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Baixei todos os meus dados da Amazon e aprendi uma lição: é muito fácil fazer compras online

A praticidade da loja virtual eliminou os rituais de antigamente, e também o peso da decisão da compra

A praticidade das compras online é uma faca de dois gumes / Imagem: Xataka com Midjourney
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Victor Bianchin

Redator

Victor Bianchin é jornalista.

Algumas semanas atrás, fiz algo na Amazon que, de tempos em tempos, todos deveríamos fazer com os serviços que usamos online, nem que seja apenas para ter a ilusão de um certo controle: baixei uma cópia de todos os dados que a plataforma tinha sobre mim.

Entre subpastas e tabelas CSV, cheguei ao ponto crucial: meu histórico de pedidos. Lá estava, em uma lista enorme, todos os produtos que comprei na Amazon, desde o primeiro, em maio de 2013, até o mais recente, feito no dia anterior à consulta.

Muitos reais

Já tinha uma certa intuição ao ver essa tabela, mas um artigo muito oportuno de Amanda Mull no The Atlantic sobre esse tipo de revisão acabou me mostrando exatamente para onde aquilo me levaria. Em uma lista assim, há dois elementos essenciais. Um estava incluído, claro: o número de pedidos. O outro não aparecia diretamente, mas era tão fácil calcular que nem a vergonha poderia impedir: o valor total que você gastou, obtido ao somar as cifras na coluna de preços.

Isso também não foi um grande problema, embora tenha sido impactante ver o total. No fim das contas, a Amazon substituiu, de certa forma, outros tipos de compras, e normalmente não paramos para calcular quanto gastamos em dez anos no Carrefour ou no Pão de Açúcar. O valor era impressionante, mas não assustador.

O verdadeiro problema apareceu quando vi certos nomes na lista de produtos comprados. “Eu comprei essa mochila?”, “O que eu tinha na cabeça para pagar 300 reais por uma bolsa transversal?”, “Nem lembrava de ter tido um aparador de barba da Braun, então não deve ter durado muito” — esses foram alguns dos pensamentos que me vieram à mente.

Para piorar, consegui até identificar em que ano (e em que situação financeira e estado emocional) meus pedidos se tornaram, quase inteiramente, um desfile de filhotes indo direto para o abrigo. Em outras palavras, em quais épocas eu comprava de forma mais impulsiva, menos pensada e, portanto, com menor aproveitamento desses produtos.

Em grande parte, isso é mérito da Amazon. Se ela dominou o comércio online, foi porque soube trabalhar seu produto em várias frentes: atendimento ao cliente, interface, prazos de entrega, gestão de estoque, etc. Mas também porque ofereceu uma disponibilidade e um imediatismo que podem ser uma faca de dois gumes para o comprador. Reduziram fricções de forma admirável e eficaz.

Esse imediatismo transformou nossa experiência em outros setores. A música, por exemplo. Há vinte anos, o lançamento de um novo álbum do nosso artista favorito era um ritual. Saíamos da escola ou do trabalho, íamos até a loja de CDs, esperávamos na fila, víamos com emoção as primeiras cópias nas prateleiras e voltávamos para casa segurando-o, mas sem poder ouvi-lo de imediato, apenas folheando o encarte e prolongando a expectativa antes de apertar o play.

O mesmo valia para os filmes. Íamos à locadora, olhávamos as capas, virávamos aquelas que mais nos chamavam a atenção, ouvíamos a recomendação de quem estava no balcão e voltávamos para casa animados, comentando com a companhia da noite as expectativas sobre aquele filme. Outro ritual.

Adeus, rituais

A era do streaming e do smartphone eliminou muitos desses rituais, incluindo o da compra. Em certo sentido, até o dessacralizou. Nada para experimentar, nenhum material duvidoso para nos decepcionar, apenas entrar, comparar entre diferentes JPGs e preços e clicar em “Comprar”. Amanhã chega. Antes do segundo café, o entregador já terá tocado a campainha.

Tão instantâneo que facilita compras demais, que hoje me parecem absurdas. Se eu tivesse que gastar 25 minutos no metrô (e outros 25 na volta) e enfrentar o frio até chegar à porta da loja de departamentos da vez, talvez não tivesse comprado aquela bandoleira que usei só duas vezes. Ou teria adiado indefinidamente a substituição do barbeador. E assim poderia continuar com produtos que hoje parecem banais.

Isso, claro, não é uma reclamação. Não há do que se queixar quando uma empresa torna tão fácil e imediato comprar quase qualquer coisa e recebê-la de forma ridiculamente rápida. Apenas que isso também tem suas consequências, como quando pedimos os arquivos CSV com nosso histórico de compras e começamos a fazer as contas de todas as aquisições totalmente supérfluas.

Mas eu não aposto nem um centavo que, daqui a dez anos, não terei mais um monte de inutilidades na lista.

Imagem | Xataka com Midjourney

Este texto foi traduzido/adaptado do site Xataka Espanha.

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