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Eles interromperam a construção da fábrica da BYD no Brasil: centenas de trabalhadores da China estavam em “condições análogas à escravidão” (atualizada)

Fábrica da BYD está no centro de escândalo trabalhista no Brasil
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PH Mota

Redator

Jornalista há 15 anos, teve uma infância analógica cada vez mais conquistada pelos charmes das novas tecnologias. Do videocassete ao streaming, do Windows 3.1 aos celulares cada vez menores.

A fábrica da gigante chinesa de veículos elétricos BYD no Brasil, que prometia ser um emblema da crescente influência econômica da China na América Latina, está no centro de um escândalo trabalhista após a descoberta de condições análogas à escravidão para centenas de trabalhadores chineses. Em 23 de dezembro de 2024, o Ministério Público do Trabalho da Bahia (MPT-BA) do Brasil resgatou 163 trabalhadores chineses que estavam trabalhando em condições classificadas como "degradantes" no canteiro de obras da BYD em Camaçari, Bahia. Segundo a Reuters, esses funcionários foram trazidos ao país com vistos irregulares pela empreiteira chinesa Jinjiang, no que as autoridades descreveram como caso de tráfico internacional de pessoas.

Em resposta ao caso, a BYD encerrou o contrato com a construtora chinesa e contratou a bahiana Sepeng Engenharia para concluir as obras. Os funcionários chineses foram alocados em hotéis até que os novos alojamentos fossem concluídos.  A empresa se comprometeu a ajustar as condições de trabalho dos cerca de 500 funcionários chineses que permanecem no país para cumprir a legislação local. A assessoria também explica que a obra nunca foi interrompida completamente, apenas embargada em pontos específicos para poder lidar com a questão junto à empresa contratada para gerir os funcionários.

Péssimas condições de alojamento

Os trabalhadores viviam em condições insalubres: camas sem colchões, alimentos sem refrigeração e um banheiro para 31 funcionários. Além disso, seus passaportes e 60% de seus salários foram retidos, o que limitou severamente sua autonomia. Segundo a DW, aqueles que desejavam pedir demissão eram obrigados a cobrir os custos da viagem de volta à China, uma prática que reforçava sua dependência da empresa.


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Reações divididas: entre a reindustrialização brasileira e os direitos trabalhistas

O projeto da BYD, que inclui um investimento de US$ 620 milhões (cerca de R$ 3,58 bilhões), tinha como objetivo produzir 150 mil veículos elétricos anualmente e ser um impulsionador fundamental nos esforços de reindustrialização do presidente brasileiro Luiz Inácio Lula da Silva. De acordo com a DW, a BYD também ofereceu uma oportunidade de revitalizar a economia local após o fechamento da fábrica da Ford em Camaçari, em 2021.

No entanto, o modelo de negócios da China, que depende de trabalhadores estrangeiros, gerou tensões no Brasil.

"Para o Brasil, teria sido melhor se esses trabalhadores fossem locais, por causa da renda que eles teriam gerado para si próprios e suas famílias, o impacto positivo em suas comunidades e o treinamento vocacional que teriam adquirido. Também seria mais fácil monitorar suas condições de trabalho."

Foi o que disse Paulo Feldmann, economista da FIA Business School

Uma oportunidade perdida para a liderança global da BYD

De acordo com o El Economista, o Brasil é o maior mercado da BYD fora da China, com quase 20% de suas vendas internacionais vieram daqui em 2024. As alegações de escravidão não apenas prejudicam a reputação da empresa, mas também podem dificultar o acesso a financiamento e a expansão de suas operações em outros países latino-americanos.

O incidente também já desencadeou um debate interno na China sobre condições de trabalho. De acordo com a DW, alguns cidadãos chineses apontaram nas redes sociais que os abusos descobertos no Brasil são semelhantes às condições de muitos trabalhadores na China, onde a cultura de trabalho "996" (trabalhar das 9h às 21h, seis dias por semana) ainda prevalece.

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Deve-se acrescentar que essa controvérsia colocou pressão adicional nas relações bilaterais entre Brasil e China. Apesar do escândalo, especialistas como Mauricio Santoro, cientista político da Universidade Estadual do Rio de Janeiro, acreditam que esse incidente pode servir de lição para as empresas chinesas sobre a independência do judiciário brasileiro:

"Eles aprenderam que, independentemente de acordos com líderes políticos, promotores e o judiciário agirão à sua maneira e aplicarão as leis trabalhistas. Otimisticamente, isso pode evitar novos abusos."

Vale lembrar que no final de dezembro de 2024, as autoridades brasileiras já haviam começado a denunciar o tratamento dado aos trabalhadores na construção da fábrica da BYD e descrito as condições como "análogas à escravidão", conforme relatado pela Reuters.

Declaração da empresa na íntegra

A BYD encerrou definitivamente o contrato com a construtora Jinjiang e contratou uma empresa brasileira para realizar as adequações necessárias na fábrica de Camaçari. Essa construtora será responsável pelos ajustes exigidos pelo MTE, visando à suspensão dos embargos parciais. O nome da construtora e o plano de ação serão divulgados nos próximos dias. A definição da empresa que assumirá a parte da Jinjiang na obra ainda está em estudo.

● A BYD criou um comitê de compliance para acompanhar de perto a conclusão da obra. A primeira reunião aconteceu no dia 08/01 quando o comitê foi oficialmente instituído e a segunda aconteceu na manhã de 16/01. Ele é formado por representantes da BYD, escritórios de advocacia, especialistas em direito trabalhista e segurança do trabalho, além de um consultor independente, que estão se reunindo periodicamente para acompanhamento e cumprimento da legislação brasileira e implementar melhorias nos processos durante todas as etapas da construção do complexo fabril. Estão responsáveis, também, por avaliar as condições de trabalho, alimentação, segurança e moradia dos funcionários terceirizados. O comitê tem total liberdade para atuar na correção de qualquer eventual problema que possa surgir.

● A BYD é conhecida por enfrentar todos os desafios com muita seriedade e responsabilidade. Assim que detectamos os problemas com as construtoras contratadas para realizar a obra, reforçamos a fiscalização e exigimos todas as correções necessárias, sempre priorizando o cuidado com os trabalhadores. Para a BYD, a sustentabilidade é o alicerce sobre o qual a empresa constrói seu compromisso com o mundo.

● Somos uma empresa brasileira, com mais de 14 anos de atuação no Brasil e mais de 1.000 colaboradores no país trabalhando em diferentes linhas de negócios. Temos fábricas de chassis de ônibus e painéis solares em Campinas, além de uma fábrica de baterias em Manaus. Conhecemos e respeitamos as leis locais, e temos muito orgulho de que nossos colaboradores tenham conseguido crescer profissional e pessoalmente. Nossa cultura corporativa é inclusiva e sempre prioriza o cuidado com as condições dos trabalhadores.

● A BYD está comprometida com o Brasil e com Camaçari. Nossa fábrica trará empregos locais, impulsionará investimentos e trará grandes oportunidades de desenvolvimento. Levaremos inovação e tecnologia para transformar Camaçari no Vale do Silício da América do Sul. Temos certeza de que a chegada da BYD a Camaçari estimulará a vinda de outras grandes empresas para desenvolver ainda mais a região.

● A BYD reforça que a construção do complexo de Camaçari segue em andamento,
respeitando apenas embargos parciais por parte dos auditores do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE). Os demais detalhes da construção estão sendo reavaliados e serão divulgados oportunamente.

● Na audiência com as autoridades no último dia 07 de janeiro, foram apresentadas diversas medidas tomadas pela BYD. O contrato com a Jinjiang já foi rescindido e todos os trabalhadores mencionados na notificação de 23 de dezembro retornaram à China. A Jinjiang informou que realizou o pagamento de todas as verbas rescisórias, de acordo com as exigências das autoridades brasileiras.

● No momento, todos os trabalhadores estrangeiros estão hospedados em hotéis. Novas moradias estão sendo selecionadas para os que ficarem no país a trabalho e deverão seguir todas as normas brasileiras.

● Todos os trabalhadores das construtoras contratadas para a obra agora almoçam no refeitório e recebem as refeições de acordo com as regras trabalhistas. O espaço é o mesmo usado pelos colaboradores da BYD em Camaçari.

● A BYD veio trazer investimentos e tecnologia para o Brasil. A fábrica em Camaçari será uma das mais avançadas plantas de automóveis no país, e essa missão nunca mudou. Serão R$ 5,5 bilhões e quando o complexo estiver em pleno funcionamento o total de vagas vai chegar a 20 mil trabalhadores.

Atualizado em 06/03.

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