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A Europa enviou 18 bilhões de euros para a Ucrânia para a guerra; o problema é que gastou-se mais em petróleo e gás russos

Cada euro gasto em combustíveis russos pela Europa contribui direta ou indiretamente para prolongar a guerra

Só em 2024, a UE gastou aproximadamente 21,9 bilhões de euros em petróleo e gás russos / Imagem: Ministério de Defesa da Ucrânia
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Victor Bianchin

Redator

Victor Bianchin é jornalista.

Três anos se passaram desde que a Rússia iniciou sua invasão na Ucrânia. Durante esse período, o impacto econômico continua sendo profundo em ambos os países. Embora a atenção geral tenha se concentrado, com razão, no sofrimento humano, recentemente foram divulgados números econômicos que revelam a dimensão dos danos: a Ucrânia registra uma inflação anual de 12%, enquanto na Rússia o índice chega a 9,5%. Esses números evidenciam a persistência do declínio econômico em ambos os lados.

E, além disso, outro dado relevante: a Europa investiu mais na Rússia do que na Ucrânia.

A “dependência” da Rússia

Um recente relatório do Centre for Research on Energy and Clean Air (Crea) revelou que a União Europeia destinou mais dinheiro à compra de combustíveis fósseis russos do que ao apoio financeiro direto concedido à Ucrânia durante o terceiro ano do conflito causado pela invasão russa. Segundo a análise, publicada por ocasião do terceiro aniversário da guerra, a UE gastou aproximadamente 21,9 bilhões de euros em petróleo e gás russos apenas no último ano do conflito, valor significativamente superior aos 18,7 bilhões de euros entregues à Ucrânia em ajuda econômica em 2024, de acordo com dados do Kiel Institute for the World Economy (IfW Kiel).

Os números podem ter várias interpretações, mas a principal é paradoxal: a situação ressalta uma contradição profunda entre o apoio verbal europeu à Ucrânia e as ações econômicas concretas que, indiretamente, beneficiam o regime de Vladimir Putin, proporcionando-lhe receitas essenciais para sustentar sua campanha militar.

Números e comparações históricas

Os dados se tornam ainda mais impressionantes ao se observar que o gasto total da Europa com combustíveis fósseis russos ao longo de 2024 superou em 39% a ajuda financeira concedida à Ucrânia. Além disso, o relatório destaca que a Rússia obteve receitas globais de aproximadamente 242 bilhões de euros com exportações energéticas durante o terceiro ano completo do conflito, aproximando seus lucros totais desde o início da invasão de um trilhão de euros. Em outras palavras, a dependência europeia se mostra ainda mais crítica ao considerar que até metade das receitas fiscais russas vêm diretamente do setor energético.

O economista Christoph Trebesch, do IfW Kiel, embora não tenha participado diretamente da análise, ressaltou a discrepância surpreendente entre a ajuda mobilizada para a Ucrânia e o suporte financeiro concedido em conflitos históricos anteriores. Por exemplo, a Alemanha foi significativamente mais generosa durante a libertação do Kuwait (1990-1991) do que tem sido até agora com a Ucrânia, considerando a proporção em relação ao PIB nacional.

Consequências da dependência energética

Os dados levam à mesma conclusão: o relatório destaca como essa dependência continua a impulsionar indiretamente a guerra na Ucrânia ao sustentar economicamente o governo russo. Vaibhav Raghunandan, coautor do estudo, declarou explicitamente que comprar combustíveis fósseis russos equivale praticamente a financiar o Kremlin, facilitando a continuidade de sua agressão militar.

Além disso, a capacidade da Rússia de contornar as sanções econômicas impostas pelo Ocidente por meio de sua chamada "frota sombria" — uma frota de navios antigos, como já mencionamos — permite ao país manter aproximadamente um terço de suas receitas com exportações de combustíveis fósseis.

A resposta europeia: sanções e desafios

Esta é a última peça do quebra-cabeça: o que a Europa tem feito a respeito? Em resposta a essa realidade, os embaixadores europeus recentemente aprovaram novas medidas em sua 16ª rodada de sanções contra a Rússia, voltadas especificamente para essa "frota sombria". O relatório também adverte que, ao reforçar as sanções já existentes e fechar algumas brechas legais, a UE poderia reduzir em até 20% os ganhos russos provenientes desses combustíveis.

Em particular, recomenda-se o fechamento da chamada "brecha do refino", que permite que a Europa compre petróleo russo processado em terceiros países, bem como a adoção de restrições mais rigorosas ao fluxo de gás russo pelo gasoduto TurkStream. Além disso, o relatório aponta outro problema crescente no comércio energético europeu: a dependência cada vez maior do gás natural liquefeito (GNL) russo. Embora a UE tenha reduzido consideravelmente as importações de gás canalizado da Rússia desde o início do conflito, parte dessa queda foi compensada por um aumento das compras de GNL russo, que atingiram níveis recordes em 2022, tornando a Rússia o segundo maior exportador desse tipo de gás para a Europa.

A guerra três anos depois

Em uma reportagem sobre a economia de ambos os países desde o início do conflito, o Guardian destacou que, sob a ótica de Moscou, os indicadores econômicos tradicionais parecem favorecer a Rússia. Embora o Produto Interno Bruto (PIB) russo tenha caído 1,3% inicialmente, ele mostrou uma recuperação sólida nos últimos dois anos, crescendo a uma taxa de 3,6% ao ano, segundo dados do Fundo Monetário Internacional (FMI).

Em contrapartida, a economia ucraniana sofreu um colapso dramático de 36% em meados de 2022, encerrando o ano com uma queda de 28,3%. Embora a Ucrânia tenha conseguido se recuperar parcialmente, registrando taxas de crescimento de 5,3% em 2023 e 3% em 2024, sua renda nacional ainda permanece 20% abaixo dos níveis anteriores à invasão.

Resiliência e perspectivas

Apesar das adversidades, a resiliência da Ucrânia tem sido notável. Christopher Dent, professor de economia internacional, argumenta que as perspectivas de longo prazo do país são melhores do que sugere a propaganda russa. Um exemplo concreto é a recuperação do setor elétrico ucraniano: após o atentado à usina hidrelétrica de Kakhovka em 2023 (que causou perdas de pelo menos 2 bilhões de dólares), a Ucrânia aumentou significativamente suas exportações de eletricidade para Moldávia, Hungria e Romênia, integrando-se mais estreitamente à rede energética europeia. O comércio marítimo pelo Mar Negro e pelo Danúbio continua funcionando, e o setor agrícola também apresenta sinais claros de recuperação.

O futuro promissor da Ucrânia também se baseia em seus vastos recursos minerais, incluindo depósitos metálicos avaliados em cerca de 11 trilhões de dólares. Além disso, a arrecadação tributária melhorou substancialmente, com aumentos significativos nos impostos corporativos e sobre o consumo, apoiados ainda por empréstimos internacionais do FMI e de agências ocidentais.

Apesar desses avanços, a economia ucraniana enfrenta desafios estruturais imensos. O mais crítico é o mercado de trabalho, que continua profundamente afetado, com uma taxa de desemprego de 16,8%, agravada pela migração em massa para o exterior e pelo recrutamento militar obrigatório.

A adaptabilidade da Rússia

Por sua vez, Moscou, apesar do isolamento internacional, demonstrou uma notável capacidade de adaptação econômica ao longo desses anos de guerra. As sanções impostas não interromperam completamente a máquina de guerra do país, em parte devido aos rendimentos substanciais obtidos com a venda ilícita de petróleo, gás, níquel e platina, especialmente para a Índia e a China, que se tornaram compradores-chave.

Além disso, a produção industrial russa mostrou dinamismo e conseguiu contornar restrições por meio de uma economia informal fortalecida por redes clandestinas de transporte de combustíveis. No entanto, a economia russa ainda enfrenta sérios problemas estruturais, sendo a elevada dependência do petróleo e do gás para financiar os gastos públicos um dos principais desafios.

Imagem: Ministério de Defesa da Ucrânia

Este texto foi traduzido/adaptado do site Xataka Espanha.

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