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A China está construindo uma represa sem precedentes em uma área onde vivem milhões de pessoas; o problema é a atividade sísmica

Se um forte terremoto atingir a região e causar a ruptura dessa super-represa, milhões de pessoas poderiam ser afetadas em um evento catastrófico

Nova super-represa chinesa está repleta de polêmicas / Imagem: Harvey Barrison, NASA
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Victor Bianchin

Redator

Victor Bianchin é jornalista.

A nova megaconstrução da China é um dos projetos mais ambiciosos que o país já teve: uma super-represa tão monumental que deixaria em segundo plano a da Barragem das Três Gargantas, na província de Hubei, na China. A nova produz três vezes mais energia do que a espetacular estrutura de mais de dois quilômetros de comprimento. Mas, claro, há um problema.

A super-represa

É uma realidade: a China avança com a construção da super-represa de Motuo no Tibete, um projeto de infraestrutura sem precedentes que, se concluído, se tornará a maior usina hidrelétrica do mundo, aproveitando um desnível abrupto de 2.800 metros, superando a capacidade da Barragem das Três Gargantas (atualmente a maior do mundo).

Localizada no Grande Cânion do Yarlung Tsangpo, na fronteira com a Índia, a represa despertou preocupações ambientais, geopolíticas e humanitárias, especialmente devido à falta de transparência de Pequim sobre seu desenvolvimento. Especialistas alertam que o projeto representa uma "bomba d'água" para milhões de pessoas na Índia e em Bangladesh.

Riscos sísmicos

O Tibete é uma das regiões mais sísmicas do planeta, algo que já é sabido há muito tempo, pois está localizado na colisão da Placa Indiana com a Placa Euroasiática. De fato, um recente terremoto de magnitude 7.1 em Shigatse causou danos em cinco represas hidrelétricas e a morte de 134 pessoas, demonstrando a vulnerabilidade da infraestrutura na região. Embora a obra de Motuo possa ser projetada para resistir a terremotos, mesmo assim deslizamentos de terra e avalanches de lama poderiam servir como um estopim e desencadear uma ameaça direta para as populações vizinhas. Estamos falando, novamente, de milhões de pessoas.

Esse risco é agravado pelo fenômeno de sismicidade induzida por reservatórios (RTS), onde o peso da água acumulada em grandes represas pode desencadear terremotos. Um exemplo é a represa Zipingpu, cuja construção foi seguida pelo devastador terremoto de Sichuan em 2008, que causou a morte de 87.000 pessoas. Além disso, a retenção de sedimentos pela represa poderia reduzir a fertilidade do solo a jusante, provocando erosão nos rios e costas da Índia e Bangladesh.

O cânion de Yarlung Tsangpo O cânion de Yarlung Tsangpo

Impacto ambiental

A represa também alteraria os padrões hídricos e climáticos cruciais para a agricultura na região. O Tibete, onde nasce o Brahmaputra, é uma das regiões mais biodiversas do mundo e um regulador chave do clima asiático.

A construção da super-represa poderia, por exemplo, alterar o regime de chuvas do monção, com efeitos devastadores para a agricultura na Índia e em Bangladesh. Além disso, o impacto ecológico das megarrepresas chinesas já é evidente em outros rios internacionais, como o Mekong, onde as represas causaram secas recorrentes e a intrusão de água salgada nos deltas agrícolas.

Impacto entre os locais e (des)informação

Esta é outra questão que precisa ser resolvida no projeto. O Tibete está sob um controle rigoroso do Partido Comunista Chinês, portanto, não se sabe a magnitude do deslocamento de tibetanos que será necessário devido à obra.

A esse respeito, Pequim não revelou detalhes sobre os custos (estima-se que o investimento total ultrapassará os R$ 815 milhões), as empresas envolvidas nem a quantidade de pessoas que serão realocadas. E, se nos basearmos em outros casos em províncias chinesas, protestos contra projetos hidrelétricos serão reprimidos, e sugere-se que qualquer oposição no Tibete será silenciada.

Geopolítica de uma super-represa

O rio Brahmaputra, que flui para a Índia e Bangladesh, é uma artéria vital para milhões de pessoas. Novamente, essa falta de transparência da China gerou desconfiança em Nova Délhi e Daca, cujos cientistas exigiram acesso aos dados hidrológicos para avaliar os riscos da obra. A Índia, por sua vez, teme que a China use o controle do rio como uma arma geopolítica, restringindo ou desviando o fluxo em caso de conflitos.

Diante disso, e com a incerteza, alguns funcionários indianos propuseram uma alternativa: construir uma represa em um afluente do Brahmaputra para contrabalancear possíveis reduções no fluxo, embora essa solução não pareça ideal e também possa prejudicar a ecologia da região.

Risco iminente

O Nikkei relatou que a possibilidade de um colapso catastrófico não é uma mera especulação. A China sofreu centenas de falhas em represas ao longo de sua história, incluindo o pior desastre de represas já registrado: o colapso em cascata da Represa Banqiao e outras 61 represas em 1975, um evento que causou 85.000 mortes diretas e deslocou 11 milhões de pessoas. Até mesmo a Represa das Três Gargantas esteve à beira do colapso em 2020, colocando em risco 400 milhões de pessoas.

Portanto, se um terremoto forte atingisse a região e provocasse o colapso da super-represa, milhões de pessoas no vale do Brahmaputra, na Índia e em Bangladesh, poderiam ser afetadas por inundações catastróficas, agravando ainda mais as tensões geopolíticas e humanitárias na região.

Também é possível considerar que, com essa megaobra, a China não apenas reforçaria seu controle sobre os recursos hídricos da Ásia, mas também transformaria o Brahmaputra em uma arma geopolítica, aumentando sua capacidade de pressão sobre seus vizinhos.

Imagem | Harvey Barrison, NASA

Este texto foi traduzido/adaptado do site Xataka Espanha.

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