Tendências do dia

A história do Mitsubishi SpaceJet: como o Japão gastou US$ 8 bilhões para alcançar o que vem aspirando há meio século

Marcado por constantes atrasos e falhas de cálculo, o Mitsubishi SpaceJet foi cancelado após 15 anos e um investimento que esteve perto de ultrapassar 900 milhões de dólares

A história do avião japonês que passou décadas em desenvolvimento / Imagem: CHIYODA I
Sem comentários Facebook Twitter Flipboard E-mail
victor-bianchin

Victor Bianchin

Redator

Victor Bianchin é jornalista.

Criar uma marca de carros do zero é algo complicadíssimo. Os desafios são tantos e há tantas variáveis a considerar que pode parecer quase um milagre uma empresa conseguir se manter após perder, sem dúvida, várias centenas (quando não milhares) de milhões de dólares.

Mas o que acontece quando falamos de aviões? A situação se torna ainda mais complexa por detalhes "sem importância", como:

  • Um mercado dominado por Boeing e Airbus
  • Custos produtivos enormes para garantir a qualidade e a segurança de todos os componentes
  • Uma rede muito restrita de fornecedores de motores e outros componentes críticos
  • O alto custo de aquisição de um avião, o que obriga a trabalhar com volumes baixos
  • A possível resistência dos clientes em encomendar um veículo essencial para o transporte de pessoas, cujo fracasso pode resultar, na melhor das hipóteses, em um rombo nas contas da empresa e, na pior, em um desastre humano

Tudo isso parece desanimador para uma nova marca que queira encontrar seu espaço no mercado. Nem mesmo se essa marca fizer parte de uma gigante como a Mitsubishi. E nem mesmo se essa marca contar, inclusive, com o apoio do governo japonês.

Foi exatamente isso que aconteceu com o Mitsubishi SpaceJet.

A história de um verdadeiro fracasso

Se olharmos para o mercado atual da aviação, não é por acaso que as principais empresas que aspiram a competir com Airbus e Boeing, os líderes absolutos do setor, vêm da China (COMAC), do Brasil (Embraer) e da Rússia (UAC).

Todas elas pertencem a países que buscam avançar geopoliticamente. Ter uma fabricante de aviões própria permitiria a esses países se posicionarem em um novo mercado e ganhar relevância onde atualmente não têm. No caso da China, trata-se de mais um passo para reduzir custos para suas próprias companhias aéreas e, ao mesmo tempo, continuar progredindo na indústria.

Embora, no caso russo, seja necessário considerar o impacto das sanções comerciais ocidentais devido à invasão da Ucrânia, os resultados obtidos até agora não foram satisfatórios, e uma série de pousos de emergência colocou em dúvida o futuro do setor no país.

Mas essa possibilidade de abrir um novo caminho na indústria e ganhar peso internacional foi o que levou o Japão a perseguir o sonho do Mitsubishi SpaceJet.

Para encontrar a origem do sonho japonês na aviação, é preciso lembrar do NAMC YS-11. Esse avião de passageiros deixou de ser produzido em 1974, após 12 anos, nas fábricas da Nihon Aircraft Manufacturing Corporation (NAMC). A ideia na época, assim como acontece hoje com as fabricantes chinesas, era fazer desse avião o substituto ideal para os modelos Douglas utilizados na época. Dessa forma, as companhias japonesas teriam uma opção local mais barata.

O projeto começou a tomar forma em 1962, quando teve início a produção de um avião comercial capaz de transportar até 64 passageiros, movido por duas turbo-hélices fabricadas pela Rolls-Royce. Naquele projeto, participaram a Kawasaki Heavy Industries, a Fuji Heavy Industries e, claro, a Mitsubishi Heavy Industries. Os esforços para unificar as grandes fabricantes japonesas em um novo produto ou no desenvolvimento de tecnologia, bem como as pressões do governo, não são novidade.

No entanto, após 182 unidades fabricadas, o projeto foi cancelado. As companhias aéreas japonesas adquiriram o avião, mas a falta de aceitação no mercado internacional e, para piorar, os diversos atrasos no desenvolvimento, colocaram ainda mais obstáculos no caminho.

Com a intenção de reviver a ideia de um Japão que fabrica seus próprios aviões, o governo recrutou a Mitsubishi para um novo projeto. Foi em 2008 que a empresa anunciou a criação da Mitsubishi Aircraft Corporation (MAC), uma subsidiária da Mitsubishi Heavy Industries que surgiu com um aporte de 100 bilhões de ienes (cerca de R$ 3,7 bilhões). A Toyota, inclusive, tinha uma participação de 10% na companhia.

Naquele ano, a empresa apresentou o projeto de seu primeiro avião de passageiros, exibindo dois protótipos que seriam movidos por motores da norte-americana Pratt & Whitney. A promessa era ter o avião pronto em 2012. Mas 2012 chegou e nada do avião. Também não o vimos em 2013. E só em 2014 foi apresentado publicamente o primeiro protótipo. No entanto, esse atraso não seria o único.

Em 11 de novembro de 2015, o Mitsubishi MRJ realizou seu primeiro voo de teste. Na ocasião, foi prometido que as primeiras entregas aconteceriam em 2017, mas, pouco depois, após uma análise do voo, os planos foram adiados para 2018.

O motivo era simples: falhas críticas. Se o motor falhasse ou um tubo se rompesse, o sistema elétrico poderia entrar em colapso e causar um incêndio. Aqui vale lembrar a importância da segurança extrema de todos os componentes e o quão difícil é garanti-la.

Além disso, mudanças regulatórias nos Estados Unidos tornaram necessário repensar diversos aspectos do avião. Com o projeto pausado e a necessidade de revisar cada detalhe, a Mitsubishi reformulou o projeto, rebatizando-o como Mitsubishi SpaceJet, e adquiriu o programa CRJ da Bombardier para economizar tempo e dinheiro na adaptação às novas normas. Antes disso, a própria Bombardier havia processado a Mitsubishi por espionagem industrial, embora a denúncia tenha sido arquivada.

Já estávamos em 2019 e não havia sinal dos 450 pedidos feitos pelas companhias japonesas. Um ano depois, a pandemia de Covid-19 colocou a última pá de cal em um projeto que, segundo estimativas, custou 8 bilhões de dólares (R$ 45 bilhões) e, com seu cancelamento, evitou um gasto adicional de 900 milhões de dólares (R$ 5 bilhões) já comprometidos.

Imagem | CHIYODA I

Este texto foi traduzido/adaptado do site Xataka Espanha.

Inicio