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Achávamos que éramos 8 bilhões de pessoas no mundo inteiro; até que alguns pesquisadores resolveram fazer as contas

  • Os relatórios demográficos mais recentes estimam que somos cerca de 8,2 bilhões de pessoas no mundo e que atingiremos o pico populacional em 2080.

  • Mas um novo estudo analisou esses dados e calcula que deixamos de contar entre 1 e 3 bilhões de pessoas ao longo do caminho.

Somos mais de 8 bilhões de pessoas no mundo e o pico será em 2080. Imagem: Owen Cannon
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Sofia Bedeschi

Redatora

Jornalista com mais de 5 anos de experiência no ramo digital. Entusiasta pela cultura pop, games e claro: tecnologia, principalmente com novas experiências incluídas na rotina. 

Em novembro de 2022, a ONU comemorou a marca de 8 bilhões de seres humanos na Terra. São estimativas, claro, mas mais do que o número em si, o dado realmente interessante é que, em 2023, já não alcançamos mais a taxa de reposição populacional — e que a humanidade deve atingir seu pico até o fim do século, para então, inevitavelmente, começar a diminuir. Mas... até que ponto dá pra confiar nessas contas?

Essa dúvida já está em pauta há um tempo, e agora um novo estudo chegou para apimentar ainda mais o debate, afirmando que a gente errou na contagem.

Tanto que teríamos deixado de fora centenas de milhões de pessoas.

Dá pra confiar nesses números?

“Calcular quantas pessoas existem no planeta é uma ciência imprecisa.” Foi o que disse o demógrafo Jakub Bijak à BBC, no meio do ano passado, quando saiu o relatório Perspectivas da População Mundial. Ciência costuma ser sinônimo de exatidão, mas o próprio pesquisador comentou que a única certeza ao prever dados populacionais é a incerteza.

Isso, no entanto, não quer dizer que os demógrafos tirem os números do nada. “É um trabalho difícil, baseado na nossa experiência, no conhecimento e em cada pedacinho de informação que conseguimos acessar”, explicou Toshiko Kanera, especialista em projeções demográficas.

Desde 1950, os demógrafos se baseiam em dados e tendências de cada país. Mas... e se essa contagem não tiver sido feita direito?

Estamos com milhões a menos. Um novo estudo publicado na revista Nature, feito por pesquisadores da Universidade de Aalto, na Finlândia, mostra que os conjuntos de dados usados por demógrafos subestimam de forma “profunda e sistemática” os números da população mundial. O mais sério é que isso significaria centenas de milhões a mais de pessoas vivendo na Terra do que imaginávamos.

Exemplo das ferramentas que os demógrafos usam em suas análises. Cada um corresponde a um viés diferente Exemplo das ferramentas que os demógrafos usam em suas análises. Cada um corresponde a um viés diferente

As áreas rurais

Josias Láng-Ritter, um dos pesquisadores responsáveis pelo estudo, aponta que o problema está, principalmente, nas estimativas relacionadas à população rural. “Pela primeira vez, nosso estudo traz evidências de que uma parte significativa da população rural pode estar ausente nos bancos de dados globais de população”, afirma.

E não estamos falando de alguns milhões — mas de bilhões. “Dependendo do banco de dados analisado, as populações rurais foram subestimadas entre 53% e 84% no período estudado. Os resultados são impressionantes, já que esses dados foram usados em milhares de estudos e influenciaram amplamente decisões políticas e econômicas, mas sua precisão nunca havia sido avaliada de forma sistemática”, explica o pesquisador.

O mapa mostra a localização das 307 áreas rurais analisadas no estudo. As populações relatadas no gráfico foram subestimadas em 53% a 84% | Universidade Aalto O mapa mostra a localização das 307 áreas rurais analisadas no estudo. As populações relatadas no gráfico foram subestimadas em 53% a 84% | Universidade Aalto

Vieses

As tentativas de revisar esses dados não são novas, mas estudos anteriores costumavam focar em países específicos ou em áreas urbanas. Já os pesquisadores da Universidade de Aalto buscaram oferecer uma visão mais ampla, comparando os cinco principais bancos de dados populacionais usados no mundo.

Eles trabalharam com mapas que dividem o planeta em grades de alta resolução e usaram como base algo bem específico: os dados de reassentamento de mais de 300 projetos de construção de represas em áreas rurais, em 35 países.

Por que usar represas como referência?

Porque, ao construir uma represa, a população que vive na área que será alagada precisa ser realocada — e normalmente existem registros precisos desse processo. Ao comparar esses dados populacionais de 1975 a 2010, os pesquisadores notaram que os mapas de 2010 eram mais precisos, mas ainda assim deixavam de fora entre 32% e 77% da população rural.

Entre 2015 e 2020, os bancos de dados passaram por atualizações, mas os demógrafos ainda apontam que a subestimação da população rural continua sendo um problema presente em todas as regiões do mundo.

Consequências

E estamos falando de um problema difícil de resolver. Segundo os pesquisadores, mesmo com a revisão constante dos dados, a questão é estrutural. Muitos governos não têm recursos para levantar dados confiáveis nessas regiões mais afastadas.

Há uma grande diferença entre a população real e aquela que aparece nos mapas utilizados para estudos demográficos — e isso afeta diretamente a forma como decisões são tomadas.

Original Porcentagem média da população rural estimada como subestimada (vermelho e laranja) e superestimada (azul) | Universidade Aalto

E isso importa — e muito

As estimativas atuais indicam que 43% dos 8,2 bilhões de habitantes do planeta vivem em áreas rurais — cerca de 3,526 bilhões de pessoas. E se levarmos em conta que esse número pode ter sido subestimado entre 53% e 84%, estamos falando de um contingente populacional enorme.

Saber com exatidão quantos somos é essencial por um motivo simples: a redistribuição de recursos.

Sem dados, sem políticas eficazes

A falta de registros demográficos precisos pode comprometer a tomada de decisões políticas. Ritter dá o exemplo das políticas sociais: “Em muitos países, pode ser que não existam dados suficientes em nível nacional. Por isso, eles dependem dos mapas populacionais globais para tomar decisões: precisamos de uma estrada asfaltada ou de um hospital? Quantos medicamentos são necessários numa região específica? Quantas pessoas podem ser afetadas por desastres naturais, como terremotos ou enchentes?”, explica.

Fazendo as contas de forma rápida: no melhor cenário — com uma subestimação de 53% da população rural — estaríamos falando de cerca de 1,869 bilhão de pessoas que não foram contabilizadas.

No pior caso, com 84% de subnotificação, seriam 2,962 bilhões de pessoas fora dos registros. O estudo publicado na Nature cita, por exemplo, o caso do Paraguai, que pode ter deixado de fora um quarto da sua população no censo de 2012.

Revisando os métodos

Na análise feita pela equipe, alguns países se saem melhor do que outros. A Finlândia, por exemplo, é citada como um caso de dados confiáveis — mesmo nas regiões rurais — graças ao fato de ter começado a registrar digitalmente sua população há mais de 30 anos.

Por outro lado, em países onde esse tipo de registro digital demorou mais para ser implementado — muitas vezes por conta de crises econômicas, políticas ou sociais —, a diferença entre a população real e as estimativas pode ser bastante significativa.

“Para garantir que as comunidades rurais tenham acesso justo a serviços e outros recursos, precisamos abrir uma discussão crítica sobre o uso passado e futuro desses mapas populacionais”, destaca o pesquisador — reforçando a importância de todos os países formularem políticas sociais mais precisas, baseadas em dados reais, e não apenas em estimativas.

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