Em julho do ano passado, muitas regiões do Japão adotaram a mesma fórmula para impulsionar suas economias. A ideia parecia boa: se o país está recebendo turistas em massa (bateu recorde absoluto em março, com três milhões de visitantes no mês), surgem oportunidades — e o ramen era um “must” para qualquer turista que se preze.
O problema?
Se todos tiveram a mesma ideia e surgiram casas de ramen em cada esquina, a oportunidade virou disputa. E é assim que talvez se entenda o que aconteceu no início do ano: falências espalhadas por todo o mapa do país. A isso, soma-se um problema que poucos previram, a milhares de quilômetros dali.
Um símbolo cultural
Nada disso seria notícia se não estivéssemos falando do prato — com letras maiúsculas — do Japão. Ou, ao menos, de um dos mais icônicos. O ramen é um dos símbolos máximos da gastronomia japonesa e ocupa um lugar especial na cultura culinária do país.
Tradicionalmente visto como uma refeição básica e acessível para estudantes, trabalhadores e famílias com orçamento limitado, ele representa mais do que um simples prato de macarrão: é um reflexo do espírito acessível e acolhedor da cozinha japonesa.
No entanto, esse símbolo de simplicidade e praticidade vem enfrentando um desafio crescente, com o aumento dos custos operacionais e a pressão psicológica em torno dos preços — como o chamado “muro dos 1.000 ienes”, um limite simbólico que, até pouco tempo atrás, quase nunca era ultrapassado.
A tempestade perfeita
Desde 2020, os custos dos ingredientes básicos — como algas, macarrão e cebolas — aumentaram significativamente, com uma alta de 10% em apenas três anos. A isso se somam o encarecimento da energia, a desvalorização do iene frente ao dólar e os problemas na cadeia de suprimentos provocados pela guerra na Ucrânia.
Todas essas pressões levaram restaurantes como os de Tetsuya Kaneko e Taisei Hikage a tomar decisões difíceis: aumentar os preços dos seus cardápios ou enfrentar o risco de fechar as portas.
Em muitos casos, os reajustes, mesmo modestos, vêm acompanhados de pedidos públicos de desculpas — reflexo do delicado equilíbrio entre a sustentabilidade do negócio e o respeito pelos clientes.
E o outro problema: a carne
Sim, além da alta nos ingredientes básicos, o outro grande desafio é a carne suína. Os restaurantes de ramen no Japão estão sob crescente pressão devido ao aumento nos preços da carne de porco, ingrediente essencial para o tradicional chashu que acompanha o prato.
Dinamarca
Os preços de importação da carne suína europeia, especialmente da Dinamarca, subiram 6% no último ano, atingindo entre 810 e 830 ienes por quilo. O motivo?
Aqui também há uma combinação de fatores: como nos ingredientes básicos, o aumento dos custos de ração devido à invasão russa da Ucrânia; o fechamento de plantas processadoras na Europa; o enfraquecimento da economia chinesa, que reduziu a demanda; e a já mencionada desvalorização do iene — um combo que torna as importações ainda mais caras.
Os efeitos disso tudo se traduzem, mais uma vez, em aumento dos preços no atacado e, por fim, nos cardápios dos restaurantes — com muitos estabelecimentos rompendo a barreira psicológica dos 1.000 ienes por uma tigela de ramen, o que pode afastar os clientes.
E a Alemanha
Esse é o segundo grande problema relacionado à carne. A detecção recente de febre aftosa na Alemanha gerou um novo desafio, porque, embora o Japão não importe carne suína do país, nações como Coreia do Sul e Reino Unido importavam — e agora estão recorrendo a outros fornecedores europeus, o que aumenta ainda mais a pressão sobre os preços globais da carne de porco.
Recurso ao Brasil
Sim, esse cenário levou o Japão a recorrer ao Brasil como novo fornecedor, triplicando suas importações de carne suína congelada do país — que chegaram a 10.131 toneladas em novembro de 2024.
Ainda assim, a mudança não parece ter aliviado os custos de forma significativa, já que o preço da carne de porco, junto com os demais ingredientes essenciais mencionados anteriormente — como gordura suína, nori, macarrão fresco e cebolinha — continua subindo.
As cebolas, por exemplo, tiveram um aumento de 29% no último ano.
Impacto e falência
A crise não afeta apenas os ingredientes. Segundo o Nikkei, os custos com mão de obra e aluguel também aumentaram, levando muitos pequenos e médios negócios ao limite.
Em 2024, 72 operadores de restaurantes de ramen com dívidas superiores a 10 milhões de ienes declararam falência — um recorde que superou até mesmo os números registrados durante a pandemia de COVID-19, em 2020.
E não para por aí. Cerca de 30% dos entrevistados pela empresa Teikoku Databank relataram prejuízos, refletindo o cenário difícil enfrentado por toda a indústria.
Resposta e impacto nos consumidores
Diante desse cenário, redes como a Yamaokaya optaram por reajustar os preços — mas apenas de alguns itens do cardápio, incluindo os ramens com chashu —, enquanto buscam manter os valores sob controle em parceria com seus fornecedores.
Ainda assim, as medidas não parecem suficientes para aliviar a pressão financeira sobre muitos estabelecimentos, que lutam para equilibrar qualidade, acessibilidade e sustentabilidade em um mercado altamente competitivo.
O ramen, que até pouco tempo era visto como uma oportunidade de reerguer economias locais no Japão, agora está levando muitos negócios à falência — ameaçando, no caminho, um dos maiores símbolos da gastronomia japonesa.
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