriedade". Quem recorre a essa alternativa é inquilino, mas com condições muito especiais, que permitem pagar preços baixos em troca de aceitar certas inconveniências e assumir uma missão. Segundo a CNN, em 2024, essa solução atraiu o interesse de 50.000 pessoas na Grã-Bretanha.

Inquilino, não. Guardião

A dinâmica do sistema é bem explicada pela Live-in Guardians, uma das empresas britânicas que promovem esse modelo. "A tutela de propriedades é uma forma inovadora e moderna de proteger imóveis vazios e oferecer uma série de vantagens", afirma a organização, com sede justamente em Londres. "Um guardião é alguém que firmou um acordo para viver em um edifício ou em uma parte de um imóvel que, de outra forma, estaria vazio, com o principal propósito de proteger e salvaguardar o local".

O dono do prédio consegue alguém para vigiá-lo, mantê-lo e evitar que a construção se deteriore ou seja invadida, tudo isso sem precisar contratar uma empresa especializada. Em troca, o "guardião" obtém um espaço para morar, geralmente construções amplas, bem localizadas e, acima de tudo, por um preço acessível. Em 2022, a Live-in Guardians afirmava oferecer a seus "guardiões" (pessoas selecionadas pela empresa entre os candidatos) contratos renováveis de 28 dias, com valores a partir de 75 libras (R$ 560) por semana.

Morando em templos, escolas, pubs e outros

O resultado é que pessoas vivem como "inquilinos-guardiões" nos mais diversos tipos de lugares, como templos, escolas, bibliotecas, pubs, creches, pavilhões, prédios de escritórios, delegacias, asilos, residências, espaços municipais... Não é incomum que, além de estarem vazias, essas construções estejam condenadas a desaparecer. Por isso, os proprietários se preocupam principalmente em evitar sua deterioração, invasões ou até mesmo que fiquem desocupadas, o que poderia gerar custos adicionais.

E os números mostram que funciona. Citando dados da PGPA, entidade que representa três dos principais agentes que exploram essa alternativa, a CNN revela que mais de 13.500 pessoas vivem como "guardiões" na Grã-Bretanha. E esse número poderia ser muito maior. No ano passado, 50.000 pessoas solicitaram se tornar tutores por meio das três entidades reunidas na PGPA. Nada mal, considerando que em 2020-21 o número de candidatos foi bem menor, ficando em torno de 32.000.

Para Arthur Duke, diretor da Live-in Guardians, os números deixam uma mensagem clara: "Isso foi provocado pela crise do custo de vida. As pessoas estão buscando formas mais baratas de viver". Em suas reportagens, a CNN e a BBC mencionam guardiões satisfeitos com os espaços que habitam, mas praticamente todos os casos giram em torno da mesma ideia: as pessoas recorrem à tutela de prédios vazios porque essa é uma opção mais econômica para morar.

"Basicamente, é a única coisa que podem pagar", confessa Goss, o jornalista de 29 anos que já morou em um asilo, uma residência estudantil e uma prefeitura. Também passou por uma delegacia em Chelsea, no coração de Londres. Quando fez isso, em 2019, pagava 500 libras (R$ 3,7 mil), com contas incluídas, o que, segundo seus próprios cálculos, representava metade do que gastaria com um aluguel tradicional na região. No entanto, ele acabou "cansado das condições" e, em 2021, decidiu alugar uma moradia mais convencional para se tornar um inquilino. Mesmo que isso significasse pagar mais.

São só vantagens?

Não. A "tutela" traz benefícios tanto para os proprietários quanto para os guardiões, que conseguem moradias mais baratas, experiências de vida diferentes e até a chance de conhecer novas pessoas; mas o modelo também apresenta algumas desvantagens. Os guardiões nem sempre têm acesso a água potável, os imóveis sob tutela (em alguns casos) estão em condições precárias e há quem relate sentir-se inseguro devido ao estado da fiação elétrica.

A PGPA afirma que supervisiona as propriedades, realiza inspeções e estabelece diretrizes para evitar problemas, mas o Ministério da Habitação do Reino Unido tem uma visão bem menos otimista sobre os aluguéis para guardiões. Em um guia específico, o órgão esclarece que "não apoia nem incentiva" essa prática e faz um alerta: os guardiões podem estar vivendo em "condições que não atendem aos padrões dos espaços residenciais".

A tutela de imóveis não é uma invenção britânica. Suas origens estão nos Países Baixos, onde o modelo se consolidou nos anos 80. Desde então, atravessou o Canal da Mancha e chegou também à Espanha, onde, em 2021, uma empresa anunciou planos para oferecer moradia temporária a 5.000 pessoas em imóveis vazios a preços reduzidos. A ideia era começar em Madri e, depois, expandir para Barcelona, Valência, Málaga e Sevilha. Seus idealizadores apresentavam o modelo como um "ganha-ganha-ganha", no qual o proprietário do imóvel, o inquilino e o entorno onde vivem sairiam beneficiados.

Imagem | Herman Pijpers (Flickr) e Office for National Statistics (ONS)

Este texto foi traduzido/adaptado do site Xataka Espanha.

Inicio