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Durante meses, os norte-coreanos foram “fantasmas” na Ucrânia; agora que são uma realidade, o dilema é o que fazer com eles

A captura dos dois soldados não só levanta um dilema humanitário, como também oferece uma oportunidade para que cada lado mostre suas cartas

O que acontecerá com os prisioneiros norte-coreanos na Ucrânia? Imagem: Conta de Zelensky no X
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Victor Bianchin

Redator

Victor Bianchin é jornalista.

Com o passar dos dias desde que se soube da captura dos dois soldados norte-coreanos pelas tropas ucranianas, cada uma das partes tem começado a delinear qual será sua próxima estratégia. Enquanto a Rússia e a Coreia do Norte mantêm um silêncio que diz mais do que parece, Kiev não hesitou em divulgar as opções que se apresentam aos homens de Pyongyang. Os vizinhos do sul lembraram uma quarta opção.

O contexto de uma captura inédita

Em uma reviravolta inesperada dentro do conflito entre a Ucrânia e a Rússia, dois soldados norte-coreanos foram capturados pelas forças ucranianas em janeiro, desencadeando um debate sobre o seu destino. Ambos fazem parte de um contingente estimado de 11.000 efetivos norte-coreanos que foram enviados para apoiar a Rússia como parte de um acordo de defesa mútua entre Vladímir Putin e Kim Jong-un.

Apesar desses números, tanto Moscou quanto Pyongyang evitaram reconhecer oficialmente a participação das tropas norte-coreanas na guerra. Enquanto isso, o presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, propôs trocar os prisioneiros por soldados ucranianos detidos na Rússia. No entanto, também deixou outras opções em aberto.

Dois destinos diferentes

Inicialmente, foi divulgado que os dois soldados disseram nos interrogatórios que desejavam ficar na Ucrânia em vez de retornar à Coreia do Norte. Com o passar do tempo, essa versão mudou. Enquanto um deles mantém o desejo de ficar na Ucrânia, o outro afirmou querer voltar à Coreia do Norte. Os soldados pertencem ao que é conhecido como Burô Geral de Reconhecimento, uma unidade de inteligência militar norte-coreana. De acordo com os relatórios de inteligência sul-coreana, suas tropas sofreram grandes perdas na Ucrânia, com estimativas de 300 mortos e 2.700 feridos.

O que diz a Coreia do Sul

A constituição sul-coreana considera todos os norte-coreanos como cidadãos da República da Coreia, o que obriga legalmente Seul a proteger os soldados capturados caso optem por desertar. Desde o fim da Guerra da Coreia (1950-1953), dezenas de milhares de norte-coreanos desertaram para o sul, mas este caso de agora apresenta um cenário inédito: soldados capturados em um conflito no exterior.

O governo sul-coreano, por meio do Ministério da Unificação, afirmou que o destino dos soldados deve ser decidido conforme o direito internacional e em consulta com as partes envolvidas. Além disso, a Agência Nacional de Inteligência (NIS) está disposta a facilitar o seu traslado para a Coreia do Sul, caso eles solicitem.

Não há dúvida de que o retorno dos soldados à Coreia do Norte apresenta sérios perigos. No regime de Kim Jong-un, os prisioneiros de guerra são vistos como traidores e enfrentam represálias como torturas, encarceramento ou até mesmo execução. Além disso, seu retorno também colocaria em risco suas famílias, que poderiam ser punidas para garantir seu silêncio.

As três opções humanitárias

Diante disso, a Ucrânia oferece aos soldados três caminhos/opções a serem escolhidos:

  1. Repatriação para a Coreia do Norte: Embora possível, essa opção contraria os princípios humanitários e os valores democráticos que a Ucrânia defende em sua guerra contra a Rússia.
  2. Asilo/deserção na Coreia do Sul: Uma opção que garantiria a segurança dos soldados e que, ao mesmo tempo, permitiria a Seul aproveitar sua deserção como um golpe propagandístico contra o regime de Kim. Além disso, os soldados poderiam fornecer informações valiosas sobre as operações norte-coreanas na Ucrânia.
  3. Asilo na Ucrânia ou em um terceiro país: Esta alternativa refletiria o compromisso da Ucrânia com os direitos humanos e daria aos soldados a oportunidade de recomeçar suas vidas longe do autoritarismo.

A "quarta" via

Segundo a Agência Nacional de Inteligência da Coreia do Sul (NIS), seria necessário vigiar esses soldados. A razão? Os relatórios indicam que as tropas norte-coreanas enviadas para a Rússia receberam ordens estritas de tirar a própria vida caso fossem capturadas, numa tentativa de preservar a narrativa do regime e evitar o vazamento de informações.

Essa ideia, sugerida pela Coreia do Sul, reforça os documentos encontrados pela inteligência ucraniana em soldados norte-coreanos mortos na frente de batalha, informações que indicam que os soldados recebem ordens de evitar a captura a todo custo, inclusive suicidando-se ou detonando explosivos.

Implicações de uma prisão

No fundo, trata-se de um tema extremamente delicado sob a perspectiva geopolítica e diplomática. A captura desses soldados representa um desafio para todas as partes envolvidas.

Para a Ucrânia, o tratamento dado aos prisioneiros será uma prova de sua adesão aos princípios de liberdade e direitos humanos que defende. Para a Coreia do Sul, aceitar esses soldados poderia reforçar sua postura em relação à reunificação e oposição ao regime norte-coreano. Finalmente, para a Rússia e a Coreia do Norte, a situação expõe sua aliança secreta e o custo humano de sua cooperação, a menos que haja algum tipo de comunicado oficial.

Imagem | Conta de Zelensky no X

Este texto foi traduzido/adaptado do site Xataka Espanha.

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