Hoje em dia, está claro que os fãs são um dos elementos mais difíceis de prever e controlar para as empresas da indústria do entretenimento. Suas campanhas agressivas de assédio a atores e diretores, ou de difamação nas redes sociais e review bombing, podem arruinar séries, jogos e filmes que, em outras épocas, teriam tido uma trajetória muito mais tranquila.
A geração de cristal
Analisar o fenômeno dos fãs e sua relação atual com franquias como Marvel, O Senhor dos Anéis e Star Wars — que antigamente recebiam uma adesão praticamente incondicional — é uma tarefa complexa e vai além da proposta deste artigo. Mas vale destacar que, embora a influência dos fãs como grupo de pressão sempre tenha existido (desde as primeiras fan fictions de séries como Star Trek até as seções de cartas em quadrinhos e revistas), eles nunca tiveram o impacto que têm hoje, muito graças à internet.
O quanto isso importa
Outra questão é se esse impacto realmente faz diferença. E, mais uma vez, é difícil quantificar com dados: séries como The Acolyte parecem ter sido canceladas devido à oposição dos fãs, mas será que esse é o verdadeiro motivo?
As audiências pareciam boas, mas... podemos realmente atribuir a decisão de cancelar uma série de tal envergadura aos fãs, especialmente quando a Disney não teve problema em lançar um remake de A Pequena Sereia com uma protagonista afro-americana?
Por outro lado, The Boys enfrentou uma rejeição semelhante em sua última temporada por seu discurso abertamente progressista (algo que a série sempre teve, mas muitos parecem ter percebido agora), e mesmo assim, continua com ótimas audiências. Até que ponto essa pressão dos fãs realmente define o futuro de séries, filmes e jogos?
O caso de 'Os Anéis de Poder'.
Outra série que não parece ser muito afetada pelo claro descontentamento dos fãs é Os Anéis de Poder. Talvez não haja outra produção recente que tenha enfrentado tanta rejeição dos ativistas anti-woke, refletida nas baixíssimas notas no Rotten Tomatoes.
Isso levou a Amazon a fechar as avaliações no IMDB e na própria plataforma Prime Video. No entanto, as audiências parecem ter sido suficientes para a Amazon (embora não existam números oficiais, apenas estudos externos), ou, no mínimo, a empresa acredita que elas cresceram o bastante na segunda temporada. Apesar da má repercussão, a Amazon continua firme com sua caríssima aposta.
Por que tantas críticas?
As razões para o descontentamento dos fãs com O Senhor dos Anéis: Os Anéis de Poder são semelhantes às críticas feitas a outras séries por incluir políticas progressistas em suas tramas.
Aqui, essas políticas supostamente vão contra os livros originais de Tolkien, começando pelos elencos multirraciais e inclusivos, além do destaque para personagens femininas. Essas críticas ignoram o fato de que a obra de Tolkien foi escrita nos anos cinquenta, carregando os preconceitos de sua época.
No entanto, a série também gerou protestos por "traições" mais específicas ao original, como personagens e cenários que não condizem com o que Tolkien descreveu, além da forma como a Amazon preencheu os "espaços em branco" deixados pelo autor.
E se essa for a intenção desde o início?
Uma possibilidade que os fãs mais fervorosos talvez não tenham considerado é que a série não foi feita exclusivamente para eles.
Para recuperar os mais de 400 milhões de dólares que se estima que cada temporada custa, a Amazon pode estar tentando atrair um público mais amplo do que apenas os fãs puristas de Tolkien. Sem dúvida, esses fãs são muitos, mas ainda são menos do que todo o grupo de entusiastas de aventuras e fantasia, e menos ainda do que o público geral que pode ser atraído por uma superprodução espetacular.
Tem espaço pra todo mundo!
Para dar um exemplo exagerado, mas relevante: a Disney produz séries animadas inspiradas em suas franquias da Marvel e Star Wars, voltadas para um público muito jovem, até mesmo em idade pré-escolar. E, como é de se esperar, essas séries constantemente "trazem" o cânone dessas franquias.
São produtos oficiais, mas que não chamam a atenção dos fãs mais puristas. Por quê? Obviamente, porque esses produtos não são feitos para eles: são direcionados a um público mais jovem, que não se incomoda com representatividade ou personagens femininas fortes.
Narrativa fragmentada
Esse é um exemplo exagerado, mas algo semelhante pode estar acontecendo com Os Anéis de Poder. A série rompe abertamente com a estrutura narrativa dos livros de Tolkien, que talvez pareça antiquada para os espectadores acostumados às séries atuais. A narrativa fragmentada e com vários personagens centrais, ausente nos livros, está presente na série, assim como a estrutura de pequenos mistérios que vão sendo resolvidos ao longo da trama — algo essencial para criar cliffhangers, totalmente distante do estilo de Tolkien.
O vilão como protagonista
O mais interessante, até agora, na segunda temporada de Os Anéis de Poder é a transformação de Sauron no centro das atenções, após ter sido apenas um macguffin (objeto, personagem ou evento que serve apenas para colocar a trama em movimento, mas que não tem importância para ela) na primeira temporada. Essas são estruturas narrativas extremamente modernas, que Tolkien provavelmente rejeitaria (em parte por não apresentar o vilão como alguém absolutamente mal, algo que iria contra suas convicções católicas). Mas, sem dúvida, esse é um dos aspectos mais inovadores e interessantes desta segunda temporada.
É preciso desafiar os fãs?
Por mais que seja divertido ver uma série que desafia as expectativas dos fãs mais conservadores, a resposta é não, não é necessário. Mas também não é essencial seguir o caminho oposto, criando histórias que são apenas homenagens para agradar o fandom.
Os Anéis de Poder viu um aumento repentino de interesse graças à atmosfera sombria e ao tom ambíguo que Sauron trouxe aos primeiros episódios da segunda temporada. Se, para alcançar isso, foi preciso desagradar alguns fãs...faz parte do jogo.
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