Necessidades remuneradas: tribunal suíço permite que empresa obrigue funcionários a bater ponto quando forem ao banheiro

  • A sentença do tribunal suíço indica que o tempo gasto indo ao banheiro não é considerado tempo de trabalho efetivo e, portanto, não deve ser remunerado

  • O tribunal reconhece que há uma lacuna legal na norma que regula as pausas dos empregados

Banheiro
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Victor Bianchin

Redator

Victor Bianchin é jornalista.

Enquanto o mundo debate se vale a pena ou não reduzir a jornada de trabalho, um tribunal suíço trouxe uma pauta nova para a discussão. Ele emitiu uma sentença inédita sobre o que é considerado tempo de trabalho: os funcionários de uma empresa suíça agora deverão registrar o ponto sempre que precisarem ir ao banheiro. Apesar de reconhecer que se trata de uma necessidade vital, o tribunal não considera que a empresa deva pagar por esse tempo.

A origem da controvérsia

De acordo com a investigação da emissora de televisão suíça RTS, a disputa legal começou em 2021, quando o Escritório de Relações e Condições de Trabalho de Neuchâtel (ORCT) verificava o cumprimento das medidas contra a COVID-19 na empresa Jean Singer & Cie, fabricante de esferas para relógios que emprega cerca de 400 funcionários. Os inspetores descobriram que os trabalhadores registravam o ponto ao ir e ao voltar do banheiro. A empresa não contabilizava as idas ao banheiro como tempo de trabalho efetivo e, portanto, não pagava por esse tempo.

O Escritório de Relações e Condições de Trabalho considerava que isso poderia “incentivar os funcionários a se conterem ou não se hidratarem, o que poderia causar graves distúrbios fisiológicos”. Em fevereiro de 2022, proibiu a Jean Singer & Cie de continuar com essa prática, argumentando que “as interrupções no trabalho para satisfazer necessidades fisiológicas não podem ser consideradas pausas, já que não são destinadas à recuperação”, o que contrariava os princípios da Lei do Trabalho suíça, segundo informou a emissora.

O que diz o tribunal

A empresa recorreu dessa sanção e, em sua sentença, o Tribunal de Direito Público deu razão a ela. Segundo o veredito, divulgado em outubro, a empresa tem o direito de exigir que os funcionários registrem sua saída para ir ao banheiro, pois a legislação atual não regula de forma explícita o que constitui uma "interrupção" da jornada de trabalho.

Com essa decisão, o tribunal revela uma lacuna legal. A lei não proíbe expressamente que as empresas considerem as pausas para ir ao banheiro como tempo de descanso. No entanto, a sentença especifica que a obrigação de registrar o ponto para ir ao banheiro discrimina as mulheres. "Elas enfrentam o ciclo menstrual, que começa com a menstruação. Esse fenômeno fisiológico exige o cumprimento de normas básicas de higiene e, consequentemente, visitas mais frequentes e até mais prolongadas ao banheiro", afirma o Tribunal, que insta a empresa a tomar medidas para "reduzir essa desigualdade".

O que diz a lei de trabalho da Suíça

O artigo 15 da Lei do Trabalho suíça estabelece uma série de períodos de descanso obrigatórios durante a jornada de trabalho que devem ser remunerados, desde que os funcionários permaneçam dentro do local de trabalho.

O trabalho deve ser interrompido com pausas de, no mínimo:

  • 15 minutos para uma jornada diária superior a cinco horas e meia
  • 30 minutos para uma jornada diária de mais de sete horas
  • Uma hora para uma jornada diária de mais de nove horas

A normativa não especifica o motivo das pausas, apenas afirma que os funcionários têm direito a intervalos regulares.

O ponto de vista da empresa

Pascal Moesch, representante legal da empresa, defendeu que "seja para pausas para ir ao banheiro, pausas para comer ou pausas para descansar, a atividade de trabalho é interrompida e, portanto, a remuneração; por isso, é necessário registrar o ponto". Para a empresa, não importa para que os funcionários queiram usar os intervalos, entendendo que devem ir ao banheiro durante esses períodos de descanso.

A sentença estabelece um precedente

A decisão foi recebida com preocupação por parte das instituições suíças, devido ao temor de que crie um precedente e outras empresas adotem a mesma política. Florence Nater, conselheira de estado responsável pelo emprego, expressou sua preocupação à RTS: "Espero que essa decisão não inspire imitadores em outras empresas, que possam se sentir tentadas a adotar tais práticas".

Do ponto de vista da associação patronal da Suíça, o caso é visto como um episódio isolado. Bárbara Zimmermann-Gerster, membro da direção da patronal, afirmou na reportagem da RTS que "não é o caminho que deveríamos seguir. Dada a escassez de trabalhadores qualificados, as empresas devem garantir que são atraentes e respondem às necessidades dos funcionários".

E no Brasil?

No Brasil, a lei possui uma brecha para que possam ser tomadas decisões semelhantes à do tribunal suíço. O artigo 71 da CLT regulamenta o intervalo de descanso (que não é o intervalo para almoço): “Em qualquer trabalho contínuo, cuja duração exceda de 6 (seis) horas, é obrigatória a concessão de um intervalo para repouso ou alimentação, o qual será, no mínimo, de 1 (uma) hora e, salvo acordo escrito ou contrato coletivo em contrário, não poderá exceder de 2 (duas) horas. Os intervalos de descanso não serão computados na duração do trabalho”. Existem outras regras específicas para algumas situações, como pessoas que precisam trabalhar em pé. Já as idas ao banheiro não são regulamentadas.

Texto traduzido e adaptado do Xataka Espanha

Imagem | Unsplash (Olivier Collet)

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