Review por John Tones, do Xataka Espanha
O primeiro Coringa não agradou a todos, apesar de seu enorme sucesso e aclamação durante a temporada de premiações. Para mim, foi uma tentativa confusa e deselegante de copiar alguns filmes de Scorsese, com os quais não era possível compará-lo, e ainda transmitia uma mensagem sombria, ambígua e um pouco morna sobre a masculinidade incel e as doenças mentais. No entanto, todos levantamos a sobrancelha com incredulidade ao saber que a sequência seria um musical. Pelo menos, isso despertou nossa curiosidade.
O que não era um bom sinal era o pé atrás do diretor Todd Phillips em classificar o filme como “musical” e as evasivas de Lady Gaga para fugir da definição ("Não é um musical convencional, é diferente. A música dá aos personagens uma forma de expressar o que não conseguem dizer com diálogos” — ou seja, um musical como qualquer outro). A única explicação que vejo para tantas ressalvas é o medo de que os fãs da abordagem crua da violência no primeiro filme tenham preconceito contra o gênero. Para o bem ou para o mal, de qualquer forma, estamos diante de um musical com todas as letras.
Mas qual é o motivo para se afastar da abordagem mais crua do primeiro Coringa? A definição de Lady Gaga não está errada (ainda que, sim, ela esteja descrevendo um musical): os personagens usam as canções para entrar em uma espécie de estado onírico, onde conseguem se expressar com mais liberdade e comunicar sentimentos que lhes são proibidos no mundo real. Os números musicais, às vezes, são metáforas para a aproximação entre Coringa e Harley; em outras ocasiões, são fugas absolutas da realidade e existem apenas na cabeça de um deles.
A pergunta óbvia é: será que essa ideia funciona? Infelizmente, não muito: as músicas são um acréscimo que não contribui para uma trama que poderia ser perfeitamente contada sem elas (e que, além disso, são versões bem inferiores às originais). É verdade que, por ser um musical, o filme nos brinda com cenas que não poderiam existir em uma ambientação realista. Mas isso é apenas um ingrediente extra.
Noite de Coringa!
A escolha das faixas em Coringa: Delírio A Dois está longe de ser complacente ou de recorrer a temas conhecidos do grande público, como aconteceria em uma tentativa de recriar Moulin Rouge (o que, a princípio, parecia ser a proposta do filme). Há uma música dos Bee Gees, a icônica “Close to You” dos Carpenters, “Ne Me Quitte Pas” de Jacques Brel e “For Once in My Life”, de Stevie Wonder, mas a maioria das canções vem de musicais ou standards da primeira metade do século passado. Em resumo, com essa trilha sonora em mãos, a sensação de que este filme é uma provocação de Phoenix e Phillips aos próprios fãs só aumenta.
Sim: estamos diante de um musical, com canções (em muitos casos, típicas do gênero) que funcionam como em qualquer musical. Mas, exceto pelo fato de estarmos vivendo um discreto renascimento desse tipo de filme, com produções como Wicked ou a vindoura biografia de Michael Jackson, Coringa: Delírio a Dois mantém muitos dos problemas do filme original: uma mensagem questionável sobre doenças mentais e atuações que ultrapassam o limite do exagero. Além disso, o terço final do filme traz escolhas de roteiro absolutamente incompreensíveis.
Há pontos positivos nesta sequência? Sim, e eles vêm justamente do acréscimo musical: ao estabelecer espaços semi-fantásticos para as canções, podemos ver um Coringa mais exagerado e dançante, mais próximo dos quadrinhos, afastando-se, ainda que momentaneamente, da ideia tão problemática de dignificar, dar realismo e drama a personagens que eram perfeitos como caricaturas irreais. Porque não, Joaquin Phoenix e Lady Gaga não são comparáveis em suas interpretações aos Coringa e Harley Quinn clássicos de, por exemplo, Batman: A Série Animada.
A postura mais saudável diante de Coringa: Delírio a Dois é encará-la, justamente, como uma performance coringuística. Nas próximas semanas, veremos muitas defesas apaixonadas, muitos fãs decepcionados e, no momento em que escrevo estas linhas, resultados de bilheteria absolutamente imprevisíveis. Nem o próprio Coringa poderia planejar tamanha confusão.
Imagem | Warner
Este texto foi traduzido/adaptado do site Xataka Espanha.
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