Em fevereiro, os presidentes Volodymyr Zelensky e Donald Trump se reuniram em Washington para debater e assinar um acordo sobre os recursos minerais da Ucrânia. Essa aliança concederá aos Estados Unidos um controle sobre os recursos naturais do país, uma medida que Trump tem promovido. No entanto, as estimativas sobre esse aspecto baseiam-se em relatórios da antiga URSS de mais de 50 anos atrás.
As famosas “terras raras”
O veículo S&P Global conseguiu demonstrar de onde vem essa especulação — bastou tirar o pó de alguns velhos documentos da antiga União Soviética. O relatório geológico da era soviética que a Ucrânia está utilizando para avaliar seus depósitos de “terras raras” se baseia em uma exploração realizada entre 1960 e 1990. É verdade que a tecnologia da época e os métodos eram muito diferentes dos atuais. Segundo os especialistas consultados pela S&P Global, os dados utilizados para estimar os recursos minerais não foram atualizados desde a dissolução da URSS em 1991.
Além disso, alguns dos depósitos estão em áreas de difícil acesso e exigem tecnologias mais avançadas para sua extração, como é o caso de Novopoltavske, localizado na região de Zaporizhia, devido às condições hidrogeológicas da mineração. Essa mina, segundo o relatório, contém fosfatos, terras raras e nióbio. Por outro lado, atualmente não é possível acessar os territórios ocupados pela Rússia, como na região de Donetsk, onde se encontram as pedreiras de Azovske e Mazurivske.
Segundo o relatório com mais de cinco décadas, sabia-se da existência desses depósito e eles foram explorados pela URSS, mas não em larga escala. Os impedimentos passaram pela falta de estrutura, a complexidade para acessar os depósitos e as limitações tecnológicas da época. Após a dissolução da URSS, os projetos de mineração na zona da Ucrânia estagnaram e não houve nenhuma tentativa de desenvolvimento em uma era pós-soviética.
O tratado assinado por Estados Unidos e Ucrânia estabelece um fundo de reconstrução do país europeu, financiado parcialmente com as receitas de suas reservas minerais. A Ucrânia aceitou ceder 50% de suas receitas futuras derivadas da mineração de minerais críticos como cobalto, lítio, titânio e terras raras. Em troca, os Estados Unidos ajudariam a desenvolver a infraestrutura de mineração necessária para extrair esses recursos, mas os analistas consideram que os benefícios reais podem demorar muitos anos para se concretizar.
Além disso, os EUA serão coproprietários do fundo na medida permitida por sua legislação e prometem um compromisso financeiro a longo prazo, mas o acordo não especifica quantias, prazos nem detalhes sobre a gestão do fundo, o que gera incerteza sobre sua implementação real.
No entanto, há um dado chave que passou despercebido: atualmente, a Ucrânia não produz terras raras em nível comercial. Embora tenha reservas, a infraestrutura necessária para extraí-las ainda não existe. Segundo o Serviço Geológico dos Estados Unidos, a Ucrânia conta com depósitos de escândio, um dos 17 elementos das terras raras, mas sua extração em grande escala ainda não começou.

Os EUA precisam disso?
Por um lado, Trump busca liderar os recursos minerais globais e se impor à China. Por outro, os analistas mencionam que a Ucrânia precisaria produzir 20% das terras raras do mundo durante mais de 150 anos para alcançar os 500 bilhões de dólares que Trump mencionou. Além disso, como se aponta no relatório, o valor dos depósitos pode não justificar o investimento em sua extração, o que faz com que o interesse de Trump não esteja completamente claro do ponto de vista econômico. A isso se soma a falta de clareza sobre a ajuda prévia dos EUA: Trump mencionou entre 300 bilhões e 350 bilhões de dólares, mas o Instituto Kiel estimou que o valor real é de 119 bilhões.
Cabe lembrar que a Ucrânia tem uma produção notável de outros minerais estratégicos. Antes da guerra, produzia gálio, utilizado em semicondutores e aplicações biomédicas, e contribuía com 2% da produção mundial de bromo, essencial em retardadores de chama. Além disso, produzia ilmenita, um concentrado mineral chave para a obtenção de titânio, um metal com aplicações militares. No entanto, a guerra interrompeu a produção de manganês e alumina, fundamentais para a fabricação de aço e alumínio.
O acesso aos depósitos minerais em território ocupado pela Rússia depende de uma eventual resolução do conflito, o que adiciona outra camada de incerteza ao acordo. Também permanece no ar uma questão chave: Zelensky buscava incluir garantias de segurança para a Ucrânia, mas o acordo não as menciona explicitamente. Embora o texto diga que os EUA apoiarão "os esforços da Ucrânia para obter garantias de segurança", não estabelece compromissos concretos nem mecanismos de defesa em caso de agressão. Sem elas, o impacto real do tratado continua incerto.
Trump e Putin
Todo esse conflito se complica ainda mais se adicionarmos a camada da relação entre Donald Trump e Vladimir Putin, que voltaram a conversar. O dirigente russo, inclusive, ofereceu acesso preferencial aos recursos naturais de seu país, mostrando disposição para negociar o fim do conflito. Apesar desses “avanços”, as possíveis concessões que Trump poderia aceitar, como o fato de a Ucrânia renunciar a ingressar na OTAN, preocupam tanto Kiev quanto a Europa. Há um temor de que esses acordos possam tornar a segurança na região ainda mais instável.
E tem mais um detalhe. O acordo menciona explicitamente que as futuras negociações sobre o fundo devem evitar conflitos com o processo de adesão da Ucrânia à União Europeia, um ponto curioso dado o crescente antagonismo de Washington em relação a Bruxelas. No entanto, Zelensky quer evitar que o acordo interfira em suas ambições de integração europeia. Tudo ainda está por ser decidido.
Imagem | Zhukov Olexander
Este texto foi traduzido/adaptado do site Xataka Espanha.
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