A ciência desmascara o mantra matinal dos gurus da produtividade: tomar banho frio é tão inútil quanto acordar cedo

Os banhos com água gelada se popularizaram como forma de tratar estresse, inflamação muscular e para reforçar o sistema imunológico - a ciência não encontrou nenhum desses benefícios

Pesquisadores da Universidade do Sul da Austrália não encontraram evidências de que tomar banho gelado é bom pra saúde / Imagem: Pexels (Olavi Anttila)
Sem comentários Facebook Twitter Flipboard E-mail
victor-bianchin

Victor Bianchin

Redator

Victor Bianchin é jornalista.

Nos últimos anos, alguns dos gurus do bem-estar e da produtividade parecem ter se proposto a torturar seus seguidores com os tormentos mais desumanos. Primeiro, foi a moda de se levantar às cinco da manhã. Agora, a nova moda é se banhar com água gelada todas as manhãs, com a desculpa de aliviar o estresse, reduzir a inflamação e fortalecer as defesas.

A ciência já desmentiu os supostos benefícios de levantar-se às cinco, e agora é a vez dos banhos em água gelada. Pesquisadores da Universidade do Sul da Austrália não encontraram evidências dos milagres que os gurus atribuem a essa prática.

Os influenciadores do frio

Nos últimos anos, os banhos polares, também conhecidos como imersões em água fria, ganharam enorme popularidade. Atletas de elite e jogadores profissionais como LeBron James mergulham em banheiras de água gelada após as competições. Até Gwyneth Paltrow dedicou um dos episódios de sua série, The Goop Lab,para mostrar os supostos benefícios terapêuticos de imergir em águas geladas.

Essa tendência se popularizou, chegando a todo tipo de pessoa que busca bem-estar geral ou simplesmente reduzir os níveis de estresse. As redes sociais e os influenciadores atribuíram a esses banhos múltiplos benefícios para a saúde física e mental. No entanto, a ciência quis verificar se as imersões em água gelada eram tão benéficas quanto as redes sociais faziam acreditar.

Tomar banho é bom, a temperatura é opcional

Os pesquisadores da Universidade do Sul da Austrália decidiram avaliar cientificamente os supostos benefícios da imersão em água gelada. Para isso, realizaram uma meta-análise de 11 estudos globais, cujos resultados foram publicados na PLOS One.

Para a análise, foram utilizados dados de imersões e duchas frias com temperaturas entre 7 e 15 ºC, durante um período de tempo que variava entre 30 segundos e duas horas. Embora alguns benefícios atribuídos a essa prática tenham sido identificados nos resultados, os pesquisadores descobriram que os estudos existentes se concentram principalmente em atletas, e não na população geral.

Esqueça a cura para o estresse

Os pesquisadores afirmaram em seu relatório que os efeitos das imersões em água gelada contra o estresse não foram os anunciados: "descobrimos que a imersão em água fria podia reduzir os níveis de estresse, mas apenas por cerca de 12 horas após a exposição". Ou seja, não foram encontradas evidências de que as imersões em água gelada tenham um efeito imediato sobre os níveis de estresse, nem um efeito significativo a longo prazo.

"Percebemos que os participantes que tomaram duchas frias de 20, 60 ou 90 segundos atribuíram pontuações ligeiramente mais altas à qualidade de vida. Mas, novamente, após três meses, esses efeitos haviam desaparecido", explicaram os pesquisadores em seu relatório.

O que não te tira o sono, te torna mais forte

Os resultados também não foram conclusivos quanto à melhoria da qualidade do sono. O estudo encontrou vínculos entre as melhorias na qualidade do sono e as imersões em água fria, embora essa conclusão tenha se baseado em dados limitados exclusivamente a homens, o que demanda mais pesquisa em diversos grupos populacionais.

Os pesquisadores não se arriscaram a afirmar que as imersões em água fria poderiam ter um efeito positivo sobre o sistema imunológico porque, embora tenha sido observada uma redução de 29% nas ausências ao trabalho relacionadas a doenças entre aqueles que tomavam duchas frias, não foram registradas melhorias significativas na resposta imunológica imediata à exposição ao frio.

Esses dados indicam que, embora existam possíveis vantagens na exposição à água gelada, os efeitos dessa exposição não são consistentes nem duradouros, o que coloca em dúvida a eficácia generalizada que os gurus atribuem a ela.

O "efeito dor muscular" do frio

Entre os achados mais surpreendentes feitos pelos pesquisadores australianos está a resposta inflamatória às imersões em água gelada. Ao contrário da crença popular, em vez de reduzir a inflamação, os banhos em água gelada causaram "aumentos significativos na inflamação", tanto imediatamente quanto uma hora depois.

De acordo com os pesquisadores, isso reflete uma "resposta inflamatória aguda" do corpo diante do estresse provocado pelo frio. Nas palavras do coautor do estudo, Ben Singh, "esse pico imediato na inflamação é parte de um processo de adaptação semelhante ao dano muscular causado pelo exercício, que subsequentemente fortalece os músculos". Ou seja, assim como as dores musculares, esse efeito adaptativo pode ser positivo para atletas de alto desempenho físico, mas Singh destacou que pode ser prejudicial para pessoas com alguma patologia preexistente.

Colocado de outra forma, a menos que você tenha acabado de participar de uma competição olímpica, tomar uma ducha com água fria só melhorará sua produtividade no sentido de que você vai demorar menos para tomar banho e poderá dedicar esse tempo a outras tarefas.

Imagem | Pexels (Olavi Anttila)

Este texto foi traduzido/adaptado do site Xataka Espanha.

Inicio