A resposta da França aos tambores de guerra é chamada ASN4G: um míssil nuclear e um manual de sobrevivência para a nação

Em um cenário em que a segurança europeia se torna cada vez mais incerta, a França aposta em consolidar seu papel como pilar da dissuasão nuclear ocidental

França anunciou a criação de uma quarta base aérea nuclear em Luxeuil, no leste do país / Imagem: Aleem Yousaf
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Victor Bianchin

Redator

Victor Bianchin é jornalista.

A Alemanha foi a primeira nação da Europa a começar seu rearmamento. O fato de várias fábricas de carros, durante décadas o motor da economia alemã, estarem se transformando em fábricas de armamento militar deixou poucas dúvidas a esse respeito. Agora, chegou a vez da França, que não parece disposta a fazer as coisas pela metade.

A França anunciou a criação de uma quarta base aérea nuclear em Luxeuil, no leste do país, como parte de um ambicioso plano para fortalecer sua capacidade de dissuasão independente dos Estados Unidos no âmbito da OTAN. Essa base, que em determinado momento esteve sob risco de fechamento, abrigará dois esquadrões de caças Rafale F5 equipados com mísseis hipersônicos ASN4G, um investimento de 1,5 bilhão de euros que marca uma expansão significativa de seu arsenal nuclear.

A decisão responde a um contexto geopolítico tenso, no qual a guerra na Ucrânia e a incerteza sobre o compromisso dos Estados Unidos com a defesa europeia levaram Paris a assumir um papel mais proeminente na segurança do continente.

Uma estratégia autônoma dentro da OTAN

Atualmente, a Força Aérea e Espacial Francesa opera três bases nucleares em Saint-Dizier, Istres e Avord, que abrigam aproximadamente 50 caças Rafale B armados com mísseis nucleares ASMP-A e apoiados por Airbus A330 MRTT Phénix. A incorporação de 40 Rafale F5 adicionais em Luxeuil implica um aumento substancial na capacidade nuclear da França, o que pode se traduzir em um crescimento no número total de ogivas operacionais.

Além de serem compatíveis com os novos mísseis ASN4G, os Rafale F5 serão equipados para operar em conjunto com drones de combate, uma inovação que reforça a estratégia francesa de combate colaborativo e maior furtividade. Esses caças, projetados para permanecer em serviço até 2060, consolidarão a capacidade nuclear aérea francesa, mantendo-a na vanguarda tecnológica diante das ameaças emergentes.

Pressão sobre a Alemanha

O anúncio da expansão nuclear coincidiu com a visita de Macron à Alemanha, onde se reuniu com líderes europeus, enquanto, em paralelo, Trump e Putin realizavam conversas bilaterais. Um contexto que sugere que a França busca não apenas fortalecer sua própria dissuasão nuclear, mas também pressionar a Alemanha e outros membros da OTAN a aumentarem seus investimentos em defesa.

Berlim, como mencionamos no início, está em processo de eliminar restrições constitucionais ao gasto militar, o que abre caminho para uma cooperação mais estreita em matéria de dissuasão nuclear. Nesse sentido, a França tem explorado a possibilidade de implantar armas nucleares na Alemanha, uma medida que pode se concretizar caso os Estados Unidos reduzam seu compromisso com a segurança europeia. No entanto, estabelecer uma base nuclear em território alemão apresentaria desafios políticos e estratégicos, tornando a expansão dentro da própria França uma alternativa mais viável no momento.

Os mísseis ASN4G. Um dos elementos-chave, senão o principal, dessa expansão é o desenvolvimento do míssil hipersônico ASN4G (Air-Sol Nucléaire de 4e Génération), que ultrapassará Mach 5 e terá um alcance superior a 1.000 quilômetros, o dobro do alcance do atual ASMP-A. Em comparação, o ASMP-A atinge Mach 3 com um alcance máximo de 500 quilômetros e está equipado com uma carga termonuclear de 300 quilotons.

Mais uma vez, esse avanço tecnológico posiciona a França na vanguarda da dissuasão nuclear aérea na Europa, conferindo-lhe uma capacidade de ataque mais rápida, de maior alcance e difícil de interceptar. Além disso, a incorporação de tanques de combustível conformados e sistemas de redução de assinaturas de radar no Rafale F5 aumentará sua furtividade e capacidade de penetração em ambientes hostis.

E um manual de sobrevivência

Paralelamente a esse "reforço" na dissuasão nuclear, o governo francês está preparando o envio de um “manual de sobrevivência” a todos os lares do país, com instruções sobre como agir diante de ameaças iminentes, como conflitos armados, mas também em crises sanitárias ou desastres naturais.

Essa iniciativa, ainda pendente de aprovação pelo primeiro-ministro François Bayrou, busca fortalecer a resiliência da população e garantir que os cidadãos saibam como reagir em caso de emergência. Espera-se que o documento, com 20 páginas, seja distribuído antes do verão e sirva como um guia de preparação para cenários de crise cada vez mais plausíveis no contexto atual.

O manual será dividido em três seções principais, fornecendo aos cidadãos informações detalhadas sobre medidas de autoproteção e proteção comunitária, incluindo a importância de ter um plano de emergência familiar. Também abordará as ações a serem tomadas diante de uma ameaça iminente, como manter portas e janelas fechadas em caso de ataque nuclear, além de listar números de emergência e frequências de rádio essenciais.

Por fim, o conteúdo incluirá opções para contribuir com a defesa civil, incentivando a inscrição em unidades de reserva, brigadas de bombeiros voluntários e outros grupos de resposta a crises. Além disso, o documento recomendará que os cidadãos preparem um “kit de sobrevivência”, que deverá conter seis litros de água, pelo menos uma dúzia de latas de comida, baterias, lanterna e suprimentos médicos básicos (como paracetamol, gazes e solução salina).

Um futuro incerto

Tanto o manual quanto o rearmamento são símbolos da nova postura da França diante dos desafios globais. Com uma Europa cada vez mais vulnerável a conflitos, crises energéticas e desastres naturais, Macron parece apostar em uma sociedade mais preparada e resiliente, ao mesmo tempo em que reforça a capacidade militar do país.

Além disso, com a decisão de fortalecer sua capacidade nuclear por meio da base de Luxeuil, a nação envia uma mensagem clara: está disposta a assumir uma liderança estratégica na defesa europeia, adaptando-se a um cenário global cada vez mais instável.

Imagem | Aleem Yousaf

Este texto foi traduzido/adaptado do site Xataka Espanha.

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