Nas florestas da ilha de Guam, um dos 14 territórios não incorporados dos EUA, ocorre uma situação paradoxal: há até 40 vezes mais aranhas do que nas áreas florestais das ilhas vizinhas do Pacífico. Mas sua proliferação não é fruto do habitat original do local. Não, o crescimento descontrolado de várias espécies de aranhas se deve à chegada, na década de 1940, de uma criatura inesperada.
Na verdade, como veremos, a ilha está presa em um ciclo de transformação ecológica. Sua paisagem tornou-se um espetáculo inquietante, onde a vida selvagem nativa foi quase completamente substituída por invasores vorazes: as cobras-arbóreas-marrons e a desenfreada população de aranhas. Esses intrusos transformaram drasticamente a fisionomia de Guam, criando um ambiente incomum e alterando sua biodiversidade de maneira irreversível.
Haldre Rogers, professor associado do Departamento de Conservação de Pesca e Vida Selvagem da Virginia Tech, que estuda a ecologia da região há 22 anos, relatou à BBC uma cena que presenciou na ilha durante uma reunião há cinco anos. Um porco estava sendo assado do lado de fora quando um convidado inesperado apareceu. Uma forma marrom, enrolada ao redor do porco, brilhante e escamosa, com olhos verticais e uma boca larga. A criatura arrancava pedaços de carne do porco e os engolia inteiros.
A “visitante” surpresa era uma cobra-arbórea-marrom, uma espécie invasora que acredita-se ter sido introduzida em Guam inadvertidamente na década de 1940, possivelmente ao se esconder em um navio de carga. Desde então, as cobras protagonizaram um processo sem precedentes de aniquilação da fauna local. Em apenas algumas décadas, esses predadores eliminaram quase todas as espécies de aves nativas, que não possuíam mecanismos de defesa contra esses répteis insaciáveis.
Sem as aves, os bosques de Guam perderam não apenas seus cantos, mas também uma função ecológica crucial: a dispersão de sementes, que antes assegurava a regeneração de suas árvores frondosas.
Teias de aranha
Além disso, a ausência de aves deu lugar a outro fenômeno singular: uma explosão de aranhas que transformou a floresta em um cenário dominado por teias que se estendem em todas as direções. As aranhas, aparentemente, aproveitaram a falta de predadores, multiplicando-se ao ponto de cobrir a vegetação com extensas e densas teias que pendem como um véu sobre o bosque.
Em cada clareira e em cada canto do pequeno arquipélago, as aranhas, especialmente da espécie Argyrodes, teceram complexas estruturas comunais, um testemunho visível da alteração ecológica que avança silenciosamente em Guam.
Uma estrutura florestal em perigo
A eliminação das aves, sem dúvida, causou uma mudança drástica na dinâmica das florestas da ilha. Sem pássaros para espalhar as sementes, muitos tipos de árvores não conseguem se reproduzir e a regeneração natural está começando a desacelerar, colocando o ecossistema em sério risco.
O solo, coberto de folhas secas e frutos que caem sem serem consumidos, reflete a ausência de novos brotos que poderiam ocupar os espaços deixados pelas árvores que caem. Nesse silêncio sinistro da floresta, a estrutura ecológica está se transformando em um retrato do impacto devastador que essa invasão insólita de serpentes provocou.
Sem solução
Apesar dos esforços dos pesquisadores para controlar a população de cobras, desde o uso de iscas envenenadas até o desenvolvimento de métodos de escalada “à prova de serpentes”, os resultados têm sido limitados: há mais de dois milhões dessas cobras na ilha.
A cobra-arbórea-marrom demonstrou ser uma adversária formidável. Sua capacidade de adaptação e resistência aos métodos de erradicação frustraram até mesmo os projetos mais bem financiados. Há algumas exceções, como a base aérea de Andersen, que conseguiu limitar sua presença, mas a maior parte da ilha permanece sob o domínio dessa espécie invasora, que chegou como clandestina e devastou quase todas as outras espécies.
Futuro incerto
Com uma floresta que perde sua diversidade e uma cadeia trófica desequilibrada, o futuro de Guam parece caminhar para uma transformação irreparável, tornando-se objeto de estudo e debate. O que antes era uma ilha com um ecossistema vibrante e equilibrado transformou-se em um laboratório natural onde as interações entre espécies se desintegraram, dando lugar a novas dinâmicas controladas por invasores.
Em resumo, o destino de Guam levanta muitas e sérias questões sobre a fragilidade dos ecossistemas insulares e o impacto duradouro das espécies invasoras nesses ambientes únicos. Contra sua vontade, Guam tornou-se um testemunho sombrio do poder das forças invasoras de redesenhar os limites da natureza, deixando um ecossistema irreconhecível, marcado pelo silêncio e por uma densa trama de teias de aranha.
Imagens | Animalia, Jonathan Miske
Este texto foi traduzido/adaptado do site Xataka Espanha.
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