Poucos livros atravessaram tantas décadas com tanto impacto e tão pouco questionamento quanto A Mãe Alemã e Seu Primeiro Filho, de Johanna Haarer. Publicado em 1934, em plena ascensão do regime nacional-socialista, o manual se tornou parte do esforço institucional de modelar o cidadão ideal desde os primeiros dias de vida. O que parecia ser apenas um guia sobre maternidade revelou-se, com o tempo, uma peça central de um projeto político mais amplo — e seus efeitos, ainda hoje, reverberam na cultura alemã.
A pedagogia da contenção emocional
A proposta de Haarer era direta: a criança, especialmente o bebê, deveria ser tratada com distanciamento emocional. No livro, recomendava-se evitar o colo, não atender ao choro, manter o recém-nascido isolado por 24 horas após o parto, e falar com ele apenas em linguagem formal, sem afetividade.
O contato físico deveria ser mínimo, e qualquer gesto de consolo era visto como perigoso para o desenvolvimento da “independência” infantil.

O que se apresentava como uma orientação prática para mães era, na verdade, uma filosofia de criação centrada no controle, na disciplina e na supressão das emoções. O vínculo entre mãe e filho, em vez de ser valorizado, era tratado com suspeita — como um obstáculo à formação moral e à rigidez exigida pela sociedade.
Um manual a serviço do Estado
Não por acaso, o livro de Haarer foi amplamente adotado e promovido pelo regime nazista. Estima-se que mais de três milhões de mulheres tenham passado por programas de treinamento materno que incorporavam diretamente os princípios do livro. A maternidade, nesse contexto, deixava de ser uma experiência privada para se tornar um dever social, supervisionado e normatizado.
O ideal era criar cidadãos emocionalmente contidos, pouco dados à empatia e prontos para obedecer. A pedagogia da contenção emocional se alinhava perfeitamente ao modelo de sociedade que o regime pretendia construir — e o berço passou a ser o primeiro espaço de formação política.
A persistência no pós-guerra
Mesmo após a queda do regime em 1945, o livro continuou circulando. Algumas edições foram “higienizadas”, com a remoção de trechos mais diretamente ideológicos, mas a estrutura principal — a rejeição ao afeto como base da criação — permaneceu. Durante décadas, A Mãe Alemã e Seu Primeiro Filho seguiu sendo adotado por famílias alemãs como um manual confiável de orientação.
Esse movimento silencioso — a continuidade de práticas sem a referência explícita ao seu contexto original — fez com que a pedagogia de Haarer atravessasse gerações. Em muitos casos, pais e mães passaram a adotar esses métodos por hábito, não por convicção ideológica. Mas o efeito, ainda que menos perceptível, seguiu sendo profundo.
Resquícios culturais e suas consequências
A partir dos anos 1980, estudos sobre o desenvolvimento infantil e o vínculo afetivo começaram a identificar padrões de comportamento marcados por distanciamento emocional em contextos familiares na Alemanha. A dificuldade em oferecer consolo, a hesitação no toque e a valorização excessiva da autonomia precoce foram associadas a um modelo de criação que, mesmo despolitizado, seguia enraizado.

Embora os fenômenos contemporâneos — como a solidão urbana, a baixa taxa de natalidade e o aumento de distúrbios relacionados à saúde mental — tenham múltiplas causas, muitos estudiosos apontam que a herança dessa pedagogia da frieza não pode ser ignorada. Ela moldou não apenas a forma de criar filhos, mas também de se relacionar, de amar, de pedir ajuda.
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