O Coliseu de Roma volta a ser palco de uma intensa disputa. Desta vez, porém, não são gladiadores e amazonas que se enfrentam. Não. Às portas de 2025, o embate envolve adversários bem diferentes: a plataforma Airbnb, o Parque Arqueológico do Coliseu e alguns líderes locais da capital italiana.
Em mais um capítulo curioso da história, o motivo da discussão é, neste caso, o próprio edifício do Coliseu. Ou melhor, até onde vão os limites (se é que existem) quando o objetivo é promovê-lo e impulsionar o turismo em Roma.
A questão central é simples: Roma corre o risco de se transformar em uma espécie de "Disneylandia", como temem algumas vozes do governo local?
O debate é delicado, especialmente porque se cruza com a igualmente complicada discussão sobre o excesso de turismo.
O que aconteceu?
O Airbnb firmou um acordo com o Parque Arqueológico do Coliseu para realizar uma campanha promocional curiosa focada no Anfiteatro Flávio. Aproveitando o lançamento do novo filme de Ridley Scott, a plataforma permitirá que um grupo de 16 pessoas sortudas (cada uma com um acompanhante) tenha a chance de se sentir como verdadeiros gladiadores na arena de Roma.
Literalmente.
Gladiadores no Coliseu?
Isso mesmo, em pleno 2025. No início de maio, os selecionados poderão participar de uma experiência única no próprio Coliseu, onde se sentirão como os lutadores da época de Máximo Décimo ou Lúcio Vero. Serão recebidos pelo anfitrião ao anoitecer, descerão ao hipogeu, vestirão armaduras, percorrerão o Coliseu iluminados por tochas e, claro, terão a chance de "testar sua coragem".
"Saboreie a sinfonia de espadas e escudos enquanto os gladiadores duelam em um combate emocionante. Estude-os bem, porque logo será a sua vez", anuncia o Airbnb. A proposta é, sem dúvida, tentadora: "Liberte o gladiador que existe em você".
Como isso é possível?
Graças a um acordo de patrocínio no valor de 1,5 milhão de euros entre o Airbnb e o Parque Arqueológico do Coliseu. Segundo os idealizadores, o objetivo é justamente promover "um turismo mais consciente".
A Associated Press esclarece que a intenção é renovar um programa educativo no antigo Anfiteatro Flávio, focado na história do local e dos gladiadores, aproveitando o apelo de 'Gladiador II'.
O parque, inclusive, enfatiza que o acordo com o Airbnb é apenas um dos vários projetos apoiados no Coliseu, como o contrato firmado com a Tod’s para a restauração do monumento.
No comunicado divulgado para anunciar a iniciativa, o Airbnb informa que as inscrições para participar da campanha estarão abertas de 27 de novembro a 9 de dezembro. Os novos "gladiadores" serão escolhidos por sorteio. A plataforma organizará duas “experiências” de três horas cada, no Coliseu, entre os dias 7 e 8 de maio do próximo ano.
Cada experiência será destinada a oito participantes, que poderão levar um acompanhante. A revista Variety destaca que o Airbnb contou com a parceria da Paramount Pictures, distribuidora do filme de Ridley Scott, para realizar o projeto.
Promoção ou "mercantilização"?
Essa é a grande questão. A iniciativa não agradou a todos, especialmente em Roma, onde algumas vozes já se levantaram para questionar se essa é realmente uma boa ideia. Uma das críticas mais contundentes veio do conselheiro de cultura da cidade, Massimiliano Smeriglio, que expressou seu descontentamento até mesmo nas redes sociais.
"A notícia nos deixa, no mínimo, perplexos", admitiu. "Entendemos a necessidade da Superintendência de fortalecer o trabalho meritório de conservação e restauração, mas essa iniciativa reafirma, mais uma vez, um princípio de mercantilização e consumo."
Para ele, "o problema" não está na relação entre o setor público e o privado, nem no envolvimento de marcas na proteção e conservação do patrimônio.
Não. Em um comunicado à CNN, Smeriglio destacou que, em sua visão, o ponto principal é outro: "Evitar um uso degradante de nosso patrimônio histórico-artístico, especialmente quando se trata de um monumento único no mundo".
Sítio histórico ou parque temático?
Essa é outra das questões levantadas pelos críticos da iniciativa do Airbnb, incluindo Smeriglio. "Não podemos transformar um dos monumentos mais importantes do mundo em um parque temático", afirmou. Enzo Foschi, político do governante Partido Democrático, foi ainda mais longe, alertando para os riscos à cidade: "Não estamos na Disneyland, estamos em Roma. De vez em quando, parece que alguns esquecem disso."
Outros usaram expressões ainda mais contundentes. Para Alberto Campanilla, coordenador da organização Nonna Roma, a campanha é simplesmente uma "vergonha" e um exemplo claro de "turistificação". Ele também lamenta o impacto de plataformas como o Airbnb, que, focadas em aluguéis turísticos, "literalmente estão expulsando as pessoas não apenas do centro de Roma, mas também das periferias e bairros suburbanos".
"O Coliseu, pelo que representa, é patrimônio da humanidade, e precisamos seguir na direção certa para protegê-lo, garantindo que continue acessível a todos, evitando que se transforme em um espaço de diversão para poucos privilegiados", concluiu Erica Battaglia, presidente da Comissão de Cultura de Roma.
Nem todos estão contra. A campanha também tem defensores além do Airbnb e dos responsáveis pelo Coliseu. Um exemplo é o apoio do partido Irmãos da Itália, liderado por Giorgia Meloni, que já saiu em defesa tanto do acordo quanto de seu propósito.
"Reiteramos nosso total apoio às parcerias entre o setor público e o privado na área da cultura, por meio de alianças ou patrocínios, desde que promovam iniciativas de valor científico e cultural aprovadas pelo ministério", declarou Federico Mollicone, presidente da Comissão de Cultura da Câmara Baixa e membro do partido de Meloni, em entrevista publicada pela CNN.
E o que diz o Airbnb?
Para a plataforma, não há qualquer controvérsia. A iniciativa no Coliseu é apresentada como uma extensão do compromisso da empresa com a preservação do patrimônio. "Essas experiências especiais no Coliseu seguem uma série de ações e compromissos da plataforma para revitalizar o turismo patrimonial na Europa, incluindo doações ao patrimônio em todo o continente no valor de mais de dez milhões de dólares", defende a empresa.
"Como parte do programa, o Airbnb oferece seu apoio à restauração e melhoria do patrimônio do Coliseu, incluindo um projeto para renovar a exposição permanente do local", destaca. O Parque Arqueológico do Coliseu reforça ainda que a performance será realizada fora do horário de visitação, garantindo que não interfira no funcionamento diário do sítio histórico.
O contexto importa? Sim.
Independentemente da controvérsia envolvendo a performance do Airbnb, seja vista como uma forma de promoção e valorização ou como a transformação de um sítio único em um simples parque temático, o fato é que a campanha chega em um momento especialmente delicado para o turismo na Itália.
Cidades como Florença, Veneza e a própria Roma enfrentam um fluxo intenso de turistas, o que já levou algumas autoridades a adotarem medidas para mitigar a superlotação. Até mesmo o governo italiano considera aumentar e expandir suas taxas turísticas como parte de uma solução para o problema.
Imagem| Mark Stuckey (Unsplash)
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