No fundo de rios e represas brasileiras, ainda existem ruas, igrejas, casas e até navios inteiros. Silenciosos, esses cenários não foram destruídos — apenas submersos. Eles pertencem a cidades que, ao longo do século XX, foram inundadas por grandes projetos hidrelétricos.
Lugares que antes abrigavam comunidades inteiras agora vivem quietos sob a superfície, resguardando histórias de resistência, perda e transformação.
Enquanto o Brasil avançava na geração de energia e infraestrutura, centenas de famílias foram removidas de suas terras e cidades inteiras desapareceram dos mapas. Mas não da memória. E nem do olhar curioso de mergulhadores que, décadas depois, encontraram nesses vestígios submersos um novo tipo de turismo: o que conecta aventura com história.
A seguir, conheça os principais destinos submersos do país — e entenda por que o turismo que mergulha no passado precisa também olhar para o futuro com consciência.
Como cidades inteiras foram parar debaixo d’água
O Brasil viveu, entre os anos 1960 e 1980, um período de expansão energética marcado pela construção de grandes hidrelétricas. Obras como Ilha Solteira, Jupiá, Tucuruí e Itaipu transformaram rios, alagaram extensas áreas rurais e forçaram o reassentamento de comunidades inteiras.
Segundo dados do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), estima-se que cerca de 1 milhão de pessoas foram deslocadas por projetos hidrelétricos no país.
Ao serem inundadas, algumas cidades desapareceram por completo. Outras deixaram rastros visíveis, estruturas que resistem à ação do tempo e da água. Esses cenários submersos se tornaram, nos últimos anos, pontos de interesse para mergulhadores, pesquisadores e amantes do turismo histórico.
Mas esse tipo de turismo é sensível: é preciso entender que, para cada casa submersa, há uma história humana por trás — e isso exige respeito.
Os destinos submersos que você pode visitar
Rubinéia (SP): a cidade-fantasma no fundo do Rio Paraná

Antiga cidade do interior paulista, Rubinéia foi inundada em 1973 para dar lugar ao lago da Usina de Ilha Solteira. De lá pra cá, os escombros da cidade se mantiveram surpreendentemente preservados. Mergulhadores encontram paredes, muros, objetos e estruturas inteiras no fundo da água. A visibilidade é considerada boa, o que faz do local uma joia para o mergulho exploratório.
Além da exploração subaquática, a cidade nova de Rubinéia (reconstruída às margens do reservatório) passou a valorizar esse patrimônio escondido como forma de impulsionar o turismo consciente.
Itapura (SP): ruínas e o navio Tamandaré, afundado em 1883
Itapura viveu duas tragédias: a submersão parcial em 1968 e a perda do navio Tamandaré, da Marinha brasileira, afundado décadas antes. O navio, que servia ao Exército Imperial, repousa a cerca de 20 metros de profundidade no encontro dos rios Paraná e Tietê. É um dos pontos mais procurados por mergulhadores técnicos, não apenas pela dificuldade, mas pelo valor histórico.

As ruínas da cidade também podem ser acessadas com guia local. Igrejas e outras estruturas ainda resistem às águas, e são um lembrete permanente das vidas interrompidas por ali.
Petrolândia (PE): a Atlântida Brasileira no Sertão Nordestino
Com pouco mais de 36 mil habitantes, Petrolândia, a mais de 400 km do Recife, carrega um título poético: a Atlântida Brasileira. O município foi parcialmente inundado em 1988 com a criação da Usina Hidrelétrica Luiz Gonzaga, às margens do Rio São Francisco. Toda a antiga cidade — ruas, comércios, escolas e vilas inteiras — foi encoberta pelas águas do novo lago artificial, forçando a migração de seus moradores para uma área próxima da BR-316, onde nasceu a “nova Petrolândia”.
Entre os símbolos desse passado está a igreja submersa do Sagrado Coração de Jesus, que em períodos de estiagem revela parte de sua estrutura imponente. O local atrai turistas em busca de história e beleza cênica.
É possível fazer passeios de catamarã, lanchas ou até mergulhos guiados que levam até as ruínas de antigas vilas, como Barreiras — uma das mais impactadas pela inundação.
Outros atrativos incluem a Ilha de Rarrá e a Praia do Sobrado, que reforçam o apelo turístico da região, conectando lazer à memória. Os moradores e operadores locais têm apostado no turismo como forma de valorização e preservação do que foi perdido, mas jamais esquecido.

Rifaina (SP): turismo subaquático e educação ambiental
Diferente das demais, Rifaina tem se estruturado para transformar sua história submersa em um polo de ecoturismo e educação ambiental. A cidade foi parcialmente inundada em 1971 pela Represa de Jaguara. Desde então, olarias, casas e pontes foram engolidas pelas águas, mas continuam visíveis.
Com o apoio da prefeitura, projetos locais começaram a oferecer passeios com foco na valorização da memória das famílias atingidas, debates sobre energia limpa e a importância de cuidar dos corpos d'água. A cidade se tornou referência em turismo responsável.

Turismo de mergulho no Brasil: crescimento e desafios
De acordo com a Associação Brasileira de Mergulho Recreativo (ABMR), o país registra um crescimento médio anual de 12% no número de praticantes desde 2018. E embora os destinos costeiros ainda sejam maioria, os pontos de água doce e interiores vêm ganhando cada vez mais visibilidade — especialmente entre mergulhadores experientes em busca de desafios únicos.
Ainda assim, esse tipo de turismo carece de regulamentação mais clara. A maioria das áreas submersas não possui proteção legal específica, o que pode colocar em risco tanto os mergulhadores quanto os patrimônios históricos que ainda resistem sob as águas.
Um ponto histórico
“Esses locais não são só pontos turísticos, são espaços de memória coletiva”, explica Fernanda Teles, pesquisadora em patrimônio submerso da Unesp. “Explorar ruínas sem preparo técnico ou sem guia pode não só ser perigoso, como causar danos irreversíveis ao que ainda resta.”
Mergulhar em cidades submersas exige conhecimento de técnicas específicas, uso de equipamentos adequados, acompanhamento profissional e, sobretudo, empatia.
Alguns municípios já avançam com projetos de sinalização subaquática, criação de roteiros históricos guiados e até centros de interpretação — espaços onde visitantes aprendem mais sobre o passado das cidades antes de colocar o pé (ou o tanque) na água.
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