Elon Musk construiu a fama de fundador visionário – mas não foi ele quem criou as duas empresas que o tornaram milionário.

  • Elon Musk se tornou a pessoa mais rica do mundo assumindo grandes riscos em seus investimentos.

  • Seu segredo? Não foi criar as empresas que mais lhe renderam lucro, mas saber onde e quando apostar.

Elon Musk e sua visão "revolucionária" no mercado. Imagem: Flickr (Gage Skidmore, Tesla Owners Club Belgium), Unsplash (Dmitry Novikov), Divshub (Trevor Cokley)
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Sofia Bedeschi

Redatora

Jornalista com mais de 5 anos de experiência no ramo digital. Entusiasta pela cultura pop, games e claro: tecnologia, principalmente com novas experiências incluídas na rotina. 

Assim como Jeff Bezos e outros bilionários, Elon Musk construiu a imagem de um gênio que se fez sozinho, partindo do zero. A ideia do empresário visionário que começou em uma garagem e revolucionou o mundo foi amplamente romantizada – um conceito que nem a Apple conseguiu sustentar por muito tempo.

Ao redor de Musk, surgiram diversos mitos e lendas que, embora tenham alguma base real, foram exagerados ou convenientemente editados para dar um tom épico à sua trajetória. No entanto, o tempo, que sempre coloca as coisas no devido lugar, tem desmentido muitas dessas narrativas.

Entre as mais conhecidas, está o suposto passado ligado às minas de esmeraldas na Zâmbia, herdadas de seu pai, a verdadeira história sobre a fundação da Tesla, e até a dúvida sobre se a própria Tesla e a SpaceX teriam sobrevivido sem o apoio de programas governamentais – os mesmos que ele agora critica e tenta desmantelar.

Os primeiros anos de Elon Musk

Elon Musk cresceu em uma família de boa condição financeira na África do Sul. Seu pai, Errol Musk, era um empresário com uma trajetória cheia de altos e baixos. Em uma entrevista, Errol negou ser proprietário de minas de esmeraldas, mas admitiu ser acionista de uma delas, o que lhe garantia o recebimento de algumas pedras preciosas ao longo dos anos 1980.

Independentemente da origem da fortuna, o próprio Errol descreveu a infância de Elon e seus irmãos como cheia de luxos. Em sua biografia sobre Musk, Walter Isaacson relatou que o jovem cresceu cercado de riqueza, mencionando inclusive que a família possuía um Rolls-Royce Corniche dourado conversível.

É verdade que, durante os anos de estudo dos filhos, Errol Musk já não era mais milionário e nem sempre conseguia sustentá-los financeiramente. No entanto, ele ainda teve um papel importante no primeiro negócio de Elon e seu irmão Kimbal Musk – vendendo algumas de suas esmeraldas na joalheria Tiffany’s, em Nova York, para ajudá-los a dar os primeiros passos no mundo do empreendedorismo.

O começo com a Zip2: apoio familiar e primeiras dificuldades

Em 1995, quando Elon e Kimbal Musk fundaram a Zip2, receberam um aporte inicial da família. O pai, Errol Musk, investiu 28 mil dólares, enquanto a mãe, Maye Musk, contribuiu com mais 10 mil dólares.

Elon Musk chegou a negar essa versão em uma entrevista à Rolling Stone, mas amenizou o tom em sua biografia "Elon Musk: Tesla, SpaceX, and the Quest for a Fantastic Future", de Ashlee Vance. No livro, ele admitiu que o pai bancou 10% do investimento inicial, deixando claro que teve um impulso financeiro significativo da família.

Mais ambição do que habilidade para gestão

Com o capital inicial garantido, a Zip2 conseguiu atrair novos investidores, incluindo Greg Kouri. No entanto, logo ficou evidente que Elon Musk não tinha experiência suficiente para liderar a empresa. Ele acabou sendo rebaixado para diretor de tecnologia, enquanto Rich Sorkin assumiu o comando.

Segundo Ashlee Vance, o código original da Zip2, escrito principalmente por Musk, era cheio de erros e precisou ser quase totalmente refeito pelos engenheiros contratados. Apesar disso, Elon não hesitava em humilhar a equipe, chegando a gritar na frente de todos: "Consertem essa porcaria de código estúpido!", conforme relatado por Walter Isaacson em sua biografia sobre Musk.

Mesmo com as dificuldades iniciais, o negócio prosperou. Em 1999, a Compaq comprou a Zip2 por 307 milhões de dólares, tornando os irmãos Musk milionários. Dessa venda, Elon embolsou seus primeiros 22 milhões de dólares – o primeiro grande passo de sua fortuna bilionária.

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O caminho até o PayPal: mais um rebaixamento no comando

Após a venda da Zip2, Elon Musk cofundou a X.com, uma plataforma de serviços bancários online. No entanto, a empresa acabou se fundindo com sua principal concorrente, a Confinity, fundada por Peter Thiel e Max Levchin, dando origem ao PayPal.

Musk frequentemente se apresenta como um dos grandes visionários por trás do PayPal, mas, na realidade, a tecnologia central da plataforma veio da Confinity, enquanto a X.com contribuiu principalmente com sua base de usuários.

Musk assumiu o cargo de CEO da nova empresa, mas não por muito tempo. Seis meses depois, em setembro de 2000, ele foi demitido e substituído por Peter Thiel, que aproveitou uma viagem de Musk à Austrália para reorganizar a empresa sem ele.

O atrito com Max Levchin e a queda

Uma das razões para sua saída foram os constantes conflitos com Max Levchin, especialmente pelas decisões tecnológicas arriscadas de Musk. Uma delas foi sua insistência em substituir toda a infraestrutura Unix do PayPal por Microsoft Windows, um movimento que gerou forte resistência interna.

Segundo Walter Isaacson, Musk admirava Bill Gates e acreditava que Windows NT e a Microsoft eram opções mais confiáveis. Essa admiração, porém, não duraria muito tempo.

Mesmo sem estar mais no comando, Musk ainda era um dos principais acionistas e se beneficiou financeiramente quando o eBay comprou o PayPal por 1,5 bilhão de dólares. O negócio acrescentou 180 milhões de dólares à sua fortuna, permitindo que ele desse os próximos passos em sua trajetória empreendedora.

Tesla: assumir o controle e reescrever a história

Muita gente acredita que Elon Musk fundou a Tesla, mas essa ideia é, em grande parte, fruto da narrativa construída ao longo dos anos. Na realidade, a Tesla Motors foi fundada em 2003 pelos engenheiros Martin Eberhard e Marc Tarpenning, muito antes de Musk se envolver no projeto.

Musk entrou na empresa apenas em 2004, quando a Tesla ainda não tinha uma visão clara sobre seus produtos. Usando parte da fortuna que acumulou com o PayPal, ele se tornou o principal investidor e, apesar de ser apenas um financiador, se nomeou presidente do conselho de administração – algo que os cofundadores confirmaram em uma entrevista à CNBC.

De investidor a CEO

Com o tempo, Musk foi assumindo mais controle da empresa e, aos poucos, afastando os fundadores originais. Em 2007, ele demitiu Martin Eberhard, um dos criadores da Tesla, e no ano seguinte se tornou CEO, cargo que ocupa até hoje.

O que começou como um investimento se transformou em um domínio absoluto, permitindo a Musk não apenas comandar a Tesla, mas também reescrever a história, posicionando-se como o nome central por trás da empresa – mesmo sem ter sido um dos fundadores originais.

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O embate judicial e a "fundação" de Tesla

Martin Eberhard, um dos verdadeiros fundadores da Tesla, entrou com um processo contra Elon Musk, acusando-o de tomar o controle da empresa, orquestrar sua demissão e tentar reescrever a história da Tesla. No processo, Eberhard argumentava que Musk queria ser reconhecido como fundador da companhia, mesmo tendo entrado apenas como investidor quando a empresa já existia.

No fim, Eberhard foi forçado a ceder e assinou um acordo permitindo que Musk fosse oficialmente reconhecido como "cofundador", ao lado dos verdadeiros criadores da Tesla.

De investidor a rosto da revolução elétrica

O maior feito de Musk foi assumir uma empresa promissora que já havia sido fundada por outros e depois usar sua influência para se tornar o grande símbolo da revolução dos carros elétricos. Isso não significa que sua participação não tenha sido importante para o crescimento da Tesla, mas contradiz a ideia de que ele construiu a empresa do zero.

Dinheiro público salvando Tesla e SpaceX

Apesar de se apresentar como um empresário que arrisca sua própria fortuna, Musk construiu boa parte de seu império com bilhões em dinheiro público. O caso mais emblemático é o da Tesla.

Em 2008, durante a crise financeira, a empresa esteve à beira da falência. O que a salvou foi um empréstimo federal de 465 milhões de dólares concedido pelo governo dos EUA, por meio do Advanced Technology Vehicles Manufacturing Loan Program (ATVM), do Departamento de Energia da gestão Obama.

Sem esse suporte, a Tesla talvez nem existisse hoje – um detalhe muitas vezes ignorado na narrativa do bilionário sobre sua trajetória de sucesso.

O pagamento do empréstimo e os benefícios públicos

A Tesla quitou o empréstimo antecipadamente em 2013, mas isso só foi possível graças a outros incentivos governamentais, como os créditos para veículos de zero emissões (ZEV). A venda desses créditos de emissões rendeu à Tesla dinheiro extra para pagar a dívida, um sistema que agora está na mira de DOGE.

Uma investigação do Los Angeles Times em 2015 revelou que as empresas de Elon Musk já haviam recebido cerca de 4,9 bilhões de dólares em subsídios públicos do governo dos EUA.

SpaceX e os contratos bilionários com o governo

A SpaceX, por sua vez, consolidou seu sucesso graças a bilhões em contratos governamentais, especialmente com a NASA e o Departamento de Defesa dos EUA.

Em 2014, a empresa recebeu 2,6 bilhões de dólares para desenvolver e realizar missões tripuladas para a Estação Espacial Internacional (ISS) com a nave Crew Dragon.

Já em 2021, a NASA concedeu à SpaceX 2,89 bilhões de dólares para criar uma versão modificada do Starship, que será usada para levar astronautas à Lua na missão Artemis.

Além disso, a SpaceX se tornou uma peça-chave para o Departamento de Defesa e a Força Espacial dos EUA, recebendo múltiplos contratos para lançamentos de satélites de segurança nacional.

Entre 2019 e 2024, os contratos da empresa já superam 2 bilhões de dólares, e o volume total deve chegar a 22 bilhões de dólares em 2025, segundo Reuters. Desse montante, cerca de 15 bilhões de dólares vêm da NASA, conforme estimado por Gwynne Shotwell, presidente da SpaceX.

O mito do empresário independente

Embora Musk goste de se apresentar como um bilionário que construiu seu império com risco próprio, os números mostram uma forte dependência de subsídios e contratos governamentais. Seja na Tesla ou na SpaceX, o dinheiro público foi fundamental para que suas empresas chegassem onde estão hoje.

O mito do gamer lendário

Elon Musk sempre trabalhou para fortalecer sua imagem pública – e, às vezes, isso envolveu afirmações que não eram exatamente verdadeiras. Sua paixão por videogames já era conhecida, mas ele decidiu levar essa conexão a outro nível: queria provar que não apenas gostava de jogos, mas também era um dos melhores do mundo em Diablo 4.

Essa narrativa ajudou Musk a se aproximar do público mais jovem durante a pré-campanha eleitoral, mas tudo desmoronou quando internautas analisaram seu histórico de partidas.

Descobriram que sua conta estava ativa e registrando pontuações "recordes" no jogo exatamente no mesmo horário em que Musk estava presente, ao vivo, na posse de Donald Trump, em 20 de janeiro de 2025, em Washington.

Diante das evidências, Musk não teve escolha a não ser admitir que trapaceou e que não era o campeão que dizia ser.

No entanto, ele se recusou a pedir desculpas pelo engano. Para piorar, em vez de encerrar a polêmica, ele usou sua própria rede social, o X, para perseguir e atacar o usuário que expôs a fraude.

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