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Lojas ficaram sem arroz no Japão; e isso nos diz muito sobre sua economia e seu boom turístico

  • País lida com falta do grão no verão e já vê lojas sem estoque

  • A situação é explicada por vários fatores, mas há analistas que apontam para um determinante: políticas de agricultura

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PH Mota

Redator

Jornalista há 15 anos, teve uma infância analógica cada vez mais conquistada pelos charmes das novas tecnologias. Do videocassete ao streaming, do Windows 3.1 aos celulares cada vez menores.

Lojas com prateleiras vazias, estoque nos níveis mais baixos das últimas duas décadas, preços em alta, parte considerável da colheita afetada pelo calor extremo... Não são bons tempos para o arroz no Japão. O país dos nigiri e makis, quase autossuficiente em grãos de arroz, viu uma tempestade perfeita pairar sobre um de seus alimentos básicos.

Uma tempestade séria o suficiente para ter motivado um relatório do Departamento de Agricultura dos EUA (USDA) e levado um dos jornais mais influentes do Japão, o veterano The Mainichi, a publicar um editorial no qual dá um tapa na mão das políticas governamentais relacionadas ao cultivo dos grãos, tanto atuais quanto passadas.

Uma tempestade perfeita

É uma expressão banal, mas captura bem o que aconteceu com o arroz no Japão, onde nos últimos anos o consumo per capita tem girado em torno de 50 quilos. Apesar de sua importância, tradição e do fato de que quase 100% do grão japonês é produzido em seus próprios campos, nos últimos meses o país tem lidado com uma grave escassez de arroz. Em agosto, houve lojas sem estoque ou que pediram diretamente aos seus clientes que comprassem de forma responsável.

Essa falta repercutiu na imprensa local, mas também por outras de alcance internacional, como The Guardian, Financial Times, CNBC e Le Monde, além de especialistas em alimentos e o Departamento de Agricultura dos EUA, que divulgou um relatório analisando a situação do arroz no Japão.

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Onde é possível encontrar arroz?

"Ao longo do verão, o Japão enfrentou uma escassez de arroz que deixou os estoques vazios, pois a demanda superou a produção nos últimos três anos, fazendo com que os estoques secassem até os níveis mais baixos em mais de duas décadas", alerta o USDA. Mas não é a única causa que o relatório detecta.

O diagnóstico da agência combina fatores circunstanciais, como o pico de demanda registrado em agosto, quando os japoneses correram para estocar arroz preocupados com a temporada de tufões ou o risco de sofrer um terremoto, com outros de natureza mais estrutural, relacionados ao mercado ou à política.

Estoques em queda

Uma das ideias que a agência norte-americana ressalta é a queda de estoque. Citando dados do próprio Ministério da Agricultura japonês, a demanda superou a produção desde 2021/2022. Calcula-se que em 2023/2024 a necessidade pelo produto ficará em 7,02 milhões de toneladas, diante de uma produção de 2023 de "apenas" 6,61. A colheita também foi afetada por altas temperaturas e seca.

Além disso, há analistas que apontam que 2023 não foi um ano ruim para os arrozais, mas o calor fez com que apenas 59,6% do grão atingisse a mais alta qualidade, 16% a menos que no ano anterior. O que está claro para o Food Office é que em junho de 2024 o estoque do setor privado caiu "fortemente" em comparação com 2023 para "o menor nível desde 1999".

Colheita ruim devido ao calor?

Kazuhito Yamashita, ex-técnico do Ministério da Agricultura do Japão e diretor de pesquisa do Canon Institute of Global Studies (CIGS), descarta que essa seja a principal explicação para o que aconteceu no país. Em entrevista ao The Mainichi, ele lembrou que o indicador que reflete o volume coletado em 2023 não difere muito do de "um ano médio". "A colheita não foi ruim", conclui: "A escassez se deve à política de redução da área cultivada, o que também reduz a quantidade de terra dedicada."

"A produção de arroz é cortada para aumentar os preços de mercado e o governo concede subsídios aos produtores de arroz que mudam para outras culturas, como trigo ou soja. O Japão mantém essa política há mais de 50 anos", lembra.

"Produção controlada"

"Como o consumo de pão, macarrão e outros alimentos alternativos está aumentando, se os agricultores produzissem a mesma quantidade de arroz de antes, haveria um excedente, o que causaria uma queda no preço. Para evitar essa situação, a produção foi reduzida ano após ano e, ultimamente, apenas 60% dos campos de arroz são usados", acrescenta. A produção permaneceu abaixo da metade do máximo de 14,45 milhões de toneladas métricas por ano."

Na opinião dele, essa é "a essência" do que aconteceu com o arroz no país. "Como a produção foi tão rigidamente controlada, quando há qualquer ligeiro aumento na demanda, isso pode levar rapidamente à escassez e ao aumento dos preços", reflete. Simplesmente, a oferta não é elástica o suficiente para suportar eventos imprevistos, como um aumento no fluxo de turistas ansiosos para comer sushi ou "compras em pânico" diante da ameaça de um grande terremoto.

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E continua

O cenário é, na verdade, mais complicado e inclui outros fatores: o declínio gradual do consumo per capita de arroz nos últimos anos, um aumento nas exportações, o envelhecimento gradual dos produtores de arroz ou uma perda de terras aráveis ​​que não podem ser recuperadas da noite para o dia.

Também estão em jogo as tarifas aplicadas no Japão aos grãos importados para proteger sua própria produção ou aquela parte da colheita nacional, dedicada a propósitos como ração, processamento, reservas ou exportações, que não pode ser desviada para atender ao consumo doméstico, uma vez que é contratada ou subsidiada. Em 2023/2024, esse arroz reservado para "outros propósitos" foi responsável por 1,3 milhão de toneladas das 7,91 milhões de toneladas cultivadas, de acordo com dados do governo japonês.

Impacto do turismo

Outro fator que explica porque houve supermercados que ficaram sem pacotes de arroz ou que até limitaram as compras por cliente é o boom turístico que o país está vivenciando. Sua popularidade como destino e a fraqueza do iene em relação a outras moedas fizeram com que o Japão tivesse números recordes de viajantes. E não são poucos os que visitam seus restaurantes para experimentar sushi ou outros pratos à base de arroz.

A CNBC especifica que o consumo de grãos atribuível aos visitantes disparou em quase 170%. De 19 mil toneladas entre julho de 2022 e junho de 2023, subiu para 51 mil toneladas entre julho de 2023 e junho passado, diz Oscar Tjakra, analista do banco mundial de alimentos e agricultura Rabobank.

Até que ponto isso influencia?

Yamashita reconhece que o aumento de visitantes para níveis recordes é um dos elementos da equação, mas questiona se é realmente "um fator importante". "Mesmo que cerca de três milhões de visitantes ficassem no Japão a cada mês por uma semana e comessem arroz no café da manhã, almoço e jantar, como muitos japoneses, isso representaria apenas cerca de 0,5% do consumo total", reflete o pesquisador do CIGS.

Para alguns analistas, o que o aumento da demanda de turistas mostra – como "compras em pânico" antes de tufões ou terremotos – é a capacidade limitada do suprimento de grãos de se adaptar às mudanças na demanda. Por isso, eles falam de uma "necessidade urgente" de reforma e novas políticas no setor. À medida que o arroz colhido este ano chega aos supermercados do país, o governo espera que a escassez de grãos diminua.

"Isolado do mundo"

As aspas são de Joseph Glauber, do Instituto Internacional de Pesquisa de Política Alimentar, que alerta que "a economia de arroz do Japão continua amplamente isolada do mercado global". Em sua opinião, além das colheitas melhores ou piores ou do gosto dos turistas por sushi, o que explica a queda na oferta geral são as políticas de arroz do próprio país. Embora o Japão importe centenas de milhares de toneladas anualmente devido aos seus acordos com a OMC, lembra a CNBC, ele aplica uma tarifa alta aos grãos importados.

Como pano de fundo, o país notou um aumento significativo no preço de um alimento essencial: em agosto, 16.133 ienes foram pagos por 60 quilos de grãos, cerca de 113 dólares (ou 654 reais). Isso é 3% a mais que no mês anterior e um aumento de 5% desde o início do ano. O Diplomat especifica que em julho o preço do arroz atingiu seu nível mais alto em 11 anos, o que também pode ter contribuído para a "compra por pânico".

Imagens | Debs (ò‿ó)♪ (Flickr) , Steven Rieder (Flickr) e USDA

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