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A estratégia dos EUA para enfrentar o crescimento naval imparável da China tem um protagonista inesperado: o Japão

Japão e Coreia do Sul, com décadas de experiência e eficiência, podem ser a chave para que os EUA recuperem sua posição dominante na construção naval militar

EUA cogitam imitar sistema japonês de produção de submarinos / Imagem: Tom Dennison
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Victor Bianchin

Redator

Victor Bianchin é jornalista.

Os Estados Unidos vêm ficando para trás em um setor que antes dominavam: a construção naval militar. Sua frota (sub)marítima foi reduzida, junto com seu orçamento. Enquanto isso, China, Rússia e até mesmo Coreia do Norte desenvolveram um novo tipo de “guerra” sob o mar, dando especial importância ao fator “nuclear” nos UUVs (submarinos não tripulados), Washington permaneceu paralisada. O caso do Ártico é outro exemplo perfeito. Talvez por isso o foco tenha mudado radicalmente: Japão.

Japão como exemplo

Diante do crescente poderio marítimo da China e das dificuldades enfrentadas pela indústria naval dos Estados Unidos, o Congresso está avaliando a possibilidade de adotar o modelo japonês de produção contínua de submarinos. Diferentemente do sistema norte-americano, em que a quantidade de embarcações construídas varia anualmente conforme o orçamento, o Japão (junto com a Coreia do Sul) tem mantido por décadas um ritmo de produção de um submarino por ano, um modelo que proporcionou estabilidade à sua indústria naval e eficiência nos custos.

O especialista em temas navais do Congresso, Ronald O'Rourke, apresentou esse modelo em uma audiência do Subcomitê de Projeção de Forças e Poder Marítimo da Câmara dos Representantes, argumentando que a estratégia japonesa permite manter uma taxa de aquisição constante sem comprometer o tamanho total da frota. Em vez de aumentar a produção, o Japão gerencia o número de submarinos em serviço por meio da extensão de sua vida útil.

O sucesso do modelo nipônico

Para entender essa fórmula, é preciso voltar no tempo. Há décadas, o Japão segue essa estratégia para proteger seus interesses marítimos, especialmente nos estreitos de Soya, Tsugaru e Tsushima, rotas-chave por onde transitam navios russos e chineses. Inicialmente, sua frota consistia em 16 submarinos operacionais e dois de treinamento, mas, em 2010, ampliou seu objetivo para 22 submarinos sem aumentar a produção, apenas prolongando seu tempo de serviço de 16 para 22 anos.

Há outro fator crucial: o sistema japonês permite que a Mitsubishi Heavy Industries e a Kawasaki Heavy Industries alternem a fabricação de submarinos, evitando flutuações na carga de trabalho dos estaleiros e garantindo a manutenção de uma força de trabalho altamente especializada. Essa estratégia tornou a indústria naval japonesa eficiente, competitiva e capaz de se adaptar a mudanças nas necessidades de defesa sem gerar custos excessivos ou problemas logísticos.

O declínio dos EUA

Do outro lado, temos Washington. Enquanto o Japão mantém sua estabilidade na produção naval, a Marinha dos Estados Unidos enfrenta um cenário preocupante. A construção de seus navios tornou-se cada vez mais cara e lenta, e os números confirmam essa tendência: o custo total dos 46 navios atualmente em construção triplicou em apenas um ano, passando de 3,4 bilhões para 10,4 bilhões de dólares.

E não é só. Os porta-aviões, que antes levavam oito anos para serem construídos, agora exigem 11 anos. Os submarinos de ataque, cuja construção levava seis anos na década de 2000, agora demoram nove. Até mesmo a Marinha enfrenta escassez de pessoal, tanto nos estaleiros quanto nas tripulações, o que agrava ainda mais os atrasos.

Todos esses desafios fazem com que a opção de adotar a abordagem japonesa ou sul-coreana — duas das maiores potências da construção naval mundial — ganhe força em Washington, especialmente porque o número de submarinos de ataque dos EUA está em trajetória de queda nos próximos anos, o que pode afetar o equilíbrio de poder no Pacífico.

Japão como complemento estratégico

Tudo isso nos leva à proposta do Congresso. Além disso, o fortalecimento da frota submarina japonesa não apenas reforça a defesa de Tóquio, mas também beneficia os Estados Unidos ao contar com um aliado mais bem preparado na região. O'Rourke destacou que, se o Japão decidisse expandir ainda mais sua frota para 30 submarinos, poderia fazê-lo mantendo sua atual taxa de produção e estendendo a vida útil de suas embarcações para 30 anos.

A recente entrega do submarino Raigei, da classe Taigei, pela Kawasaki Heavy Industries ao Ministério da Defesa do Japão, é uma demonstração da eficiência do sistema em questão. A Mitsubishi fez o mesmo com o submarino Jingei, refletindo um esquema de produção constante que contrasta com os problemas da indústria naval dos Estados Unidos.

O desafio em um contexto político incerto. Embora o modelo japonês ofereça soluções claras, sua implementação nos Estados Unidos não é tão simples. O motivo principal? O sistema norte-americano depende de negociações orçamentárias anuais, o que gera flutuações na produção naval e dificulta o planejamento de longo prazo. Além disso, a incerteza política e econômica, incluindo possíveis restrições comerciais e a ameaça de novos impostos pela administração de Trump, poderia complicar ainda mais qualquer tentativa de estabilizar a indústria.

Diante desse cenário e à medida que a competição marítima com a China se intensifica, o Congresso dos EUA se vê obrigado a reconsiderar sua estratégia de construção naval. Adotar o modelo japonês poderia ser uma solução viável para melhorar a eficiência, reduzir custos e garantir que a Marinha mantenha sua posição no cenário global. Uma equação complexa que exigiria mudanças estruturais profundas na forma como o país financia e gerencia sua indústria, um desafio que ainda precisa ser resolvido.

Imagem | Tom Dennison

Este texto foi traduzido/adaptado do site Xataka Espanha.

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